PARECER JURÍDICO |
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"Autoriza o município a Instituir o Projeto “Empresa Amiga dos Animais e cidadãos conscientes” e também a firmar parceria com a iniciativa privada para manutenção, castração e cuidado de animais abandonados no município e dá outras providências." 1. Relatório:O Vereador Ale Alves apresentou o Projeto de Lei nº 063/2018 à Câmara Municipal, objetivando autorizar o Município de Guaíba a instituir o projeto “Empresa Amiga dos Animais e Cidadãos Conscientes” e também a firmar parceria com a iniciativa privada para a manutenção, castração e cuidado de animais abandonados. A proposta foi encaminhada à Procuradoria para análise com fulcro no art. 105 do Regimento Interno, a fim de que seja efetivado o controle da constitucionalidade, da competência da Câmara Municipal e do caráter pessoal da proposição. 2. Parecer:De fato, a norma insculpida no art. 105 do Regimento Interno da Câmara Municipal de Guaíba prevê que cabe ao Presidente do Legislativo a prerrogativa de devolver ao autor as proposições manifestadamente inconstitucionais (art. 105, II), alheias à competência da Câmara (art. 105, I) ou ainda aquelas de caráter pessoal (art. 105, III). O mesmo controle já é exercido no âmbito da Câmara dos Deputados, com base em seu Regimento Interno (art. 137, § 1º), e no Regimento Interno do Senado Federal (art. 48, XI), e foi replicado em diversos outros regimentos internos de outros parlamentos brasileiros. A doutrina trata do sentido da norma jurídica inscrita no art. 105 do Regimento Interno caracterizando-o como um controle de constitucionalidade político ou preventivo, sendo tal controle exercido dentro do Parlamento, através de exame superficial pela Presidência da Mesa Diretora, com natureza preventiva e interna, antes que a proposição possa percorrer o trâmite legislativo. Via de regra, a devolução se perfaz por despacho fundamentado da Presidência, indicando o artigo constitucional violado, podendo o autor recorrer da decisão ao Plenário (art. 105, parágrafo único). Quanto à competência e à matéria de fundo, não há qualquer óbice à proposta. Conforme dispõe o artigo 30, I, da Constituição Federal de 1988, “Compete aos Municípios legislar sobre assuntos de interesse local.” No mesmo sentido, o artigo 6º, I, da Lei Orgânica do Município de Guaíba refere que “Ao Município compete prover a tudo quanto diga respeito ao seu peculiar interesse e ao bem estar de sua população, cabendo-lhe privativamente, dentre outras, as seguintes atribuições: legislar sobre assunto de interesse local.” O Projeto de Lei nº 063/2018 se insere, efetivamente, na definição de interesse local, na medida em que objetiva dispor sobre programa de âmbito estritamente municipal para o controle de zoonoses, o que é de responsabilidade do Município enquanto mantenedor das ações de vigilância sanitária (art. 23, II, CF/88). Todavia, a leitura dos dispositivos da proposição permite concluir a existência de vício na iniciativa do processo legislativo, uma vez que instituem verdadeiro programa a ser implementado pelo Poder Executivo, com o apoio da iniciativa privada, no sentido de recolher, castrar e cuidar de animais abandonados no Município de Guaíba, medida que, apesar de muito honrosa, vai de encontro ao sistema constitucional de repartição de poderes, se ordenada por ato de iniciativa do Poder Legislativo. Nesse sentido, quanto à iniciativa, relevante é a observância das normas previstas na Constituição Estadual, visto que, em caso de eventual controle de constitucionalidade, o parâmetro para a análise da conformidade vertical se dá em relação ao disposto na Constituição Gaúcha, conforme preveem o artigo 125, § 2º, da CF/88 e o artigo 95, XII, alínea “d”, da CE/RS. Apenas excepcionalmente o parâmetro da constitucionalidade será a Constituição Federal, desde que se trate de normas constitucionais de reprodução obrigatória (STF, RE nº 650.898/RS). Refere o artigo 60 da CE/RS:
No âmbito municipal, o artigo 119 da Lei Orgânica, à semelhança do artigo 60 da Constituição Estadual, faz reserva de iniciativa aos projetos de lei sobre certas matérias:
Verifica-se, no caso, que a instituição do programa “Empresa Amiga dos Animais e Cidadãos Conscientes” viola a reserva de iniciativa prevista no artigo 60, II, “d”, da CE/RS e no artigo 119, II, da Lei Orgânica Municipal, especialmente porque, no artigo 3º, consta a obrigação de o Município, por meio de seus órgãos públicos (criação de novas atribuições), receber e analisar propostas de empresas, entidades e cidadãos interessados em participar da parceria, autorizando-a e concedendo, em contrapartida, vários benefícios previstos no artigo 5º, entre os quais a inserção gratuita do logotipo da empresa nos portais eletrônicos da Prefeitura e a publicidade em eventos realizados pelo Município, medidas que, sem dúvidas, devem partir exclusivamente do próprio Chefe do Executivo. Além disso, percebe-se a natureza meramente autorizativa da proposição, tendo em vista que objetiva, no artigo 1º, conceder permissão ao Executivo para implementar programa de sua exclusiva responsabilidade. Tal medida objetiva, sobretudo, contornar a limitação constitucional da iniciativa (art. 61, § 1º, CF e art. 60, CE/RS) para evitar a configuração de inconstitucionalidade formal, o que, entretanto, não tem essa aptidão. Inclusive, no âmbito da Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania da Câmara dos Deputados, é recorrente o entendimento de que projetos de lei com disposições autorizativas são inconstitucionais, tendo sido editada, em 1994, a Súmula de Jurisprudência nº 1, nos seguintes termos: “Projeto de lei, de autoria de Deputado ou Senador, que autoriza o Poder Executivo a tomar determinada providência, que é de sua competência exclusiva, é inconstitucional.” Na esfera da Comissão de Educação e Cultura e da Comissão de Finanças e Tributação, também já há precedentes e recomendações no sentido de rejeitar projetos de lei meramente autorizativos, por ainda assim violarem a regra constitucional de reserva de iniciativa. Além do mais, é preciso destacar a falta de juridicidade nos projetos de lei simplesmente autorizativos. Para melhor esclarecer essa questão, registra-se a lição de Miguel Reale (Lições Preliminares de Direito, 27. ed., São Paulo: Saraiva, 2002, p. 163):
Ou seja, a lei é, necessariamente, um instrumento de constituição de direitos ou de obrigações, sendo incompatível com a sua natureza a positivação de meras faculdades ou possibilidades, que acabam não tendo qualquer juridicidade. A lei, enquanto norma genérica, abstrata, imperativa e coercitiva, não admite simples concessões. Conforme Márcio Silva Fernandes, titular do cargo de Consultor Legislativo da Câmara dos Deputados, no estudo “Inconstitucionalidade de projetos de lei autorizativos”,
Assim, o Projeto de Lei nº 063/2018 incorre em inconstitucionalidade por configurar antijurídica “lei autorizativa”, que é considerada um meio inválido e ilegítimo de legislar por não possuir aptidão para constituir, com força normativa, qualquer direito ou dever. Nessa linha, assenta a jurisprudência do Tribunal de Justiça Gaúcho:
Nada impede, contudo, que a proposta seja remetida ao Executivo sob a forma de indicação, com base no artigo 114 do Regimento Interno da Câmara Municipal de Guaíba, para que, pela via política, o Prefeito implemente a medida veiculada. Conclusão:Diante do exposto, a Procuradoria orienta pela possibilidade de a Presidente, por meio de despacho fundamentado, devolver ao autor a proposição em epígrafe, em razão de vício de iniciativa, caracterizado com base nos artigos 2º e 61, § 1º, da CF/88, artigo 60, II, “d”, da CE/RS e artigo 119, II, da Lei Orgânica Municipal. Sugere-se a remessa de indicação ao Executivo, nos termos regimentais, para a implementação da política prevista no PL nº 063/2018, diante do seu inquestionável mérito. Guaíba, 07 de maio de 2018. GUSTAVO DOBLER Procurador OAB/RS nº 110.114B O Documento ainda não recebeu assinaturas digitais no padrão ICP-Brasil. |
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