Câmara de Vereadores de Guaíba

PARECER JURÍDICO

PROCESSO : Projeto de Lei do Legislativo n.º 071/2018
PROPONENTE : Ver. Ale Alves
     
PARECER : Nº 146/2018
REQUERENTE : #REQUERENTE#

"Institui o Programa "Disque Árvore" para uma melhor qualidade de vida no Município de Guaíba"

1. Relatório:

O Vereador Ale Alves apresentou o Projeto de Lei nº 071/2018 à Câmara Municipal, objetivando instituir o Programa “Disque Árvore”, para uma melhor qualidade de vida no Município de Guaíba. A proposta foi encaminhada à Procuradoria para análise com fulcro no art. 105 do Regimento Interno, a fim de que seja efetivado o controle da constitucionalidade, da competência da Câmara Municipal e do caráter pessoal da proposição.

2. Parecer:

De fato, a norma insculpida no art. 105 do Regimento Interno da Câmara Municipal de Guaíba prevê que cabe ao Presidente do Legislativo a prerrogativa de devolver ao autor as proposições manifestadamente inconstitucionais (art. 105, II), alheias à competência da Câmara (art. 105, I) ou ainda aquelas de caráter pessoal (art. 105, III). O mesmo controle já é exercido no âmbito da Câmara dos Deputados, com base em seu Regimento Interno (art. 137, § 1º), e no Regimento Interno do Senado Federal (art. 48, XI), e foi replicado em diversos outros regimentos internos de outros parlamentos brasileiros.

A doutrina trata do sentido da norma jurídica inscrita no art. 105 do Regimento Interno caracterizando-o como um controle de constitucionalidade político ou preventivo, sendo tal controle exercido dentro do Parlamento, através de exame superficial pela Presidência da Mesa Diretora, com natureza preventiva e interna, antes que a proposição possa percorrer o trâmite legislativo. Via de regra, a devolução se perfaz por despacho fundamentado da Presidência, indicando o artigo constitucional violado, podendo o autor recorrer da decisão ao Plenário (art. 105, parágrafo único).

Quanto à competência e à matéria de fundo, não há qualquer óbice à proposta. Conforme dispõe o artigo 30, I, da Constituição Federal de 1988, “Compete aos Municípios legislar sobre assuntos de interesse local.” No mesmo sentido, o artigo 6º, I, da Lei Orgânica do Município de Guaíba refere que “Ao Município compete prover a tudo quanto diga respeito ao seu peculiar interesse e ao bem estar de sua população, cabendo-lhe privativamente, dentre outras, as seguintes atribuições: legislar sobre assunto de interesse local.”

O Projeto de Lei nº 071/2018 se insere, efetivamente, na definição de interesse local, na medida em que objetiva dispor sobre programa de âmbito estritamente municipal para proteger e desenvolver o meio ambiente e a qualidade ambiental, combatendo a poluição em todas as suas formas, o que é de responsabilidade do Município, nos termos do artigo 23, VI, da Constituição Federal de 1988.

Todavia, a leitura dos dispositivos da proposição permite concluir a existência de vício na iniciativa do processo legislativo, visto que é instituído verdadeiro programa a ser implementado pelo Poder Executivo, no sentido de disponibilizar, a cada cidadão interessado, uma muda de árvore para plantio, através de protocolo na Prefeitura ou ligação telefônica em linha gratuita também a ser providenciada pelo Executivo. A proposição também condiciona o fornecimento das mudas e a indicação do local de plantio a um exame a ser realizado por órgão responsável do Executivo, o que afronta o sistema constitucional de reserva de iniciativas, como se verá a seguir.

Quanto à iniciativa, relevante é a observância das normas previstas na Constituição Estadual, visto que, em caso de eventual controle de constitucionalidade, o parâmetro para a análise da conformidade vertical se dá em relação ao disposto na Constituição Gaúcha, conforme preveem o artigo 125, § 2º, da CF/88 e o artigo 95, XII, alínea “d”, da CE/RS. Apenas excepcionalmente o parâmetro da constitucionalidade será a Constituição Federal, desde que a norma de parâmetro seja de repetição obrigatória (STF, RE nº 650.898/RS). Refere o artigo 60 da CE/RS:

Art. 60.  São de iniciativa privativa do Governador do Estado as leis que:

I - fixem ou modifiquem os efetivos da Brigada Militar e do Corpo de Bombeiros Militar; (Redação dada pela Emenda Constitucional n.º 67, de 17/06/14)

II - disponham sobre:

a) criação e aumento da remuneração de cargos, funções ou empregos públicos na administração direta ou autárquica;

b) servidores públicos do Estado, seu regime jurídico, provimento de cargos, estabilidade e aposentadoria de civis, e reforma ou transferência de militares para a inatividade;

c) organização da Defensoria Pública do Estado;

d) criação, estruturação e atribuições das Secretarias e órgãos da administração pública.

No âmbito municipal, o artigo 119 da Lei Orgânica, à semelhança do artigo 60 da Constituição Estadual, faz reserva de iniciativa aos projetos de lei sobre certas matérias:

Art. 119 É competência exclusiva do Prefeito a iniciativa dos projetos de lei que disponham sobre:

I - criação de cargos, funções ou empregos públicos na administração direta e autárquica ou aumento de sua remuneração;

II - organização administrativa, matéria orçamentária e serviços públicos;

III - servidores públicos, seu regime jurídico, provimento de cargos, estabilidade e aposentadoria;

IV - criação e extinção de Secretarias e órgãos da administração pública. (Redação dada pela Emenda à Lei Orgânica nº 2/2017)

Verifica-se, no caso, que a instituição do programa “Disque Árvore” viola a reserva de iniciativa prevista no artigo 60, II, “d”, da CE/RS e no artigo 119, II, da Lei Orgânica Municipal, especialmente porque contém obrigações ao Executivo para implementar o programa, fornecendo mudas de árvores aos cidadãos, e inclusive providenciando linha telefônica gratuita (“0800”) para o fim de agilizar, ampliar e facilitar o acesso. Apesar do grande mérito da proposta, obrigações nesse sentido devem partir unicamente do próprio Chefe do Executivo, uma vez que, do contrário, há afronta ao princípio da separação dos poderes e às iniciativas reservadas previstas na CF/88, na CE/RS e na LOM.

Além disso, percebe-se a natureza meramente autorizativa da proposição, tendo em vista que objetiva, no artigo 1º, conceder permissão ao Executivo para implementar programa de sua exclusiva responsabilidade. Tal medida objetiva, sobretudo, contornar a limitação constitucional da iniciativa (art. 61, § 1º, CF e art. 60, CE/RS) para evitar a configuração de inconstitucionalidade formal, o que, entretanto, não tem essa aptidão.

Inclusive, no âmbito da Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania da Câmara dos Deputados, é recorrente o entendimento de que projetos de lei com disposições autorizativas são inconstitucionais, tendo sido editada, em 1994, a Súmula de Jurisprudência nº 1, nos seguintes termos: “Projeto de lei, de autoria de Deputado ou Senador, que autoriza o Poder Executivo a tomar determinada providência, que é de sua competência exclusiva, é inconstitucional.” Na esfera da Comissão de Educação e Cultura e da Comissão de Finanças e Tributação, também já há precedentes e recomendações no sentido de rejeitar projetos de lei meramente autorizativos, por ainda assim violarem a regra de reserva de iniciativa.

Além do mais, é preciso destacar a falta de juridicidade nos projetos de lei simplesmente autorizativos. Para melhor esclarecer essa questão, registra-se a lição de Miguel Reale (Lições Preliminares de Direito, 27. ed., São Paulo: Saraiva, 2002, p. 163):

Lei, no sentido técnico desta palavra, só existe quando a norma escrita é constitutiva de direito, ou, esclarecendo melhor, quando ela introduz algo de novo com caráter obrigatório no sistema jurídico em vigor, disciplinando comportamentos individuais ou atividades públicas. (...) Nesse quadro, somente a lei, em seu sentido próprio, é capaz de inovar no Direito já existente, isto é, de conferir, de maneira originária, pelo simples fato de sua publicação e vigência, direitos e deveres a que todos devemos respeito.

Ou seja, a lei é, necessariamente, um instrumento de constituição de direitos ou de obrigações, sendo incompatível com a sua natureza a positivação de meras faculdades ou possibilidades, que acabam não tendo qualquer juridicidade. A lei, enquanto norma genérica, abstrata, imperativa e coercitiva, não admite simples concessões.

Conforme Márcio Silva Fernandes, titular do cargo de Consultor Legislativo da Câmara dos Deputados, no estudo “Inconstitucionalidade de projetos de lei autorizativos”,

O projeto autorizativo nada acrescenta ao ordenamento jurídico, pois não possui caráter obrigatório para aquele a quem é dirigido. Apenas autoriza o Poder Executivo a fazer aquilo que já lhe compete fazer, mas não atribui dever ao Poder Executivo de usar a autorização, nem atribui direito ao Poder Legislativo de cobrar tal uso.

A lei, portanto, deve conter comando impositivo àquele a quem se dirige, o que não ocorre nos projetos autorizativos, nos quais o eventual descumprimento da autorização concedida não acarretará qualquer sanção ao Poder Executivo, que é o destinatário final desse tipo de norma jurídica.

Assim, o Projeto de Lei nº 071/2018 incorre em inconstitucionalidade por configurar antijurídica “lei autorizativa”, que é considerada um meio inválido e ilegítimo de legislar por não possuir aptidão para constituir, com força de lei, qualquer direito ou dever. Nessa linha, assenta a jurisprudência do Tribunal de Justiça Gaúcho:

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. MUNICÍPIO DE HERVAL. LEI AUTORIZATIVA. MATÉRIA QUE VERSA SOBRE ORGANIZAÇÃO E O FUNCIONAMENTO DA ADMINISTRAÇÃO. INICIATIVA PRIVATIVA DO PODER LEGISLATIVO. VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DA SEPARAÇÃO DE PODERES. 1. Padece de inconstitucionalidade formal, por vício de iniciativa, a Lei Municipal n° 1.101/2013, do Município de Herval, que dispõe sobre o transporte para locomoção de alunos de Herval para Arroio Grande/RS, por tratar de matéria cuja competência privativa para legislar é do Chefe do Executivo. 2. A expressão "fica o Poder Executivo Municipal autorizado a viabilizar transporte...", em que pese a louvável intenção do legislador, não significa mera concessão de faculdade ao Prefeito para que assim proceda, possuindo evidente caráter impositivo. 3. Violação ao disposto nos artigos 8º, 10, 60, inciso II, e 82, inciso VII, todos da Constituição Estadual. AÇÃO JULGADA PROCEDENTE. UNÂNIME. (Ação Direta de Inconstitucionalidade Nº 70055716161, Tribunal Pleno, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Isabel Dias Almeida, Julgado em 28/10/2013)

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEI Nº 16/2007, DO MUNICÍPIO DE GUAPORÉ, QUE AUTORIZA O PODER EXECUTIVO A CRIAR A "ESCOLA DE ARTES DA TERCEIRA IDADE" NO ÂMBITO DO MUNICÍPIO. INICIATIVA PARLAMENTAR. COMPETÊNCIA PRIVATIVA DO CHEFE DO PODER EXECUTIVO. VÍCIO DE INCONSTITUCIONALIDADE QUE NÃO RESTA AFASTADO EM RAZÃO DE CONTER A LEI, EM SEU ART. 1º, AUTORIZAÇÃO AO PODER EXECUTIVO PARA CRIAR A ESCOLA DE ARTES DA TERCEIRA IDADE, PORQUE, DE OUTRAS DISPOSIÇÕES, DECORRE AO PREFEITO MUNICIPAL O DEVER DE ADOTAR PROVIDÊNCIAS QUE O VINCULAM, POR FIM, AO PROCEDIMENTO PRÓPRIO DE CRIAÇÃO DA ENTIDADE, COM INAFASTÁVEL DESPESA PÚBLICA, À MARGEM DE SUA INICIATIVA. O FATO DE SER AUTORIZATIVA A NORMA NÃO MODIFICA O JUÍZO DE SUA INVALIDADE POR FALTA DE LEGÍTIMA INICIATIVA. AFRONTA AOS ARTIGOS 8º, 10, 60, II, "D", 61, I, 82, II E VII, 149 E 154, I, TODOS DA CONSTITUIÇÃO ESTADUAL. INCONSTITUCIONALIDADE FORMAL E MATERIAL CARACTERIZADAS. [...] (Ação Direta de Inconstitucionalidade Nº 70022888234, Tribunal Pleno, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Osvaldo Stefanello, Julgado em 26/05/2008).

Nada impede, contudo, que a proposta seja remetida ao Executivo sob a forma de indicação, com base no artigo 114 do Regimento Interno da Câmara Municipal de Guaíba, para que, pela via política, o Prefeito implemente a medida veiculada.

Conclusão:

Diante do exposto, a Procuradoria orienta pela possibilidade de a Presidente, por meio de despacho fundamentado, devolver ao autor a proposição em epígrafe, em razão de vício de iniciativa, caracterizado com base nos artigos 2º e 61, § 1º, II, “b”, da CF/88, no artigo 60, II, “d”, da CE/RS e no artigo 119, II, da Lei Orgânica Municipal.

Sugere-se a remessa de indicação ao Executivo, nos termos regimentais, para a implementação da política prevista no PL nº 071/2018, diante do seu inquestionável mérito.

Guaíba, 09 de maio de 2018.

GUSTAVO DOBLER

Procurador

OAB/RS nº 110.114B



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