Câmara de Vereadores de Guaíba

PARECER JURÍDICO

PROCESSO : Projeto de Lei do Legislativo n.º 046/2018
PROPONENTE : Ver. Dr. João Collares
     
PARECER : Nº 121/2018
REQUERENTE : #REQUERENTE#

"Altera os artigos 2º e 3º da Lei nº 3.560/2017 e dá outras providências"

1. Relatório:

 O Vereador Dr. João Collares apresentou o Projeto de Lei nº 046/2018 à Câmara Municipal, o qual altera os arts. 2º e 3º da Lei Municipal nº 3.560/17, objetivando assegurar a realização do exame de mamografia aos pacientes com idade igual ou superior a 40 anos, bem como que a requisição possa advir de qualquer médico, desde que com consultório no Município de Guaíba. A proposta foi encaminhada à Procuradoria para análise com fulcro no art. 105 do Regimento Interno, a fim de que seja efetivado o controle da constitucionalidade, da competência da Câmara e do caráter pessoal da proposição.

2. Parecer:

O Projeto de Lei nº 046/2018 pretende alterar os arts. 2º e 3º da Lei Municipal nº 3.560, de 17 de outubro de 2017, que já garante a realização do exame de mamografia no âmbito do Município de Guaíba, estabelecendo o prazo máximo de 60 (sessenta) dias a partir do encaminhamento do médico que comprove, com os devidos exames complementares, a hipótese de neoplasia. A proposta se resume a: a) garantir a realização do exame para pacientes a partir de 40 anos, independentemente de possuírem, ou não, fatores de risco; b) possibilitar que o encaminhamento do exame seja feito por qualquer médico, desde que com consultório em Guaíba.

Portanto, considerando que a proposta objetiva complementar os termos da Lei Municipal nº 3.560/17, cujo projeto de lei foi aprovado e sancionado por não haver qualquer vício de inconstitucionalidade, a fundamentação jurídica sobre a viabilidade desta matéria é, basicamente, uma reprodução das razões contidas no parecer da proposição anterior, no sentido de que estão atendidos os pressupostos da competência municipal, da iniciativa e da compatibilidade material com a Constituição Federal de 1988.

O art. 30 da CF/88, ao disciplinar a autonomia dos Municípios, confere-lhes competência para legislar sobre assuntos de interesse local e para suplementar a legislação federal e a estadual no que couber (incisos I e II). No presente caso, além de revestir-se do caráter de norma que atende às peculiaridades locais, porquanto relacionadas à matéria de saúde pública (para a qual todos os entes federados são materialmente competentes – art. 23, II, CF/88) o Projeto de Lei nº 046/2018 complementa, no Município de Guaíba, a Lei Federal nº 11.664, de 29 de abril de 2008, que dispõe sobre a efetivação de ações de saúde que assegurem a prevenção, a detecção, o tratamento e o seguimento dos cânceres do colo uterino e de mama, no âmbito do Sistema Único de Saúde – SUS.

Além disso, sobre o aspecto material, a CF/88 prevê no art. 196: “A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.” O art. 198, por sua vez, estabelece que os serviços de saúde se desenvolvem por meio de um sistema público organizado e mantido com recursos do Poder Público, nos seguintes termos:

Art. 198. As ações e serviços públicos de saúde integram uma rede regionalizada e hierarquizada e constituem um sistema único, organizado de acordo com as seguintes diretrizes:

I - descentralização, com direção única em cada esfera de governo;

II - atendimento integral, com prioridade para as atividades preventivas, sem prejuízo dos serviços assistenciais;

III - participação da comunidade.

Percebe-se, então, que o PL nº 046/2018 está em consonância com o regramento constitucional do direito à saúde, especialmente consagrado no art. 6º como direito fundamental e, como tal, possui aplicabilidade imediata, nos termos do § 1º do art. 5º da CF/88.

Quanto à iniciativa para a deflagração do processo legislativo, reiteram-se as considerações feitas no parecer jurídico do substitutivo ao Projeto de Lei nº 084/17. O texto constitucional prevê a iniciativa concorrente no caput do art. 61 como regra, estabelecendo as exceções no § 1º, que devem ser interpretadas restritivamente:

Art. 61. A iniciativa das leis complementares e ordinárias cabe a qualquer membro ou Comissão da Câmara dos Deputados, do Senado Federal ou do Congresso Nacional, ao Presidente da República, ao Supremo Tribunal Federal, aos Tribunais Superiores, ao Procurador-Geral da República e aos cidadãos, na forma e nos casos previstos nesta Constituição.

§ 1º São de iniciativa privativa do Presidente da República as leis que:

I - fixem ou modifiquem os efetivos das Forças Armadas;

II - disponham sobre:

[...]

e) criação e extinção de Ministérios e órgãos da administração pública, observadoo disposto no art. 84, VI;  (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 32, de 2001)

Disso é possível extrair o seguinte entendimento: a iniciativa para a deflagração do processo legislativo, em regra, é comum. A iniciativa privativa, por ser uma norma de natureza restritiva, é exceção, sendo “válida, nesse ponto, a lição da hermenêutica clássica, segundo a qual as exceções devem ser interpretadas de forma restritiva.” (CAVALCANTE FILHO, 2013, p. 12).

Assim, as hipóteses de iniciativa reservada ao Chefe do Poder Executivo são apenas e tão somente aquelas previstas no texto constitucional: artigos 93, caput; 96, I e II; 127, § 2º; 51, IV; 52, XIII; 73, caput c/c 96; 61, § 1º; 165, I a III. E, nesse caso, o artigo 61, § 1º, reproduzido na CE/RS pelo artigo 60, não prevê restrição expressa à deflagração de projeto de lei, por parlamentar, estabelecendo critérios de acesso ao exame de mamografia, já que tais regras se concretizam como uma conexão entre atribuição já existente do órgão público e a efetivação do direito que se pretende resguardar, sem prever novas tarefas.

Vale lembrar que, na CF/88, a restrição à iniciativa parlamentar prevista no artigo 61, § 1º, II, “e”, se limita aos projetos que criem ou extingam Ministérios ou órgãos da administração pública. Ocorre que a fixação de critérios para acesso a exames de mamografia não se confunde com a criação de órgão público. Como bem definiu Cavalcante Filho (2013, p. 22), “a formulação de uma política pública consiste mais em estabelecer uma conexão entre as atribuições de órgãos já existentes, de modo a efetivar um direito social.” Ou seja, a política pública, alicerçada nos direitos fundamentais (de aplicação imediata – artigo 5º, § 1º, CF), não envolve, por si só, a criação de um órgão público; ela se constitui em tarefas a serem implementadas por setores já existentes, sendo possível na medida em que não ocorra a transformação material do órgão, isto é, criação de novas atribuições além das já previstas na legislação.

A política pública de criação permitida por atividade parlamentar, portanto, é a que estabelece uma conexão entre uma atribuição já existente no órgão público e a efetivação de um direito fundamental, sem criar novas funções ou atribuições. Nesse sentido, a iniciativa do Chefe do Executivo se restringe “à elaboração de normas que remodelem as atribuições de órgão pertencente à estrutura da Administração Pública.[1]

Veja-se a esclarecedora lição de Cavalcante Filho (2013, p. 24), que aborda, inclusive, a questão da fixação de prazo para a realização de exame médico:

Perceba-se que, ao se adotar essa linha de argumentação, é necessário distinguir a criação de uma nova atribuição (o que é vedado mediante iniciativa parlamentar) da mera explicitação e/ou regulamentação de uma atividade que já cabe ao órgão. Por exemplo: atribuir ao SUS a estipulação de critérios para a avaliação da qualidade dos cursos superiores de Medicina significaria dar uma nova atribuição ao sistema, ao passo que estipular prazos para o primeiro tratamento de pessoas diagnosticadas com neoplasia nada mais é que a explicitação – ou, melhor, a regulamentação (lato sensu) – de uma atividade que já cabe ao Sistema desempenhar.

O PL nº 046/18 não pretende criar novo órgão público ou estabelecer uma nova atribuição; apenas regulamenta e explicita a atividade que já é de incumbência do Poder Público (realização de exames médicos). O texto objetiva, especialmente, adequar a idade inicial para a realização do procedimento, fixada na Lei Federal nº 11.664/08 em 40 anos (art. 2º, III), de modo a estar em conformidade com a norma já em vigor, além de permitir o encaminhamento do paciente ao exame por requisição de qualquer médico, desde que com consultório situado no Município de Guaíba. Tais medidas encontram respaldo na aplicação imediata do direito fundamental à saúde, de absoluta responsabilidade do Estado. Assim, da mesma forma que ocorre com o substitutivo ao Projeto de Lei nº 084/2017, não há qualquer vício de inconstitucionalidade, porquanto a atribuição do órgão público já existe e apenas está sendo regulamentada para garantir a sua efetividade.

Nesse sentido, é preciso destacar que o Prefeito de Guaíba sancionou o substitutivo ao Projeto de Lei nº 084/17, que originou a norma a ser alterada por meio da proposta em análise, assim como o Presidente da República sancionou o Projeto de Lei nº 4.089/98, também de origem do Poder Legislativo, do qual se instituiu a Lei Federal nº 11.664, de 29 de abril de 2008, com garantias semelhantes às estabelecidas no presente projeto.

Assim, não se observa qualquer vício de natureza formal ou material que possa impedir a tramitação do Projeto de Lei nº 046/2018, considerando, em especial, tratar-se de complementação da já vigente Lei Municipal nº 3.560, de 17 de outubro de 2017, que regulamenta a matéria, suplementando a Lei Federal nº 11.664, de 29 de abril de 2008.

Sugere-se apenas uma mudança na redação do art. 2º, por ter sido verificado um erro de digitação que compromete a clareza da proposta (art. 11, LC 95/98):

Art. 2º O art. 3º da Lei nº 3.560/2017 passa a ter a seguinte redação:

“Art. 3º A requisição médica deverá ser oriunda das Unidades Básicas de Saúde, Policlínicas, Estratégia de Saúde da Família ou de qualquer médico, desde que com consultório no Município de Guaíba."

[1] VIEIRA JUNIOR, Ronaldo Jorge Araujo. O Supremo Tribunal Federal e o Controle Jurisdicional da Atuação do Poder Legislativo: visão panorâmica e comentada da jurisprudência constitucional. Brasília: Senado Federal, 2007, p. 260.

Conclusão:

Diante do exposto, a Procuradoria opina pela legalidade e pela regular tramitação do Projeto de Lei nº 046/2018, por inexistirem vícios de natureza material ou formal que impeçam a sua deliberação em Plenário.

Guaíba, 20 de abril de 2018.

GUSTAVO DOBLER

Procurador

OAB/RS nº 110.114B



O Documento ainda não recebeu assinaturas digitais no padrão ICP-Brasil.
Documento publicado digitalmente por GUSTAVO DOBLER em 20/04/2018 ás 10:43:52. Chave MD5 para verificação de integridade desta publicação 7364569d3d31b7d444c5fde49cc126c3.
A autenticidade deste poderá ser verificada em https://www.camaraguaiba.rs.gov.br/autenticidade, mediante código 52584.