Câmara de Vereadores de Guaíba

PARECER JURÍDICO

PROCESSO : Projeto de Lei do Legislativo n.º 059/2018
PROPONENTE : Ver.ª Claudinha Jardim
     
PARECER : Nº 132/2018
REQUERENTE : #REQUERENTE#

"Assegura todas as informações e direito de atendimento aos deficientes auditivos por meio da Língua Brasileira de Sinais - LIBRAS, em todas as instituições públicas municipais de Guaíba"

1. Relatório:

A Vereadora Claudinha Jardim apresentou o Projeto de Lei nº 059/2018 à Câmara Municipal, objetivando assegurar o direito de atendimento aos deficientes auditivos, em todas as repartições do Poder Executivo Municipal, por servidor capacitado para se comunicar em Língua Brasileira de Sinais – LIBRAS. A proposta foi encaminhada à Procuradoria para análise com fulcro no art. 105 do Regimento Interno, a fim de que seja efetivado o controle da constitucionalidade, da competência da Câmara e do caráter pessoal da proposição.

2. Parecer:

O artigo 18 da Constituição Federal de 1988, inaugurando o tema da organização do Estado, prevê que “A organização político-administrativa da República Federativa do Brasil compreende a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, todos autônomos, nos termos desta Constituição.” O termo “autonomia política”, sob o ponto de vista jurídico, congrega um conjunto de capacidades conferidas aos entes federados para instituir a sua organização, legislação, administração e governo próprios.

A autoadministração e a autolegislação, contemplando o conjunto de competências materiais e legislativas previstas na Constituição Federal para os Municípios, é tratada no artigo 30 da Lei Maior, nos seguintes termos:

Art. 30. Compete aos Municípios:

I - legislar sobre assuntos de interesse local;

II - suplementar a legislação federal e a estadual no que couber;

III - instituir e arrecadar os tributos de sua competência, bem como aplicar suas rendas, sem prejuízo da obrigatoriedade de prestar contas e publicar balancetes nos prazos fixados em lei;

IV - criar, organizar e suprimir distritos, observada a legislação estadual;

V - organizar e prestar, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, os serviços públicos de interesse local, incluído o de transporte coletivo, que tem caráter essencial;

VI - manter, com a cooperação técnica e financeira da União e do Estado, programas de educação infantil e de ensino fundamental; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 53, de 2006)

VII - prestar, com a cooperação técnica e financeira da União e do Estado, serviços de atendimento à saúde da população;

VIII - promover, no que couber, adequado ordenamento territorial, mediante planejamento e controle do uso, do parcelamento e da ocupação do solo urbano;

IX - promover a proteção do patrimônio histórico-cultural local, observada a legislação e a ação fiscalizadora federal e estadual.

A obrigação que se pretende instituir para os órgãos do Poder Executivo se insere na definição de interesse local. Isso porque, além de veicular matéria de competência material do Município (artigo 23, II, CF), não atrelada às competências legislativas privativas da União (CF, art. 22), o Projeto de Lei nº 059/2018 estabelece a facilitação do acesso à informação pelas pessoas portadoras de deficiência, direito que também é alinhado ao espírito democrático e garantista da Constituição.

Quanto à matéria de fundo, também não há qualquer óbice à proposta. Convém lembrar que o objetivo primordial do Projeto de Lei nº 059/2018 é promover a inclusão das pessoas portadoras de deficiência, mediante a garantia de acesso igualitário aos meios de informação e de atendimento adequado. A medida pretendida, quanto à matéria, vem ao encontro de todo o arcabouço jurídico relacionado à proteção das pessoas com deficiência, ao acesso à informação e à participação democrática.

Ocorre que o Projeto de Lei nº 059/2018, embora louvável no objetivo, contém vício de iniciativa. As hipóteses de iniciativa privativa do Poder Executivo, que limitam o poder de iniciativa dos vereadores, estão expressamente previstas na Constituição Federal, aplicadas por simetria aos Estados e Municípios. Dispõe o artigo 61, § 1º, da CF:

Art. 61. A iniciativa das leis complementares e ordinárias cabe a qualquer membro ou Comissão da Câmara dos Deputados, do Senado Federal ou do Congresso Nacional, ao Presidente da República, ao Supremo Tribunal Federal, aos Tribunais Superiores, ao Procurador-Geral da República e aos cidadãos, na forma e nos casos previstos nesta Constituição.

§ 1º São de iniciativa privativa do Presidente da República as leis que:

I - fixem ou modifiquem os efetivos das Forças Armadas;

II - disponham sobre:

a) criação de cargos, funções ou empregos públicos na administração direta e autárquica ou aumento de sua remuneração;

b) organização administrativa e judiciária, matéria tributária e orçamentária, serviços públicos e pessoal da administração dos Territórios;

c) servidores públicos da União e Territórios, seu regime jurídico, provimento de cargos, estabilidade e aposentadoria;(Redação dada pela Emenda Constitucional nº 18, de 1998)

d) organização do Ministério Público e da Defensoria Pública da União, bem como normas gerais para a organização do Ministério Público e da Defensoria Pública dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios;

e) criação e extinção de Ministérios e órgãos da administração pública, observadoo disposto no art. 84, VI;  (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 32, de 2001)

f) militares das Forças Armadas, seu regime jurídico, provimento de cargos, promoções, estabilidade, remuneração, reforma e transferência para a reserva.(Incluída pela Emenda Constitucional nº 18, de 1998)

Para os fins do direito municipal, mais relevante ainda é a observância das normas previstas na Constituição Estadual no que diz respeito à iniciativa para o processo legislativo, uma vez que, em caso de eventual controle de constitucionalidade, o parâmetro para a análise da conformidade vertical se dá em relação ao disposto na Constituição Gaúcha, conforme preveem o artigo 125, § 2º, da CF e o artigo 95, XII, alínea “d”, da CE. Nesse caso, refere o artigo 60 da Constituição Estadual:

Art. 60.  São de iniciativa privativa do Governador do Estado as leis que:

I - fixem ou modifiquem os efetivos da Brigada Militar e do Corpo de Bombeiros Militar; (Redação dada pela Emenda Constitucional n.º 67, de 17/06/14)

II - disponham sobre:

a) criação e aumento da remuneração de cargos, funções ou empregos públicos na administração direta ou autárquica;

b) servidores públicos do Estado, seu regime jurídico, provimento de cargos, estabilidade e aposentadoria de civis, e reforma ou transferência de militares para a inatividade;

c) organização da Defensoria Pública do Estado;

d) criação, estruturação e atribuições das Secretarias e órgãos da administração pública.

O Projeto de Lei nº 059/2018 busca, acima de tudo, a criação de um dever específico aos órgãos do Poder Executivo, no sentido de capacitar servidores públicos para atendimento em Língua Brasileira de Sinais – LIBRAS, garantindo-se esse direito às pessoas com deficiência auditiva, matéria que diz respeito à estruturação dos órgãos públicos e à organização administrativa, próprias do titular daquele poder.

Nesses termos, vale destacar a ementa do parecer elaborado pelo Ministério Público de São Paulo na ADI nº 2002688-13.2014.8.26.0000, que trata sobre a garantia de intérpretes de LIBRAS em eventos públicos municipais:

Constitucional. Administrativo. Ação Direta de Inconstitucionalidade. Lei n. 11.412, de 03 de dezembro de 2013, do Município de São José do Rio Preto. Lei de iniciativa parlamentar impondo a participação de intérprete da Língua Brasileira de Sinais (libras) em todos os eventos públicos realizados no âmbito municipal. Parametricidade no controle de constitucionalidade de norma municipal. [...] 3. Encontra-se na reserva da administração a imposição de intérprete de Língua Brasileira de Sinais (LIBRAS) em eventos públicos oficiais realizados no Município, havendo no caso violação ao princípio da separação de poderes (arts. 5º; 24, § 2º, 1; 47, II e XIV; e 144 da Constituição do Estado). 4. A ausência de previsão na lei de fonte de custeio para cobertura de novos gastos públicos ofende o texto constitucional (arts. 25 e 176, I, CE). Procedência do pedido.

Assim, embora seja admirável sob o ponto de vista material, o Projeto de Lei nº 059/2018 contém vício de iniciativa, por dispor sobre a estruturação dos órgãos públicos e sobre nova atribuição que vai além da mera regulamentação ou detalhamento de tarefas já determinadas a essas unidades administrativas.

Nada impede, contudo, que a proposta seja remetida ao Executivo sob a forma de indicação, com base no artigo 114 do Regimento Interno da Câmara Municipal de Guaíba, para que, pela via política, o Prefeito implemente a medida.

Conclusão:

Diante do exposto, a Procuradoria orienta pela possibilidade de o Presidente, por meio de despacho fundamentado, devolver à autora a proposição em epígrafe, em razão de vício de iniciativa caracterizado com base no artigo 61, § 1º, II, “b”, da CF/88, no artigo 60, II, “d”, da CE/RS e nos artigos 52, VI e X, e 119, II, da Lei Orgânica. Sugere-se a remessa de indicação ao Executivo, nos termos regimentais, para a implementação da política prevista no PL nº 059/2018, diante do seu inquestionável mérito.

Guaíba, 02 de maio de 2018.

GUSTAVO DOBLER

Procurador

OAB/RS nº 110.114B



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