Câmara de Vereadores de Guaíba

PARECER JURÍDICO

PROCESSO : Projeto de Lei do Legislativo n.º 061/2018
PROPONENTE : Ver. Manoel Eletricista
     
PARECER : Nº 136/2018
REQUERENTE : #REQUERENTE#

"Dispõe sobre a autorização para o sepultamento de animais domésticos no cemitério municipal"

1. Relatório:

O Vereador Manoel Eletricista apresentou o Projeto de Lei nº 061/2018 à Câmara Municipal, objetivando dispor sobre a autorização para o sepultamento de animais domésticos no cemitério municipal. A proposta foi encaminhada à Procuradoria Jurídica para análise com fulcro no art. 105 do Regimento Interno, a fim de que seja efetivado o controle da constitucionalidade, da competência e do caráter pessoal da proposição.

2. Parecer:

O artigo 18 da Constituição Federal de 1988, inaugurando o tema da organização do Estado, prevê que “A organização político-administrativa da República Federativa do Brasil compreende a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, todos autônomos, nos termos desta Constituição.” O termo “autonomia política”, sob o ponto de vista jurídico, congrega um conjunto de capacidades conferidas aos entes federados para instituir a sua organização, legislação, administração e governo próprios.

A autoadministração e a autolegislação, contemplando o conjunto de competências materiais e legislativas previstas na Constituição Federal para os Municípios, é tratada no artigo 30 da Lei Maior, nos seguintes termos:

Art. 30. Compete aos Municípios:

I - legislar sobre assuntos de interesse local;

II - suplementar a legislação federal e a estadual no que couber;

III - instituir e arrecadar os tributos de sua competência, bem como aplicar suas rendas, sem prejuízo da obrigatoriedade de prestar contas e publicar balancetes nos prazos fixados em lei;

IV - criar, organizar e suprimir distritos, observada a legislação estadual;

V - organizar e prestar, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, os serviços públicos de interesse local, incluído o de transporte coletivo, que tem caráter essencial;

VI - manter, com a cooperação técnica e financeira da União e do Estado, programas de educação infantil e de ensino fundamental; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 53, de 2006)

VII - prestar, com a cooperação técnica e financeira da União e do Estado, serviços de atendimento à saúde da população;

VIII - promover, no que couber, adequado ordenamento territorial, mediante planejamento e controle do uso, do parcelamento e da ocupação do solo urbano;

IX - promover a proteção do patrimônio histórico-cultural local, observada a legislação e a ação fiscalizadora federal e estadual.

A autorização que se pretende instituir no âmbito do Município de Guaíba se insere, efetivamente, na definição de interesse local, eis que o Projeto de Lei nº 061/2018 dispõe sobre cemitérios/serviços funerários, o que de fato é alçada municipal. Nesse sentido, refere o artigo 6º, XXIV, da Lei Orgânica Municipal: “Ao Município compete prover a tudo quanto diga respeito ao seu peculiar interesse e ao bem-estar de sua população, cabendo-lhe privativamente, dentre outras, as seguintes atribuições: dispor sobre serviços funerários e de cemitério.”

Ocorre que o Projeto de Lei nº 061/2018, embora louvável no seu objeto, contém vício de iniciativa. Para os fins do direito municipal, relevante é a observância das normas previstas na Constituição Estadual no que diz respeito à iniciativa para o processo legislativo, uma vez que, em caso de eventual controle de constitucionalidade, o parâmetro para a análise da conformidade vertical se dá em relação ao disposto na Constituição Gaúcha, conforme preveem o artigo 125, § 2º, da CF/88 e o artigo 95, XII, alínea “d”, da CE/RS. Nesse caso, refere o artigo 60 da Constituição Estadual:

Art. 60.  São de iniciativa privativa do Governador do Estado as leis que:

I - fixem ou modifiquem os efetivos da Brigada Militar e do Corpo de Bombeiros Militar; (Redação dada pela Emenda Constitucional n.º 67, de 17/06/14)

II - disponham sobre:

a) criação e aumento da remuneração de cargos, funções ou empregos públicos na administração direta ou autárquica;

b) servidores públicos do Estado, seu regime jurídico, provimento de cargos, estabilidade e aposentadoria de civis, e reforma ou transferência de militares para a inatividade;

c) organização da Defensoria Pública do Estado;

d) criação, estruturação e atribuições das Secretarias e órgãos da administração pública.

Na mesma linha, dispõe, ainda, a Lei Orgânica do Município de Guaíba sobre as hipóteses de competência privativa do Prefeito:

Art. 52 - Compete privativamente ao Prefeito:

(...)

VI – dispor sobre a organização e o funcionamento da Administração Municipal, na forma da Lei;

(...)

X – planejar e promover a execução dos serviços públicos municipais;

Vale destacar que o mero fato de gerar novas despesas ao Poder Executivo não obstaculiza a tramitação de projetos de lei, desde que haja previsão do programa na lei orçamentária anual, na forma do artigo 154, I, da CE/RS e do artigo 167, I, da CF/88. Inclusive, como já defendeu o Supremo Tribunal Federal, “Não usurpa a competência privativa do chefe do Poder Executivo lei que, embora crie despesa para a Administração Pública, não trata da sua estrutura ou da atribuição de seus órgãos nem do regime jurídico de servidores públicos.” (ARE nº 878.911/RJ, Relator: Min. Gilmar Mendes, publicado em 11/10/2016).

Sucede-se que o Projeto de Lei nº 061/2018 objetiva a autorização para sepultamento de animais no cemitério municipal, serviço que se encontra única e exclusivamente na esfera de atribuições do Poder Executivo, responsável pela sua organização e execução. Por ser vedada a iniciativa parlamentar para projetos nesse sentido, tem-se como formalmente inconstitucional a proposição, porquanto deveria ter sido protocolada pelo Chefe do Executivo, nos exatos termos do artigo 60, II, “d”, da CE/RS.

Portanto, apesar de ser honrosa sob o ponto de vista material, a proposta não poderia ter sido apresentada por membro do Poder Legislativo, uma vez que a iniciativa para projetos que tratem da organização, da gestão e da execução dos serviços públicos compete apenas ao Chefe do Poder Executivo, enquanto responsável pela organização administrativa. A propósito, destaca-se a específica jurisprudência do TJRS sobre a matéria:

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEI Nº 5.796, DE 12 DE MAIO DE 2011, DO MUNICÍPIO DE PELOTAS, QUE INSERIU PARÁGRAFO ÚNICO NO ART. 34 DA LEI MUNICIPAL Nº 4.652/2001, DISCIPLINANDO A PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS FUNERÁRIOS À COMUNIDADE CARENTE. VÍCIO DE ORIGEM. INICIATIVA PRIVATIVA DO PREFEITO. VIOLAÇÃO DO PRINCÍPIO DA SEPARAÇÃO DOS PODERES. OFENSA AOS ARTS. 5º, 8º, 10, 60, II, D, E 82, III E VII, DA CONSTITUIÇÃO ESTADUAL. É inconstitucional a Lei nº 5.796/2011, do Município de Pelotas, por vício de iniciativa, considerando que a competência para regular matéria relativa à prestação de serviços funerários é do Chefe do Executivo. Há ingerência do Poder Legislativo em matéria de competência exclusiva do Poder Executivo Municipal, violando o princípio constitucional da independência e harmonia dos Poderes, em ofensa ao disposto nos artigos 5º, 8º, 10, 60, II, d, e 82, III e VII, da Constituição Estadual. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE JULGADA PROCEDENTE. UNÂNIME. (TJ-RS - ADI: 70043304740 RS, Relator: Francisco José Moesch, Data de Julgamento: 24/10/2011, Tribunal Pleno, Data de Publicação: Diário da Justiça do dia 07/11/2011).

Nada impede, contudo, que a proposta seja remetida ao Executivo sob a forma de indicação, com base no artigo 114 do Regimento Interno da Câmara Municipal de Guaíba, para que, pela via política, o Prefeito implemente a medida veiculada.

Conclusão:

Diante do exposto, a Procuradoria orienta pela possibilidade de a Presidente, por meio de despacho fundamentado, devolver ao autor a proposição em epígrafe, em razão de vício de iniciativa caracterizado com base no artigo 61, § 1º, da CF/88, nos artigos 5º, 8º, 10, 60, II, “d”, e 82, III, da CE/RS e nos artigos 52, VI e X, e 119, II, da Lei Orgânica Municipal.

Guaíba, 07 de maio de 2018.

GUSTAVO DOBLER

Procurador

OAB/RS nº 110.114B



O Documento ainda não recebeu assinaturas digitais no padrão ICP-Brasil.
Documento publicado digitalmente por GUSTAVO DOBLER em 07/05/2018 ás 11:56:54. Chave MD5 para verificação de integridade desta publicação 877c8d2b81eae711be0646118bef355d.
A autenticidade deste poderá ser verificada em https://www.camaraguaiba.rs.gov.br/autenticidade, mediante código 53293.