Câmara de Vereadores de Guaíba

PARECER JURÍDICO

PROCESSO : Veto Total n.º 029/2018
PROPONENTE : Executivo Municipal
     
PARECER : Nº 129/2018
REQUERENTE : Comissão de Constituição, Justiça e Redação

"Veto parcial ao Projeto de Lei nº 029/2018"

1. Relatório:

O Vereador Dr. Renan Pereira apresentou o Projeto de Lei nº 029/18 à Câmara Municipal, objetivando estabelecer a obrigatoriedade da utilização do símbolo oficial do Sistema Único de Saúde nas unidades de saúde privadas, filantrópicas e sem fins lucrativos que participem do SUS no Município de Guaíba. A proposta foi aprovada por unanimidade em 20/03/2018. Remetida ao Executivo a redação final do projeto, foi protocolado na Câmara de Vereadores o veto parcial, sendo encaminhado à Procuradoria Jurídica para parecer.

2. Parecer:

O veto parcial do Executivo se restringe ao disposto no § 2º do art. 1º, que aduz:

O disposto no caput deste artigo se aplica também às unidades de saúde ou a setores administrativos delas que, mesmo não fazendo parte da rede própria da Secretaria Municipal de Saúde, estão sob responsabilidade da Secretaria ou recebem recursos públicos do SUS;

De acordo com o Prefeito, o veto se justifica pela falta de clareza da redação do § 2º do art. 1º, que viola as disposições da Lei Complementar Federal nº 95/98, além do que revela vício de iniciativa por permitir interpretações no sentido de ser exigível a obrigação também das unidades de saúde pública municipal.

De fato, o dispositivo possibilita essa conclusão. O trecho “O disposto no caput deste artigo se aplica também às unidades de saúde ou a setores administrativos...” aponta risco de se exigir o cumprimento da obrigação pelos órgãos do Poder Executivo, o que, realmente, afronta o princípio da separação de poderes e o sistema de reserva de iniciativas previsto no artigo 61, § 1º, da CF/88, no artigo 60 da CE/RS e no artigo 119 da LOM.

Como já defendeu a Procuradoria Jurídica em outras oportunidades, a exemplo do Projeto de Lei nº 113/2017, as propostas de origem do Legislativo que determinem a afixação de avisos e cartazes devem estabelecer a obrigação apenas a entes privados, visto que a atribuição de tal encargo a órgãos do Poder Executivo configura inconstitucionalidade formal por vício de iniciativa (artigo 60, II, “d”, Constituição Estadual), considerando tratar de tarefa exclusivamente relacionada à gestão pública e à organização administrativa. Veja-se trecho do Parecer Jurídico nº 331/2017, lavrado em 27/10/2017:

Para que não haja usurpação da iniciativa do Chefe do Executivo à deflagração do processo legislativo, é importante que seja acrescentado o termo “privadas” após a expressão “unidades de saúde”. Isso porque, caso determine a afixação de cartazes em farmácias, drogarias e unidades de saúde públicas, o Projeto de Lei nº 113/2017, de autoria parlamentar, estará tratando da matéria de organização administrativa e atribuições das secretarias e órgãos da Administração Pública, cuja iniciativa é reservada ao Prefeito, na forma do artigo 61, § 1º, II, “b”, da CF/88 e artigo 60, II, “d”, da CE/RS, aplicada por simetria aos municípios, por se tratar de normas constitucionais de reprodução obrigatória.

O sistema constitucional brasileiro se estruturou no princípio da tripartição dos poderes, na forma do artigo 2º da CF/88, de observância obrigatória pelos Estados, Distrito Federal e Municípios, tendo sido distribuídas funções típicas e atípicas aos Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário, os quais, entre si, são independentes e harmônicos. A mesma norma que institui a separação dos poderes proíbe ingerências indevidas de um poder sobre outro, de forma a garantir a já referida harmonia, motivo pelo qual a Constituição Federal estabeleceu determinadas matérias para as quais há reserva de iniciativa ao Chefe do Poder Executivo, por dizerem respeito a questões de organização administrativa e, especialmente, que estão sob o controle e gerenciamento do titular desse poder.

Na CF/88, a reserva de iniciativa está prevista no artigo 61, § 1º, repetida na CE/RS pelo artigo 60, os quais preveem os inúmeros casos em que apenas o Chefe do Poder Executivo poderá deflagrar o processo legislativo. Por se tratar de normas restritivas, tão somente essas hipóteses são reservadas ao Executivo; os demais casos são de iniciativa concorrente, garantindo-se a legitimidade das propostas por parte de membros do Legislativo.

Ocorre que, por serem normas demasiadamente amplas e carregarem conceitos genéricos (“organização administrativa”, “servidores públicos”, “criação, estruturação e atribuições das Secretarias e órgãos da administração pública”, “serviços públicos”), torna-se quase impossível, na prática, a atividade legislativa por iniciativa parlamentar para atribuir obrigações ao Poder Executivo, porque geralmente esbarram na reserva de iniciativa legitimada pelo princípio da separação dos poderes.

No caso em análise, embora seja indiscutível o mérito, está sendo determinada uma nova atribuição aos órgãos públicos, até então inexistente: a afixação de aviso de alerta aos riscos da automedicação. Tal obrigação, por ser criada ao Poder Executivo e não consistir em detalhamento a uma atribuição já existente, invade a esfera de iniciativa do Prefeito, pois cabe somente a ele deflagrar o processo legislativo para instituir a obrigação que se pretende aprovar com esta proposta, forte no princípio da separação dos poderes (artigo 2º, CF) e no artigo 61, § 1º, II, “b”, da CF/88 e artigo 60, II, “d”, da CE/RS.

Nada impede, entretanto, que a obrigação seja imposta às farmácias, drogarias e unidades de saúde privadas, uma vez que, nesse caso, não há o envolvimento da matéria de organização administrativa e de atribuições dos órgãos públicos. Inclusive, o IGAM, na orientação técnica nº 27.208/2017, também defendeu: “No que toca aos estabelecimentos privados, vislumbra-se possível que norma municipal com gênese no Poder Legislativo disponha acerca do assunto, pois, em relação às entidades privadas, não estará o legislador intervindo na organização e funcionamento da administração.”

Assim, para que o Projeto de Lei nº 113/2017 se torne viável sob o ponto de vista da iniciativa, é necessário apenas que seja incluído o termo “privadas” após a expressão “unidades de saúde” (artigo 1º), restringindo o campo de aplicação da lei às pessoas jurídicas de direito privado.

Além disso, a falta de clareza do § 2º do art. 1º do Projeto de Lei nº 029/2018 é motivo para o veto parcial do dispositivo, considerando violar o previsto no artigo 11 da Lei Complementar Federal nº 95/98, que estabelece critérios para a obtenção de clareza, precisão e ordem lógica das disposições normativas. A forma como está redigido o dispositivo, de fato, permite interpretação para tornar-se exigível a obrigação dos órgãos do Poder Executivo, o que é inviável à luz das normas constitucionais.

É importante lembrar que o veto do Chefe do Executivo, no caso, é meramente parcial, incidindo apenas sobre o § 2º do artigo 1º. Portanto, o Projeto de Lei nº 029/2018 foi sancionado em parte, o que garante a existência da previsão legal da utilização do símbolo oficial em unidades privadas de saúde, filantrópicas e sem fins lucrativos. Caso seja aprovado o veto parcial, será tão somente eliminado o § 2º do artigo 1º, subsistindo integralmente o restante do texto aprovado.

Por fim, ressalta-se que, caso seja derrubado o veto e mantido o § 2º do art. 1º, o Chefe do Executivo poderá ingressar, futuramente, com ação direta de inconstitucionalidade para, no âmbito do Tribunal de Justiça Gaúcho, ver declarada a inconformidade do dispositivo com a Constituição Estadual.

Conclusão:

Diante do exposto, a Procuradoria opina pela viabilidade jurídica do Veto Parcial ao Projeto de Lei nº 029/2018, por inexistirem vícios de natureza material ou formal que impeçam a sua deliberação em Plenário, devendo ser votado até o dia 16 de maio de 2018, em única discussão e votação, considerando as exigências do § 2º do art. 45 da LOM.

É o parecer.

Guaíba, 02 de maio de 2018.

GUSTAVO DOBLER

Procurador

OAB/RS nº 110.114B



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