PARECER JURÍDICO |
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"Torna obrigatória a presença de profissionais habilitados a prestar primeiros socorros nas escolas públicas municipais de Guaíba" 1. Relatório:O Vereador Bento do Bem apresentou o Projeto de Lei nº 067/2018 à Câmara Municipal, objetivando tornar obrigatória a presença de profissionais habilitados a prestar primeiros socorros nas escolas públicas municipais de Guaíba. A proposta foi encaminhada à Procuradoria Jurídica pela Presidência para análise nos termos do artigo 105 do RI. 2. Parecer:De fato, a norma insculpida no art. 105 do Regimento Interno da Câmara Municipal de Guaíba prevê que cabe ao Presidente do Legislativo a prerrogativa de devolver ao autor as proposições manifestadamente inconstitucionais (art. 105, II), alheias à competência da Câmara (art. 105, I) ou ainda aquelas de caráter pessoal (art. 105, III). O mesmo controle já é exercido no âmbito da Câmara dos Deputados, com base em seu Regimento Interno (art. 137, § 1º), e no Regimento Interno do Senado Federal (art. 48, XI), e foi replicado em diversos outros regimentos internos de outros parlamentos brasileiros. A doutrina trata do sentido da norma jurídica inscrita no art. 105 do Regimento Interno caracterizando-o como um controle de constitucionalidade político ou preventivo, sendo tal controle exercido dentro do Parlamento, através de exame superficial pela Presidência da Mesa Diretora, com natureza preventiva e interna, antes que a proposição possa percorrer o trâmite legislativo. Via de regra, a devolução se perfaz por despacho fundamentado da Presidência, indicando o artigo constitucional violado, podendo o autor recorrer da decisão ao Plenário (art. 105, parágrafo único). O artigo 18 da Constituição Federal de 1988, inaugurando o tema da organização do Estado, prevê que “A organização político-administrativa da República Federativa do Brasil compreende a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, todos autônomos, nos termos desta Constituição.” O termo “autonomia política”, sob o ponto de vista jurídico, congrega um conjunto de capacidades conferidas aos entes federados para instituir a sua organização, legislação, administração e governo próprios. A autoadministração e a autolegislação, contemplando o conjunto de competências materiais e legislativas previstas na Constituição Federal para os Municípios, é tratada no artigo 30 da Lei Maior, nos seguintes termos:
A política de capacitação de servidores que se pretende instituir no âmbito do Município de Guaíba se insere, efetivamente, na definição de interesse local, eis que o Projeto de Lei nº 067/2018 objetiva garantir o direito à saúde de alunos das escolas da rede pública municipal, notadamente no aspecto preventivo, o que encontra amparo no art. 23, II, da CF/88, que atribui tal responsabilidade a todos os entes federados indistintamente. Quanto à matéria de fundo, também não há óbices. A CF/88, no art. 196, prevê: “A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.” O art. 198, por sua vez, estabelece que os serviços de saúde se desenvolvem por meio de um sistema público organizado e mantido com recursos do Poder Público, nos seguintes termos:
Percebe-se, assim, que o PL nº 067/2018 está em consonância com o regramento constitucional do direito à saúde, especialmente consagrado no artigo 6º como direito fundamental e, como tal, possui aplicabilidade imediata, nos termos do § 1º do art. 5º da CF/88. O projeto também é materialmente compatível com as normas constitucionais e legais de proteção da infância e juventude. O art. 227, caput, da CF/88 prevê que “É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.” A expressão “Estado”, obviamente, traduz-se em um conceito lato sensu, abrangendo União, Estados, Distrito Federal e Municípios. Mais especificamente, o Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei nº 8.069/90), atendendo às diretrizes constitucionais, estabeleceu um verdadeiro conjunto de normas de garantia à proteção integral e absoluta das crianças e dos adolescentes, que passaram a ser tratadas como efetivos sujeitos de direitos. Os artigos 3º, 4º e 5º do referido Estatuto indicam, resumidamente, todos os direitos garantidos às crianças e adolescentes. Veja-se:
É perceptível, portanto, que a medida pretendida no Projeto de Lei nº 067/2018 é compatível com os interesses defendidos na Constituição Federal e no Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei nº 8.069/90). Ocorre, no entanto, que o Projeto de Lei nº 067/2018, embora louvável no seu objeto, contém vício de iniciativa. Para os fins do direito municipal, relevante é a observância das normas previstas na Constituição Estadual no que diz respeito à iniciativa para o processo legislativo, uma vez que, em caso de eventual controle de constitucionalidade, o parâmetro para a análise da conformidade vertical se dá em relação ao disposto na Constituição Gaúcha, conforme preveem o artigo 125, § 2º, da CF/88 e o artigo 95, XII, alínea “d”, da CE/RS. Nesse caso, refere o artigo 60 da Constituição Estadual:
Na mesma linha, dispõe, ainda, a Lei Orgânica do Município de Guaíba sobre as hipóteses de competência privativa do Prefeito:
Muito embora o Projeto de Lei nº 067/2018 não tenha, à primeira vista, o condão de gerar novas despesas, por referir-se a uma espécie de “convênio” com o Corpo de Bombeiros (artigo 2º), a proposição institui um programa de capacitação de servidores para a prestação de primeiros socorros nas escolas municipais, o que envolve, portanto, a prática de atos de exclusiva alçada do Poder Executivo, enquanto titular dos serviços públicos municipais e responsável único pela organização do seu funcionamento. Lembre-se que escolas municipais têm a natureza jurídica de órgãos públicos do Executivo, de modo que as determinações para a capacitação de servidores devem partir unicamente do titular desse Poder, por se tratar de atos relacionados à gestão do serviço público. Desse modo, apesar de honrosa sob o ponto de vista material, a proposta não poderia ter sido apresentada por membro do Poder Legislativo, uma vez que a iniciativa para projetos com tais obrigações compete apenas ao Chefe do Executivo, enquanto responsável pela organização administrativa e pelos serviços públicos municipais. A propósito, destaca-se a jurisprudência do TJRS:
Assim, embora sejam admiráveis a justificativa e os termos da proposta, o Projeto de Lei nº 067/2018 contém vício de iniciativa, por dispor sobre um programa que envolve atribuições de órgão público, serviços públicos municipais e organização administrativa, matérias de iniciativa reservada do Chefe do Executivo, nos termos do artigo 61, § 1º, II, “b”, da CF/88, do artigo 60, II, “d”, da CE/RS e dos artigos 52, VI e X, e 119, II, da Lei Orgânica. Sugere-se a remessa de indicação ao Executivo, nos termos regimentais, para a implementação da política prevista no PL nº 067/2018, diante do seu inquestionável mérito. Conclusão:Diante do exposto, a Procuradoria orienta pela possibilidade de a Presidente, por meio de despacho fundamentado, devolver ao autor a proposição em epígrafe, em razão de vício de iniciativa caracterizado com base no artigo 61, § 1º, II, “b”, da CF/88, no artigo 60, II, “d”, da CE/RS e nos artigos 52, VI e X, e 119, II, da Lei Orgânica. Sugere-se a remessa de indicação ao Executivo, nos termos regimentais, para a implementação da política prevista no PL nº 067/2018, diante do seu inquestionável mérito. Guaíba, 09 de maio de 2018. GUSTAVO DOBLER Procurador OAB/RS nº 110.114B O Documento ainda não recebeu assinaturas digitais no padrão ICP-Brasil. |
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