Câmara de Vereadores de Guaíba

PARECER JURÍDICO

PROCESSO : Projeto de Lei do Legislativo n.º 058/2018
PROPONENTE : Ver.ª Claudinha Jardim
     
PARECER : Nº 138/2018
REQUERENTE : #REQUERENTE#

"Dispõe sobre a obrigatoriedade de acessibilidade aos candidatos surdos e cegos nos concursos públicos a serem realizados no município de Guaíba, e dá outras providências"

1. Relatório:

 O Projeto de Lei n.º 058/2018, de autoria da Vereadora Claudinha Jardim (DEM), que “Dispõe sobre a obrigatoriedade de acessibilidade aos candidatos surdos e cegos nos concursos públicos a serem realizados no município de Guaíba, e dá outras providências”, foi encaminhado a esta Procuradoria Jurídica pela Presidente da Câmara Municipal para análise com fulcro no art. 105 do Regimento Interno, a fim de que seja efetivado o exercício de controle quanto à constitucionalidade, à competência da Câmara e ao caráter pessoal das proposições. 

2. Parecer:

De fato, a norma insculpida no art. 105 do Regimento Interno da Câmara Municipal de Guaíba prevê que cabe ao Presidente do Legislativo a prerrogativa de devolver ao autor as proposições manifestadamente inconstitucionalidade (art. 105, II), alheias à competência da Câmara (art. 105, I) ou ainda aquelas de caráter pessoal (art. 105, III). O mesmo controle já é exercido no âmbito da Câmara dos Deputados, com base em seu Regimento Interno (art. 137, §1º), e no Regimento Interno do Senado Federal (art. 48, XI) e foi replicado em diversos outros regimentos internos de outros parlamentos brasileiros.

A própria doutrina jurídica prevê o instituto do controle de constitucionalidade político também chamado de controle preventivo, através de exame perfunctório pela Presidência da Mesa Diretora.

A devolução será efetivada mediante despacho fundamentado da Presidência, sempre indicando o artigo constitucional, da Lei Orgânica ou Regimental violado, garantido o direito do autor de recorrer dessa decisão ao Plenário, conforme o art. 105, parágrafo único do RI, nas linhas gerais da Ordem de Serviço 004/2018.

                A iniciativa em relação à competência está adequada. Com efeito, a Constituição Federal de 1988 fortaleceu a autonomia dos municípios, no ensinamento de Celso Ribeiro Bastos, emprestando a estes entes quatro competências particularmente significativas:

- auto-organização, através da existência de Lei Orgânica Municipal;

- auto-governo, através da eleição de prefeito e vereadores;

- faculdade normativa, através da capacidade de editar leis locais próprias ou legislação suplementar às leis estaduais e federais;

- auto-administração ou auto-determinação, através da administração e prestação de serviços de interesse local.

Art. 30. Compete aos Municípios:

I - legislar sobre assuntos de interesse local;

II - suplementar a legislação federal e a estadual no que couber;

O artigo 30, II, da Constituição Federal prevê que cabe aos entes municipais suplementar a legislação federal e estadual no que couber, para amoldar regramentos federais e estaduais às peculiaridades de cada Município, detalhando e pormenorizando as normas gerais editadas com base na competência concorrente, prevista no artigo 24 da Constituição Federal.

Quanto à iniciativa para deflagrar o processo legislativo, a matéria não se insere no rol taxativo das matérias vedadas pelo art. 61 § 1º da Constituição Federal ou pelo art. 60 da CERS:

Art. 61. A iniciativa das leis complementares e ordinárias cabe a qualquer membro ou Comissão da Câmara dos Deputados, do Senado Federal ou do Congresso Nacional, ao Presidente da República, ao Supremo Tribunal Federal, aos Tribunais Superiores, ao Procurador-Geral da República e aos cidadãos, na forma e nos casos previstos nesta Constituição.

  • 1º São de iniciativa privativa do Presidente da República as leis que:

I - fixem ou modifiquem os efetivos das Forças Armadas;

II - disponham sobre:

  1. a) criação de cargos, funções ou empregos públicos na administração direta e autárquica ou aumento de sua remuneração;
  2. b) organização administrativa e judiciária, matéria tributária e orçamentária, serviços públicos e pessoal da administração dos Territórios;
  3. c) servidores públicos da União e Territórios, seu regime jurídico, provimento de cargos, estabilidade e aposentadoria;(Redação dada pela Emenda Constitucional nº 18, de 1998)
  4. d) organização do Ministério Público e da Defensoria Pública da União, bem como normas gerais para a organização do Ministério Público e da Defensoria Pública dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios;
  5. e) criação e extinção de Ministérios e órgãos da administração pública, observadoo disposto no art. 84, VI;  (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 32, de 2001)
  6. f) militares das Forças Armadas, seu regime jurídico, provimento de cargos, promoções, estabilidade, remuneração, reforma e transferência para a reserva.(Incluída pela Emenda Constitucional nº 18, de 1998).

                Art. 60. São de iniciativa privativa do Governador do Estado as leis que:

I - fixem ou modifiquem os efetivos da Brigada Militar e do Corpo de Bombeiros Militar; (Redação dada pela Emenda Constitucional n.º 67, de 17/06/14)

II - disponham sobre:

  1. a) criação e aumento da remuneração de cargos, funções ou empregos públicos na administração direta ou autárquica;
  2. b) servidores públicos do Estado, seu regime jurídico, provimento de cargos, estabilidade e aposentadoria de civis, e reforma ou transferência de militares para a inatividade;
  3. c) organização da Defensoria Pública do Estado;
  4. d) criação, estruturação e atribuições das Secretarias e órgãos da administração pública

            Nessa lógica, é consagrada a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal de que o rol de matérias de iniciativa reservada ao Chefe do Poder Executivo é taxativo:

Não procede a alegação de que qualquer projeto de lei que crie despesa só poderá ser proposto pelo chefe do Executivo. As hipóteses de limitação da iniciativa parlamentar estão previstas, em numerus clausus, no art. 61 da Constituição do Brasil – matérias relativas ao funcionamento da administração pública, notadamente no que se refere a servidores e órgãos do Poder Executivo. Precedentes. [ADI 3.394, rel. min. Eros Grau, j. 2-4-2007, P, DJE de 15-8-2008.]

Ainda em relação à matéria correlata ao objeto da proposição, firmou a Suprema Corte o entendimento de que não se tratava de reserva de iniciativa na ADI 2.672 em que se pretendia regular a isenção do pagamento de taxa de concurso público:

O diploma normativo em causa, que estabelece isenção do pagamento de taxa de concurso público, não versa sobre matéria relativa a servidores públicos (§ 1º do art. 61 da CF/1988). Dispõe, isso sim, sobre condição para se chegar à investidura em cargo público, que é um momento anterior ao da caracterização do candidato como servidor público. Inconstitucionalidade formal não configurada. [ADI 2.672, rel. p/ o ac. min. Ayres Britto, j. 22-6-2006, P, DJ de 10-11-2006.] = AI 682.317 AgR, rel. min. Dias Toffoli, j. 14-2-2012, 1ª T, DJE de 22-3-2012

Destarte, o Projeto de Lei ora em análise não trata da estrutura ou da atribuição dos órgãos públicos nem do regime jurídico de servidores públicos, nem afronta o princípio da separação entre os poderes. A proposição está de acordo com o que dispõem as normas federais quanto ao direito de acessibilidade das pessoas com deficiência e materializa preceitos que guardam relação de nexo e uma pertinência com essas normas. Vale a pena trazer, sob esse ângulo de análise, a seguinte jurisprudência:

Por sua vez, embora não se desconheça a existência de precedente da lavra deste C. Órgão Especial conferindo interpretação conforme a Constituição Estadual de lei do Município de Sorocaba, de conteúdo análogo à norma objeto desta ação direta (ADI nº 2140790-78.2015.8.26.0000, Relator Designado Desembargador Paulo Dimas Mascaretti), por conter expressão que também enuncia imposição de obrigações a repartições públicas, tal como se verifica, à primeira vista, no termo “acesso público”, contido no caput do artigo 1º da Lei Municipal nº 8.323/2014, não vislumbro, data venia, vício de inconstitucionalidade porque se trata de deveres já previstos em norma federal (cf. artigo 4º, incisos I e II, da Lei nº 7405/85.)

A jurisprudência citada amolda-se perfeitamente à regulação pretendida pelo projeto em análise, já que a proposição não pretende criar obrigações ou atribuições ao Poder Executivo Municipal, mas apenas regular deveres já previstos na norma federal, qual seja a Lei Nº 10.098 de 19 de dezembro de 2000, que “Estabelece normas gerais e critérios básicos para a promoção da acessibilidade das pessoas portadoras de deficiência ou com mobilidade reduzida, e dá outras providências”, notadamente em seu Capítulo IV - DA ACESSIBILIDADE NOS EDIFÍCIOS PÚBLICOS OU DE USO COLETIVO e em seu Capítulo V - DA ACESSIBILIDADE NOS EDIFÍCIOS DE USO PRIVADO.

Também a Lei Nº 13.146, de 6 de julho de 2015 que “Institui a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (Estatuto da Pessoa com Deficiência)” garante o direito de acessibilidade às pessoas com deficiência, fazendo ainda relação entre o direito à educação  e o direito de acessibilidade em seu Capítulo IV. A propositura encontra fundamento também na Lei Federal nº 7.853, de 24 de outubro de 1989, que dispõe sobre a Política Nacional para a Integração da Pessoa Portadora de Deficiência.

Ainda quanto às normas propostas que pretendem criar a obrigação de disponibilidade de editais e instruções de concursos públicos em braile, não se vislumbra vício de iniciativa, havendo jurisprudência que fundamenta tal entendimento:

STF – AI 682317 RJ - “Agravo regimental no agravo de instrumento. Lei nº 3.777/04 do Município do Rio de Janeiro que torna obrigatória a  disponibilidade de editais e/ou instruções de concursos públicos em braile . Ausência da inconstitucionalidade suscitada. Inconstitucionalidade formal. Não ocorrência. Precedentes. 1. Não há inconstitucionalidade formal por vício de iniciativa em lei oriunda do Poder Legislativo que disponha sobre aspectos de concursos públicos sem interferir, diretamente, nos critérios objetivos para admissão e provimento de cargos públicos. 2. Agravo regimental não provido” (AI 682317 AgR, Relator(a): Min. DIAS TOFFOLI, Primeira Turma, julgado em 14/02/2012, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-059 DIVULG 21-03-2012 PUBLIC 22-03-2012)

Quanto à técnica legislativa, a proposição deve ser corrigida na redação de seu artigo 1º, em respeito ao disposto na Lei Complementar n.º 95 de 26 de fevereiro de 1998, já que consta a expressão “Art. 1” e em seu art. 5º, para. único, alterando a redação de dois pontos para seja devidamente redigido da seguinte forma – “Parágrafo único.” E ainda quanto à ortografia e concordância gramatical na redação de seu art. 2º, alterando a expressão “reconhecido” por “reconhecida”.

Conclusão:

Diante dos fundamentos expostos, a Procuradoria opina pela legalidade e pela regular tramitação do Projeto de Lei nº 058/2018, por inexistirem vícios de natureza material ou formal que impeçam a sua deliberação em Plenário, cabendo apenas a correção quanto à redação, em respeito à Lei Complementar n.º 95 de 26 de fevereiro de 1998.

Guaíba, 08 de maio de 2018.

FERNANDO HENRIQUE ESCOBAR BINS

Procurador Geral

OAB/RS 107.136



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