Câmara de Vereadores de Guaíba

PARECER JURÍDICO

PROCESSO : Projeto de Lei do Executivo n.º 018/2018
PROPONENTE : Executivo Municipal
     
PARECER : Nº 153/2018
REQUERENTE : #REQUERENTE#

"Dá nova redação ao Artigo 2º da Lei nº 3.439 de 15 de setembro de 2016, que autorizou a alienação de imóvel de sua propriedade a título oneroso"

1. Relatório:

O Executivo Municipal apresentou o Projeto de Lei nº 018/2018 à Câmara Municipal, que “Dá nova redação ao Artigo 2º da Lei nº 3.439 de 15 de setembro de 2016, que autorizou a alienação de imóvel de sua propriedade a título oneroso”. A proposta foi encaminhada à Procuradoria pela Presidência da Câmara para análise nos termos do Art. 105 do Regimento Interno.

2. Parecer:

O regime jurídico administrativo é marcadamente identificado por dois princípios basilares, que tornam a atividade administrativa distinta da exercida pelos particulares em geral: princípio da supremacia do interesse público sobre o privado e princípio da indisponibilidade do interesse público. Tais pilares formam um regime de prerrogativas e sujeições: a Administração, por um lado, tem vantagens em relação aos particulares (prescrição diferenciada, bens públicos, cláusulas exorbitantes em contratos administrativos, precatórios para o pagamento das obrigações...) e, por outro lado, tem restrições relacionadas ao modo do exercício do poder, que não pode extrapolar da mera gestão da coisa pública, sendo vedada a renúncia ao interesse público. O Estado, com base na indisponibilidade do interesse público, se sujeita de todo modo ao princípio da legalidade, base do Estado de Direito, obrigando-se a agir apenas nos exatos limites da lei, só podendo fazer aquilo que a norma expressamente autorize ou obrigue.

 Nesses termos, a Lei Geral de Licitações (Lei Federal nº 8.666/93) estabelece, no seu artigo 17, as condicionantes para a alienação de bens. Dispõe ser necessária a existência de interesse público devidamente justificado, prévia avaliação, autorização legislativa quando se tratar de bens imóveis de órgãos da administração direta e entidades autárquicas e fundacionais, assim como licitação na modalidade concorrência. Tais são as exigências para a alienação dos bens imóveis pela Administração Pública, por se tratar de ato que, em tese, reflete a disposição do interesse público pela entrega da propriedade de um bem público.

Ocorre que, neste caso, o Município de Guaíba pretende dar nova redação a Lei Municipal n° 3.439/2016, que autorizou a alienação onerosa de bem imóvel municipal destinado a programa de regularização fundiária. Portanto, dispensada no caso a exigência de licitação na modalidade concorrência, em decorrência de expressa previsão legal contida na Lei Federal n° 8.666/93:

Art. 17.  A alienação de bens da Administração Pública, subordinada à existência de interesse público devidamente justificado, será precedida de avaliação e obedecerá às seguintes normas:

I - quando imóveis, dependerá de autorização legislativa para órgãos da administração direta e entidades autárquicas e fundacionais, e, para todos, inclusive as entidades paraestatais, dependerá de avaliação prévia e de licitação na modalidade de concorrência, dispensada esta nos seguintes casos:

(...) f) alienação gratuita ou onerosa, aforamento, concessão de direito real de uso, locação ou permissão de uso de bens imóveis residenciais construídos, destinados ou efetivamente utilizados no âmbito de programas habitacionais ou de regularização fundiária de interesse social desenvolvidos por órgãos ou entidades da administração pública;

Já no que se refere à exigência legal de existência de interesse público devidamente justificado, prévia avaliação e autorização legislativa para que se possa proceder à alienação do bem público objeto da presente proposição, é preciso ressaltar que tais requisitos já foram preenchidos com a promulgação da Lei Municipal n° 3.148/2014, a qual "Institui Área De Interesse Específico Urbanístico - Aieu, Para Regularização Fundiária" no Município de Guaíba (Loteamento Conjunto Habitacional Rui Coelho Gonçalves, bairro Santa Rita), vinculando a alienação dos lotes integrantes do referido loteamento a projeto de regularização fundiária a ser executado pelo Município.

Nesse sentido, dispõe o artigo 30, VIII, da Constituição Federal de 1988 que “Compete aos Municípios promover, no que couber, adequado ordenamento territorial, mediante planejamento e controle do uso, do parcelamento e da ocupação do solo urbano.” Ainda, o artigo 136, inciso I, da Lei Orgânica Municipal determina que o Município promoverá programas de interesse social destinados a facilitar o acesso da população à habitação, priorizando a regularização fundiária.

Por sua vez, o artigo 182 da CF é claro ao estabelecer que “A política de desenvolvimento urbano, executada pelo Poder Público municipal, conforme diretrizes gerais fixadas em lei, tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem-estar de seus habitantes.” Com base na competência legislativa concorrente do artigo 24, inciso I, da CF/88, a União editou a Lei Federal nº 10.257, de 10 de julho de 2001, que instituiu o Estatuto da Cidade, com diretrizes gerais da política urbana.

Entre as diretrizes gerais previstas no artigo 2º, consta a “regularização fundiária e urbanização de áreas ocupadas por população de baixa renda mediante o estabelecimento de normas especiais de urbanização, uso e ocupação do solo e edificação, consideradas a situação socioeconômica da população e as normas ambientais.” (inciso XIV). Ainda, o artigo 4º, inciso V, alíneas “f” e “q”, preveem a instituição de zonas especiais de interesse social e a regularização fundiária como instrumentos jurídicos e políticos da política urbana.

Por conseguinte, a proposição em análise é desnecessária, haja vista que a execução da política urbana e da política fundiária são atribuições do Poder Público Municipal, sendo as diretrizes fixadas em lei e as ações executadas pela Administração Pública, como é próprio da divisão de funções no estado, não sendo constitucionalmente aceitável impor que os procedimentos administrativos de regularização fundiária, que se caracterizam como atos administrativos, sejam submetidos à aprovação do Poder Legislativo.

Como já foi dito, o regime jurídico administrativo exige, pelas sujeições decorrentes do princípio da indisponibilidade do interesse público, que a alienação de bens dependa de autorização legal, sendo que, no caso em análise, esta ocorreu com a aprovação da Lei Municipal n° 3.148/2014, que transformou o Loteamento Conjunto Habitacional Rui Coelho Gonçalves em Área De Interesse Específico Urbanístico destinado à regularização fundiária.

Importante destacar, ainda, que embora o art. 58 da Lei Municipal n° 3192/2014, que “dispõe sobre o programa cidade regular e regulamenta os instrumentos de regularização fundiária no município", preveja que todos os procedimentos de regularizações fundiárias serão remetidos pelo Poder Executivo, através de projeto de lei específico e de forma individualizada por loteamento, área ou zona para apreciação do Poder Legislativo, tal dispositivo foi declarado inconstitucional no bojo da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 70062278999, proposta pelo Prefeito Municipal de Guaíba, cujo Acórdão consta em anexo.

Não mais vigora, portanto, dispositivo legal que obrigue o Executivo Municipal a submeter todos os procedimentos de regularizações fundiárias à apreciação do Poder Legislativo, sendo desnecessária a edição de lei nesse sentido, por se tratar de interferência indevida na organização administrativa do Município e violação ao princípio da separação de funções dos órgãos do governo local.

Destarte, igualmente desnecessária a alteração legislativa pretendida, uma vez que a Lei n° 3.439/2016 poderia, inclusive, ser objeto de revogação. Não obstante, inexistem vícios de natureza material ou formal que impeçam a deliberação da presente proposição em Plenário, se assim preferir o Poder Executivo.

Conclusão:

Diante do exposto, a Procuradoria opina pela legalidade e pela regular tramitação do Projeto de Lei nº 018/2018, ainda que entenda que a presente proposição prescinde de autorização legislativa.

Guaíba, 10 de maio de 2018.

JULIA ZANATA DAL OSTO

Procuradora

OAB/RS nº 108.241



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