Câmara de Vereadores de Guaíba

PARECER JURÍDICO

PROCESSO : Projeto de Lei do Executivo n.º 016/2018
PROPONENTE : Executivo Municipal
     
PARECER : Nº 122/2018
REQUERENTE : #REQUERENTE#

"Autoriza o Município de Guaíba a proceder a Desafetação de Área Pública e a Permutá-la com a Empresa Adroaldo Mesquita da Costa Neto & Cia Ltda."

1. Relatório:

O Executivo Municipal apresentou o Projeto de Lei nº 016/2018 à Câmara Municipal, que “Autoriza o Município de Guaíba a proceder a Desafetação de Área Pública e a Permutá-la com a Empresa Adroaldo Mesquita da Costa Neto e Cia Ltda”. O projeto veio acompanhado de exposição de motivos (fls. 02 e 03), memorial descritivo das áreas objeto da permuta (fls. 12 a 23), justificativa de dispensa de laudo de avaliação de imóvel urbano para fins de permuta (fls. 24 a 28) e cópia da matrícula dos bens imóveis (fls. 29 a 58). A proposta foi encaminhada à Procuradoria pela Presidência da Câmara para análise nos termos do Art. 105 do Regimento Interno.

2. Parecer:

Inicialmente, verifica-se estar adequada a iniciativa para a deflagração do processo legislativo, uma vez que o projeto de lei apresentado trata da alienação de bens municipais e, sobre este tema, dispõe a Lei Orgânica do Município de Guaíba (LOM):

Art. 52 Compete privativamente ao Prefeito:

[...]

XXII - administrar os bens e as rendas municipais, promover o lançamento,

a fiscalização e a arrecadação de tributos; (grifei)

Art. 92 Cabe ao Prefeito a administração dos bens municipais, respeitada a competência da Câmara quanto àqueles utilizados em seus serviços.

Quanto à matéria de fundo, igualmente não há óbice à proposta, pois conforme dispõe o artigo 30, I, da Constituição Federal de 1988, “Compete aos Municípios legislar sobre assuntos de interesse local.”

No mesmo sentido, a Lei Orgânica do Município de Guaíba estabelece que:

Art. 6º Ao Município compete prover a tudo quanto diga respeito ao seu peculiar interesse e ao bem estar de sua população, cabendo-lhe privativamente dentre outras, as seguintes atribuições:

I - legislar sobre assunto de interesse local;

[...]

IX - dispor sobre organização, administração, utilização e alienação de bens públicos;

Portanto, sob esses critérios, não se vislumbram vícios de ordem formal no projeto submetido à análise, eis que se trata de autorização para desafetação e permuta de área pública proposta pelo Chefe do Poder Executivo.

Destarte, em sua Exposição de Motivos (fls. 2 a 3), o Prefeito utiliza a doutrina e a jurisprudência dos bens públicos a fim de justificar a permuta pretendida e demonstrar o interesse público na sua realização. Consta na justificativa que o objetivo do Projeto de Lei 016/2018 é permutar parte de um bem imóvel de propriedade do Município por um imóvel particular que teria sofrido intervenção do Município a partir da implantação de canal e galeria de drenagem pertencentes ao Sistema de Drenagem da Zona Sul. Sustentou-se que o Município não possui condições financeiras de indenizar o particular e, portanto, a realização da permuta seria a melhor alternativa para a Administração Pública.

Passemos à análise do procedimento adotado pela Administração no que diz respeito ao âmbito material da proposição a fim de verificar se atende a todos os pressupostos legais exigidos pela Lei Orgânica do Município de Guaíba e pela Lei n° 8.666/93 para alienação de bens públicos imóveis.

Para tanto, inicialmente, cumpre trazer o conceito de permuta na lição do ilustríssimo doutrinador Hely Lopes Meirelles:

1.6.1.4 Permuta: permuta, troca ou escambo é o contrato pelo qual as partes transferem e recebem um bem, uma da outra, bens, esses, que se substituem reciprocamente no patrimônio dos permutantes. Há sempre na permuta uma alienação e uma aquisição de coisa, da mesma espécie ou não. (MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 35ª ed. Malheiros. São Paulo. 2009, p. 544).

Assim, não há necessidade de que os bens permutados sejam da mesma espécie ou de igual valor para a configuração da troca. Consoante ilustra Pontes de Miranda:

Não há preço, no sentido próprio; porque um dos figurantes promete um bem, que não é dinheiro, e o outro figurante promete outro bem, que não é dinheiro. A troca não deixa de ser troca se a contraprestação, em vez de ser só a outra coisa, consiste na outra coisa mais importância pecuniária, que serve à correspondência dos valores. O que é preciso é que o bem não pecuniário seja o objeto do contrato, em primeira plana. (Pontes de Miranda. Tratado de Direito Privado. Rio de Janeiro: Borsoi, 1962. p. 379).

Ademais, tratando-se de bem que a Administração pretende alienar por meio de permuta, cumpre notar que o imóvel em questão deverá integrar o patrimônio público municipal como bem dominical.  Isso porque, não havendo serventia imediata de um bem imóvel, em tese, nada obsta que seja promovida a alienação ou a transferência do uso para o atendimento de uma finalidade pública, ainda que por meio de uma entidade privada.

Destarte, a não serventia deverá ser declarada, por Comissão da Administração que aponte as condições do bem atualmente, realizando a devida avaliação do valor de mercado, em se tratando da alienação ou permuta.  À luz dessas razões, ainda que para atender finalidade pública, mostra-se necessário precisar a classificação do bem imóvel como sendo dominical para que se torne possível proceder à permuta, consoante o disposto ao art. 101, do Código Civil Brasileiro:

Art. 101. Os bens públicos dominicais podem ser alienados, observadas as exigências da lei.

Da leitura desta norma, não resta dúvida de que somente os bens classificados como dominicais podem ser alienados na forma da legislação vigente, sendo inalienáveis enquanto destinados ao uso comum do povo ou a fins especiais, isto é, enquanto tiverem destinação pública.

Somado a isto, a apreciação do conteúdo material da proposição depende da análise minuciosa da finalidade do uso do bem, para a verificação do efetivo atendimento do interesse público local. O interesse público, à parte a subjetividade de que o conceito está imbuído, pode ser assim definido nas palavras de Hely Lopes Meirelles:

Em última análise, os fins da Administração consubstanciam-se na defesa do interesse público, assim entendidas aquelas aspirações ou vantagens licitamente almejadas por toda a comunidade administrada, ou por parte expressiva de seus membros. O ato ou contrato administrativo realizado sem interesse público configura desvio de finalidade.

Por conseguinte, somente é recomendável a realização do negócio se o interesse público estiver comprovado; destarte, o mérito do ato deverá ser avaliado pelo gestor público, diante dos critérios de conveniência e oportunidade, os quais serão referendados pelo Legislativo.

Ademais, conforme previsão contida na Lei 8.666/1993, para a alienação de bens imóveis, o Executivo deverá proceder à avaliação prévia do bem, obter autorização Legislativa específica e realizar licitação na modalidade de concorrência:

Art. 17. A alienação de bens da Administração Pública, subordinada à existência de interesse público devidamente justificado, será precedida de avaliação e obedecerá às seguintes normas:

 I - quando imóveis, dependerá de autorização legislativa para órgãos da administração direta e entidades autárquicas e fundacionais, e, para todos, inclusive as entidades paraestatais, dependerá de avaliação prévia e de licitação na modalidade de concorrência, dispensada esta nos seguintes casos:

(...)

c) permuta, por outro imóvel que atenda aos requisitos constantes do inciso X do art. 24 desta Lei; (grifou-se)

Art. 24. É dispensável a licitação:

[...]

X - para a compra ou locação de imóvel destinado ao atendimento das finalidades precípuas da administração, cujas necessidades de instalação e localização condicionem a sua escolha, desde que o preço seja compatível com o valor de mercado, segundo avaliação prévia;

Nesse mesmo sentido, dispõe a LOM:

Art. 95 A alienação de bens municipais, subordinada a existência de interesse público devidamente justificado, será sempre precedida de avaliação e obedecerá as seguintes normas:

I - quando imóveis, dependerá de autorização legislativa e concorrência pública; (...)

 Art. 97 A aquisição de bens imóveis, por permuta, dependerá de prévia avaliação e autorização legislativa.

É de se observar, ainda, que não só a alienação deve estar informada de um interesse público, conforme reza o art. 95 da LOM acima transcrito, mas também a aquisição de bens pela Administração Pública deve atender a uma finalidade pública. E essa finalidade deve estar devidamente justificada para que os membros do Poder Legislativo possam, bem informados, decidir com liberdade sobre a legalidade e o mérito da aquisição pretendida.

Ademais, cumpre notar que para a permuta a licitação, por regra, é obrigatória, ainda que tal obrigatoriedade possa ser excepcionada pela alínea 'c' do inciso I do art. 17 da Lei n° 8.666/93. O referido artigo estabelece que a permuta realizável mediante licitação dispensada será aquela entre bens imóveis, sendo que o objeto da troca pelo poder público deverá deter peculiaridades que atendam as finalidades e necessidades precípuas da Administração, as quais condicionem quanto a sua localização, escolha, devendo o preço deter compatibilidade com o mercado. Não obstante, importante destacar que estes requisitos não mais prevalecem para os Estados, Distrito Federal e Municípios desde 03/11/03, em razão de liminar concedida pelo Supremo Tribunal Federal nos autos da ADin n° 927-3, promovida pelo Estado do Rio Grande do Sul.

Esclarecidas todas as exigências legais que a Administração Pública deve observar para utilizar o instituto da permuta, passo a análise do presente Projeto de Lei e dos documentos que o instruem.

Inicialmente verifico que o projeto não está acompanhado de Termo de Permuta dispondo sobre as cláusulas do negócio e as condições de cada uma das partes, nem há especificação detalhada da parte do bem imóvel público que será objeto do respectivo negócio jurídico, apenas menção genérica.

Embora a redação do Projeto de Lei mencione que apenas parte do imóvel denominado “Quadra 13” será desafetado e permutado e os croquis que acompanham o projeto demonstrem que esta área corresponde à mesma metragem do bem de propriedade particular, a análise da redação de todo Projeto de Lei não permite esse entendimento. Logo, se aprovada nos termos em que se encontra, a Lei autorizaria a desafetação e permuta de todo o imóvel de propriedade do Município de Guaíba denominado “Quadra 13”, que possui uma área de 25.440,00 m², enquanto o imóvel de propriedade da Empresa Adroaldo Mesquita da Costa Neto e Cia Ltda, denominado “Quadra 9”, que integraria o patrimônio da Administração, possui apenas 7.397,28 m².

Ademais, a situação apontada pelo Executivo na Exposição de Motivos para justificar a realização da permuta não resta devidamente comprovada, o que inviabiliza a avaliação do mérito da finalidade do ato pelos Edis, bem como a análise a respeito da conveniência e oportunidade do ato. E, somado à exigência de existência de interesse público devidamente justificado, cumpre destacar, novamente, que a alienação de bens imóveis da Administração Pública sempre deverá ser precedida de avaliação.

No presente caso estão ausentes os laudos de avaliação dos imóveis objetos da permuta, documentos estes que obrigatoriamente precisam acompanhar o Projeto de Lei, não havendo justificativa para sua dispensa, eis que decorrem de expressa previsão legal, sendo imprescindível a aferição do valor de mercado de ambos os imóveis para que do negócio não decorra prejuízo algum à Administração Pública. Portanto, a mera alegação de que os bens a serem permutados possuem o mesmo valor por m² em razão de estarem inseridos na mesma região não permite a dispensa do laudo de avaliação, como pretendeu a Administração com a Justificativa de fls. 24 a 28.

Por fim, cumpre notar que além da ausência dos laudos de avaliação já referidos, o Projeto de Lei não foi instruído com as matrículas atualizadas dos bens a serem permutados, eis que a matrícula do bem público é datada de 2004 (fl.29) e as matrículas dos bens particulares de 2015 (fls. 30 a 58).

Conclusão:

Diante de todo o exposto, a Procuradoria orienta pela possibilidade de o Presidente, por meio de despacho fundamentado, devolver ao autor a proposição em epígrafe, em razão da não observância do procedimento previsto na Lei Orgânica do Município de Guaíba e na Lei n° 8.666/1993 para a alienação de bens públicos imóveis, o que implicou em manifesta violação ao princípio da legalidade previsto no art. 37 da Constituição Federal de 1998.

Guaíba, 19 de abril de 2018.

JULIA ZANATA DAL OSTO

Procuradora

OAB/RS nº 108.241

GUSTAVO DOBLER

Procurador

OAB/RS nº 110.114B



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