Câmara de Vereadores de Guaíba

PARECER JURÍDICO

PROCESSO : Projeto de Lei do Legislativo n.º 076/2018
PROPONENTE : Ver. Alex Medeiros
     
PARECER : Nº 155/2018
REQUERENTE : #REQUERENTE#

"Dispõe da finalidade de dar prioridade especial ao Idoso com mais de 80 anos e regulamentar no âmbito do Município de Guaíba a LEI FEDERAL Nº 13.466, DE 12 DE JULHO DE 2017"

1. Relatório:

O Projeto de Lei n.º 076/2018, de autoria do Vereador Alex Medeiros (PP), que “Dispõe da finalidade de dar prioridade especial ao Idoso com mais de 80 anos e regulamentar no âmbito do Município de Guaíba a LEI FEDERAL Nº 13.466, DE 12 DE JULHO DE 2017”, foi encaminhado a esta Procuradoria Jurídica pela Presidente da Câmara Municipal para análise com fulcro no art. 105 do Regimento Interno, a fim de que seja efetivado o exercício de controle quanto à constitucionalidade, à competência da Câmara e ao caráter pessoal das proposições.

2. Parecer:

De fato, a norma insculpida no art. 105 do Regimento Interno da Câmara Municipal de Guaíba prevê que cabe ao Presidente do Legislativo a prerrogativa de devolver ao autor as proposições manifestadamente inconstitucionalidade (art. 105, II), alheias à competência da Câmara (art. 105, I) ou ainda aquelas de caráter pessoal (art. 105, III). O mesmo controle já é exercido no âmbito da Câmara dos Deputados, com base em seu Regimento Interno (art. 137, §1º), e no Regimento Interno do Senado Federal (art. 48, XI) e foi replicado em diversos outros regimentos internos de outros parlamentos brasileiros.

A própria doutrina jurídica prevê o instituto do controle de constitucionalidade político também chamado de controle preventivo, através de exame perfunctório pela Presidência da Mesa Diretora. A devolução será efetivada mediante despacho fundamentado da Presidência, sempre indicando o artigo constitucional, da Lei Orgânica ou Regimental violado, garantido o direito do autor de recorrer dessa decisão ao Plenário, conforme o art. 105, parágrafo único do RI, nas linhas gerais da Ordem de Serviço 004/2018.

                A iniciativa em relação à competência está adequada. Com efeito, a Constituição Federal de 1988 fortaleceu a autonomia dos municípios, no ensinamento de Celso Ribeiro Bastos, emprestando a estes entes quatro competências particularmente significativas:

- auto-organização, através da existência de Lei Orgânica Municipal;

- auto-governo, através da eleição de prefeito e vereadores;

- faculdade normativa, através da capacidade de editar leis locais próprias ou legislação suplementar às leis estaduais e federais;

- auto-administração ou auto-determinação, através da administração e prestação de serviços de interesse local.

Art. 30. Compete aos Municípios:

I - legislar sobre assuntos de interesse local;

II - suplementar a legislação federal e a estadual no que couber;

O artigo 30, II, da Constituição Federal prevê que cabe aos entes municipais suplementar a legislação federal e estadual no que couber, para amoldar regramentos federais e estaduais às peculiaridades de cada Município, detalhando e pormenorizando as normas gerais editadas com base na competência concorrente, prevista no artigo 24 da Constituição Federal.

Quanto à iniciativa para deflagrar o processo legislativo, a matéria não se insere no rol taxativo das matérias vedadas pelo art. 61 § 1º da Constituição Federal ou pelo art. 60 da CERS:

Art. 61. A iniciativa das leis complementares e ordinárias cabe a qualquer membro ou Comissão da Câmara dos Deputados, do Senado Federal ou do Congresso Nacional, ao Presidente da República, ao Supremo Tribunal Federal, aos Tribunais Superiores, ao Procurador-Geral da República e aos cidadãos, na forma e nos casos previstos nesta Constituição.

  • 1º São de iniciativa privativa do Presidente da República as leis que:

I - fixem ou modifiquem os efetivos das Forças Armadas;

II - disponham sobre:

  1. a) criação de cargos, funções ou empregos públicos na administração direta e autárquica ou aumento de sua remuneração;
  2. b) organização administrativa e judiciária, matéria tributária e orçamentária, serviços públicos e pessoal da administração dos Territórios;
  3. c) servidores públicos da União e Territórios, seu regime jurídico, provimento de cargos, estabilidade e aposentadoria;(Redação dada pela Emenda Constitucional nº 18, de 1998)
  4. d) organização do Ministério Público e da Defensoria Pública da União, bem como normas gerais para a organização do Ministério Público e da Defensoria Pública dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios;
  5. e) criação e extinção de Ministérios e órgãos da administração pública, observadoo disposto no art. 84, VI;  (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 32, de 2001)
  6. f) militares das Forças Armadas, seu regime jurídico, provimento de cargos, promoções, estabilidade, remuneração, reforma e transferência para a reserva.(Incluída pela Emenda Constitucional nº 18, de 1998).

                Art. 60. São de iniciativa privativa do Governador do Estado as leis que:

I - fixem ou modifiquem os efetivos da Brigada Militar e do Corpo de Bombeiros Militar; (Redação dada pela Emenda Constitucional n.º 67, de 17/06/14)

II - disponham sobre:

  1. a) criação e aumento da remuneração de cargos, funções ou empregos públicos na administração direta ou autárquica;
  2. b) servidores públicos do Estado, seu regime jurídico, provimento de cargos, estabilidade e aposentadoria de civis, e reforma ou transferência de militares para a inatividade;
  3. c) organização da Defensoria Pública do Estado;
  4. d) criação, estruturação e atribuições das Secretarias e órgãos da administração pública.

            Nessa lógica, é consagrada a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal de que o rol de matérias de iniciativa reservada ao Chefe do Poder Executivo é taxativo:

Não procede a alegação de que qualquer projeto de lei que crie despesa só poderá ser proposto pelo chefe do Executivo. As hipóteses de limitação da iniciativa parlamentar estão previstas, em numerus clausus, no art. 61 da Constituição do Brasil – matérias relativas ao funcionamento da administração pública, notadamente no que se refere a servidores e órgãos do Poder Executivo. Precedentes. [ADI 3.394, rel. min. Eros Grau, j. 2-4-2007, P, DJE de 15-8-2008.]

Quanto à matéria de fundo da proposição em análise, pretende regular em âmbito local a Lei N.º 13.466 de 12 de julho de 2017, que alterou os arts. 3º, 15 e 71 da Lei N.º 10.741, de 1º de outubro de 2003, que dispõe sobre o Estatuto do Idoso, garantindo prioridade aos idosos maiores de 80 anos e dando preferências aos octagenários, inclusive em processos judiciais, pois constituem grupo ainda mais vulnerável, portanto digno tal tratamento.

Destarte, o Projeto de Lei ora em análise não trata da estrutura ou da atribuição dos órgãos públicos nem do regime jurídico de servidores públicos, nem afronta o princípio da separação entre os poderes. A proposição está de acordo com o que dispõem as normas federais quanto ao direito de igualdade de fato, não apenas a igualdade material.

A jurisprudência citada amolda-se perfeitamente à regulação pretendida pelo projeto em análise, já que a proposição não pretende criar obrigações ou atribuições ao Poder Executivo Municipal, mas apenas regular deveres já previstos na norma federal, qual seja a Lei Nº 10.741 de 1º de outubro de 2003, que “Dispõe sobre o Estatuto do Idoso e dá outras providências.”, notadamente em seu artigo 3º, §§ 1º e 2º:

Art. 3º É obrigação da família, da comunidade, da sociedade e do Poder Público assegurar ao idoso, com absoluta prioridade, a efetivação do direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, à cultura, ao esporte, ao lazer, ao trabalho, à cidadania, à liberdade, à dignidade, ao respeito e à convivência familiar e comunitária. Parágrafo único. A garantia de prioridade compreende:

  • 1º A garantia de prioridade compreende: (Redação dada pela Lei nº 13.466, de 2017)

I – atendimento preferencial imediato e individualizado junto aos órgãos públicos e privados prestadores de serviços à população;

II – preferência na formulação e na execução de políticas sociais públicas específicas;

III – destinação privilegiada de recursos públicos nas áreas relacionadas com a proteção ao idoso;

IV – viabilização de formas alternativas de participação, ocupação e convívio do idoso com as demais gerações;

V – priorização do atendimento do idoso por sua própria família, em detrimento do atendimento asilar, exceto dos que não a possuam ou careçam de condições de manutenção da própria sobrevivência;

VI – capacitação e reciclagem dos recursos humanos nas áreas de geriatria e gerontologia e na prestação de serviços aos idosos;

VII – estabelecimento de mecanismos que favoreçam a divulgação de informações de caráter educativo sobre os aspectos biopsicossociais de envelhecimento;

VIII – garantia de acesso à rede de serviços de saúde e de assistência social locais.

IX – prioridade no recebimento da restituição do Imposto de Renda. (Incluído pela Lei nº 11.765, de 2008).

  • 2º Dentre os idosos, é assegurada prioridade especial aos maiores de oitenta anos, atendendo-se suas necessidades sempre preferencialmente em relação aos demais idosos. (Incluído pela Lei nº 13.466, de 2017)

Ação direta de inconstitucionalidade. Lei 3.542/2001, do Estado do Rio de Janeiro, que obrigou farmácias e drogarias a conceder descontos a idosos na compra de medicamentos. Ausência do periculum in mora, tendo em vista que a irreparabilidade dos danos decorrentes da suspensão ou não dos efeitos da lei se dá, de forma irremediável, em prejuízo dos idosos, da sua saúde e da sua própria vida. Periculum in mora inverso. Relevância, ademais, do disposto no art. 230, caput, da CF, que atribui à família, à sociedade e ao Estado o dever de amparar as pessoas idosas, defendendo sua dignidade e bem-estar e garantindo-lhes o direito à vida. [ADI 2.435 MC, rel. min. Ellen Gracie, j. 13-3-2002, P, DJ de 31-10-2003.]

SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. RE 702.848. Não vislumbro, no texto da Carta Política, a existência de obstáculo constitucional que possa inibir o exercício, pelo Município, da típica atribuição institucional que lhe pertence, fundada em título jurídico específico (CF, art. 30, I), para legislar, por autoridade própria, sobre a extensão da gratuidade do transporte público coletivo urbano às pessoas compreendidas na faixa etária entre 60 e 65 anos. Na realidade, o Município, ao assim legislar, apoia-se em competência material – que lhe reservou a própria Constituição da República – cuja prática autoriza essa mesma pessoa política a dispor, em sede legal, sobre tema que reflete assunto de interesse eminentemente local. Cabe assinalar, neste ponto, que a autonomia municipal erige-se à condição de princípio estruturante da organização institucional do Estado brasileiro, qualificando-se como prerrogativa política, que, outorgada ao Município pela própria Constituição da República, somente por esta pode ser validamente limitada. [RE 702.848, rel. min. Celso de Mello, dec. monocrática, j. 29-4-2013, DJE de 14-5-2013.]

Também a Lei Nº 13.466 é de autoria parlamentar – Projeto de Lei do Senado Federal, não havendo, em relação a essa matéria, vício de iniciativa que macule de inconstitucionalidade a proposição. Ainda nessa perspectiva, pode-se colacionar o Projeto de Lei Nº 3.150/2014 que “Regulamenta no Estado do Rio de Janeiro a idade do idoso e dá outras providências” e que normatizou no âmbito daquele Estado a Lei Federal N.º 10.741/2003 - Estatuto do Idoso e foi promulgada como Lei N.º 7.916/2018.

É preciso ressaltar que existindo normas gerais sobre a proteção da saúde e o direito dos idosos, os demais entes somente podem preencher vazios, esclarecer e aperfeiçoar as normas gerais, adequando esses regramentos às realidades locais do Município. Assim, a norma federal inclui de fato o direito de preferência, cabendo à lei local esmiuçar levando em conta a referidade realidade municipal esse direito, sem ignorar os componentes da livre iniciativa e da liberdade da atividade mercantil. Realmente a proposição especifica hipóteses de preferência e inclusive regula a aplicação de multas, normas de polícia administrativa, em conformidade com a competência prevista no art. 30, II da CF/88 e com a jurisprudência.

Quanto à técnica legislativa, a proposição deve ser corrigida na redação de seu artigo 3º em relação à concordância gramatical e à ortografia, para que conste a expressão “... esta prioridade estende-se aos estabelecimentos públicos, instituições financeiras... cooperativas de crédito” e ainda de seu artigo 6º - cláusula de vigência, em respeito ao disposto na Lei Complementar n.º 95 de 26 de fevereiro de 1998, já que consta a expressão “Por tais razões, contamos com a compreensão dos pares e submetemos o presente Projeto de Lei a apreciação, votação e aprovação de Vossas Excelências”, que merece ser suprimida.

Conclusão:

Diante dos fundamentos expostos, a Procuradoria opina pela legalidade e pela regular tramitação do Projeto de Lei nº 076/2018 do Ver. Alex Medeiros, por inexistirem vícios de natureza material ou formal que impeçam a sua deliberação em Plenário, cabendo apenas a correção quanto à redação de seu art. 6º - cláusula de vigência, em respeito à Lei Complementar n.º 95 de 26 de fevereiro de 1998.

É o parecer.

Guaíba, 11 de maio de 2018.

FERNANDO HENRIQUE ESCOBAR BINS

Procurador Geral

OAB/RS 107.136



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