Câmara de Vereadores de Guaíba

PARECER JURÍDICO

PROCESSO : Projeto de Lei do Legislativo n.º 070/2018
PROPONENTE : Ver. Ale Alves
     
PARECER : Nº 152/2018
REQUERENTE : #REQUERENTE#

"Institui o Programa de Arborização Urbana e dá outras providências"

1. Relatório:

O Vereador Ale Alves apresentou o Projeto de Lei nº 070/2018 à Câmara Municipal, objetivando instituir o Programa de Arborização Urbana no Município de Guaíba. A proposta foi encaminhada à Procuradoria para análise com fulcro no art. 105 do Regimento Interno, a fim de que seja efetivado o controle da constitucionalidade, da competência da Câmara Municipal e do caráter pessoal da proposição.

2. Parecer:

De fato, a norma insculpida no art. 105 do Regimento Interno da Câmara Municipal de Guaíba prevê que cabe ao Presidente do Legislativo a prerrogativa de devolver ao autor as proposições manifestadamente inconstitucionais (art. 105, II), alheias à competência da Câmara (art. 105, I) ou ainda aquelas de caráter pessoal (art. 105, III). O mesmo controle já é exercido no âmbito da Câmara dos Deputados, com base em seu Regimento Interno (art. 137, § 1º), e no Regimento Interno do Senado Federal (art. 48, XI), e foi replicado em diversos outros regimentos internos de outros parlamentos brasileiros.

A doutrina trata do sentido da norma jurídica inscrita no art. 105 do Regimento Interno caracterizando-o como um controle de constitucionalidade político ou preventivo, sendo tal controle exercido dentro do Parlamento, através de exame superficial pela Presidência da Mesa Diretora, com natureza preventiva e interna, antes que a proposição possa percorrer o trâmite legislativo. Via de regra, a devolução se perfaz por despacho fundamentado da Presidência, indicando o artigo constitucional violado, podendo o autor recorrer da decisão ao Plenário (art. 105, parágrafo único).

Quanto à competência e à matéria de fundo, não há qualquer óbice à proposta. Conforme dispõe o artigo 30, I, da Constituição Federal de 1988, “Compete aos Municípios legislar sobre assuntos de interesse local.” No mesmo sentido, o artigo 6º, I, da Lei Orgânica do Município de Guaíba refere que “Ao Município compete prover a tudo quanto diga respeito ao seu peculiar interesse e ao bem estar de sua população, cabendo-lhe privativamente, dentre outras, as seguintes atribuições: legislar sobre assunto de interesse local.”

O Projeto de Lei nº 070/2018 se insere, efetivamente, na definição de interesse local, na medida em que objetiva dispor sobre programa de âmbito estritamente municipal para proteger e desenvolver o meio ambiente e a qualidade ambiental, combatendo a poluição em todas as suas formas, o que é de responsabilidade do Município, nos termos do artigo 23, VI, da Constituição Federal de 1988.

Todavia, a leitura dos dispositivos da proposição permite concluir a existência de vício na iniciativa do processo legislativo, visto que é instituído verdadeiro programa a ser implementado pelo Poder Executivo, no sentido de distribuir espécies de mudas, visando à seleção de espécies mais adequadas para o plantio urbano (art. 2º). A proposição também estabelece, como objetivos, “assegurar a gestão do patrimônio verde pelo serviço público municipal especializado” e “autorizar ou não, através de parecer do órgão competente especializado, a poda ou mesmo a remoção de árvores em logradouros públicos”, além de facultar a participação de pessoas físicas e jurídicas na implementação do programa (art. 5º), dispositivos que indicam a responsabilidade do Poder Executivo de gerir e praticar todos os atos relacionados a essa política pública. Ainda, o art. 8º prevê que as despesas decorrentes da execução da presente Lei correrão por conta das verbas próprias do orçamento, sem, todavia, apontar ou indicar a devida categorização na Lei Orçamentária Anual dessa despesa.

Quanto à iniciativa, relevante é a observância das normas previstas na Constituição Estadual, visto que, em caso de eventual controle de constitucionalidade, o parâmetro para a análise da conformidade vertical se dá em relação ao disposto na Constituição Gaúcha, conforme preveem o artigo 125, § 2º, da CF/88 e o artigo 95, XII, alínea “d”, da CE/RS. Apenas excepcionalmente o parâmetro da constitucionalidade será a Constituição Federal, desde que a norma de parâmetro seja de repetição obrigatória (STF, RE nº 650.898/RS). Refere o artigo 60 da CE/RS:

Art. 60.  São de iniciativa privativa do Governador do Estado as leis que:

I - fixem ou modifiquem os efetivos da Brigada Militar e do Corpo de Bombeiros Militar; (Redação dada pela Emenda Constitucional n.º 67, de 17/06/14)

II - disponham sobre:

a) criação e aumento da remuneração de cargos, funções ou empregos públicos na administração direta ou autárquica;

b) servidores públicos do Estado, seu regime jurídico, provimento de cargos, estabilidade e aposentadoria de civis, e reforma ou transferência de militares para a inatividade;

c) organização da Defensoria Pública do Estado;

d) criação, estruturação e atribuições das Secretarias e órgãos da administração pública.

No âmbito municipal, o artigo 119 da Lei Orgânica, à semelhança do artigo 60 da Constituição Estadual, faz reserva de iniciativa aos projetos de lei sobre certas matérias:

Art. 119 É competência exclusiva do Prefeito a iniciativa dos projetos de lei que disponham sobre:

I - criação de cargos, funções ou empregos públicos na administração direta e autárquica ou aumento de sua remuneração;

II - organização administrativa, matéria orçamentária e serviços públicos;

III - servidores públicos, seu regime jurídico, provimento de cargos, estabilidade e aposentadoria;

IV - criação e extinção de Secretarias e órgãos da administração pública. (Redação dada pela Emenda à Lei Orgânica nº 2/2017)

Na mesma linha, dispõe, ainda, a Lei Orgânica do Município de Guaíba sobre as hipóteses de competência privativa do Prefeito:

Art. 52 - Compete privativamente ao Prefeito:

(...)

VI – dispor sobre a organização e o funcionamento da Administração Municipal, na forma da Lei;

(...)

X – planejar e promover a execução dos serviços públicos municipais;

Verifica-se, no caso, que a instituição do Programa de Arborização Urbana viola a reserva de iniciativa prevista no artigo 60, II, “d”, da CE/RS e nos artigos 52, VI e X, e 119, II, da Lei Orgânica Municipal, especialmente porque a implementação e a condução da política pública caberão ao Poder Executivo, o qual deverá atender a todos os objetivos fixados no diploma e, ainda, suportar as despesas decorrentes da execução pelas “verbas próprias do orçamento”, sem que tenha sido indicada, especificamente, a categorização da despesa pública na Lei Orçamentária Anual.

Por mais meritória que seja, a proposta acabar por transpor os limites do princípio da separação dos poderes, visto que interfere em atos de organização administrativa que gerarão despesas não programadas pelo Executivo na lei orçamentária, o que é vedado pelo artigo 167, inc. I, da CF/88 e pelo artigo 154, inc. I, da CE/RS.

Portanto, apesar de ser honrosa sob o ponto de vista material, a proposição não poderia ter sido apresentada por membro do Poder Legislativo, uma vez que a iniciativa para projetos que criem obrigações nesse sentido, veiculadas em política pública a ser necessariamente conduzida pelo Executivo, compete apenas ao titular daquele Poder, enquanto responsável pela organização administrativa e pelo comando privativo dos serviços públicos.

A propósito, destaca-se a jurisprudência do TJRS:

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. MUNICÍPIO DE MARAU. LEI MUNICIPAL N. 5.055/2014 QUE CRIA O PROGRAMA MUNICIPAL DE PROTEÇÃO DAS NASCENTES NO MUNICÍPIO DE MARAU E DÁ OUTRAS PROVIDÊNCIAS. LEI N. 5.056/2014 QUE INSTITUI O PROGRAMA DE REAPROVEITAMENTO DO ÓLEO DE COZINHA USADO NO MUNICÍPIO DE MARAU. MATÉRIA DE NATUREZA ADMINISTRATIVA DE INICIATIVA DO EXECUTIVO MUNICIPAL. VÍCIO FORMAL. Padece de inconstitucionalidade a Lei Municipal, de iniciativa do Poder Legislativo, dispondo sobre matéria de iniciativa privativa do Chefe do Poder Executivo e que importa em aumento de despesa. Afronta ao disposto nos artigos 8º, "caput", 10, 60, inciso II, alínea "d", todos da Constituição Estadual. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE JULGADA PROCEDENTE. UNÂNIME. (Ação Direta de Inconstitucionalidade Nº 70063135891, Tribunal Pleno, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Jorge Luís Dall'Agnol, Julgado em 06/04/2015).

Conclusão:

Diante do exposto, a Procuradoria orienta pela possibilidade de a Presidente, por meio de despacho fundamentado, devolver ao autor a proposição em epígrafe, em razão de vício de iniciativa, caracterizado com base nos artigos 2º e 61, § 1º, II, “b”, da CF/88, no artigo 60, II, “d”, da CE/RS e nos artigos 52, VI e X, e 119, II, da Lei Orgânica Municipal.

Sugere-se a remessa de indicação ao Executivo, nos termos regimentais, para a implementação da política prevista no PL nº 070/2018, diante do seu inquestionável mérito.

Guaíba, 10 de maio de 2018.

GUSTAVO DOBLER

Procurador

OAB/RS nº 110.114B



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