Câmara de Vereadores de Guaíba

PARECER JURÍDICO

PROCESSO : Projeto de Lei do Legislativo n.º 062/2018
PROPONENTE : Ver. Juliano Ferreira
     
PARECER : Nº 115/2018
REQUERENTE : #REQUERENTE#

"Institui a Semana Municipal de Combate ao Abuso e Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes e dá outras providências"

1. Relatório:

O Vereador Juliano Ferreira apresentou o Projeto de Lei nº 062/2018 à Câmara Municipal, objetivando instituir, no Município de Guaíba, a “Semana Municipal de Combate ao Abuso e Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes”, a ser realizada, anualmente, na terceira semana do mês de maio. A proposta foi encaminhada à Procuradoria para análise com fulcro no art. 105 do Regimento Interno, a fim de que seja efetivado o controle da constitucionalidade, da competência e do caráter pessoal da proposição.

2. Parecer:

De fato, a norma insculpida no art. 105 do Regimento Interno da Câmara Municipal de Guaíba prevê que cabe ao Presidente do Legislativo a prerrogativa de devolver ao autor as proposições manifestadamente inconstitucionais (art. 105, II), alheias à competência da Câmara (art. 105, I) ou ainda aquelas de caráter pessoal (art. 105, III). O mesmo controle já é exercido no âmbito da Câmara dos Deputados, com base em seu Regimento Interno (art. 137, § 1º), e no Regimento Interno do Senado Federal (art. 48, XI), e foi replicado em diversos outros regimentos internos de outros parlamentos brasileiros.

A doutrina trata do sentido da norma jurídica inscrita no art. 105 do Regimento Interno caracterizando-o como um controle de constitucionalidade político ou preventivo, sendo tal controle exercido dentro do Parlamento, através de exame superficial pela Presidência da Mesa Diretora, com natureza preventiva e interna, antes que a proposição possa percorrer o trâmite legislativo. Via de regra, a devolução se perfaz por despacho fundamentado da Presidência, indicando o artigo constitucional violado, podendo o autor recorrer da decisão ao Plenário (art. 105, parágrafo único).

Resumidamente, para que não haja vício de iniciativa, o Projeto de Lei nº 062/18 precisa ser reelaborado, eliminando-se aquelas obrigações e atos que necessariamente envolvam a participação do Executivo, responsável que é pela implementação de políticas públicas. A proposta acertou ao estabelecer a Semana Municipal de Combate ao Abuso e Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes, uma vez que tal providência está compreendida entre os atos possíveis de iniciativa parlamentar, como define reiteradamente a jurisprudência. No entanto, a proposição foi além ao instituir, no Município de Guaíba, a Política Municipal de Prevenção, Identificação e Coibição de Práticas de Violência ou de Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes (art. 2º), prevendo, inclusive, instrumentos para a execução dessa política pública (art. 5º), como um plano municipal, a rede de proteção e o fundo municipal dos direitos da criança e do adolescente.

É nesse ponto que se extrapolou o limite de iniciativa do Vereador. A criação de uma real política municipal, com instrumentos específicos de execução e de investimentos financeiros, depende necessariamente da participação do Executivo, através dos seus órgãos públicos, como Secretarias de Saúde, Educação e Assistência Social, e mediante a contribuição de vários agentes políticos no planejamento das medidas a serem implementadas. Em razão disso, especialmente por terem sido previstos instrumentos de necessária participação do Executivo, tem-se que a criação da Política Municipal de Prevenção, Identificação e Coibição de Práticas de Violência ou de Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes, no Município de Guaíba, deve partir por ato único e exclusivo do Prefeito, por imposição do art. 60, II, “d”, da Constituição Estadual e dos arts. 52, X, e 119, II, da Lei Orgânica Municipal.

Veja-se a jurisprudência do Tribunal de Justiça Gaúcho:

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEI 2.772/2014. MUNICÍPIO DE ARROIO GRANDE. LEI QUE "TORNA OBRIGATÓRIO O MUNICÍPIO ASSEGURAR A RESERVA DE LOTES E MORADIAS POPULARES DISPONIBILIZADOS PELO MUNICÍPIO PARA PORTADORES DE NECESSIDADES ESPECIAIS". INCONSTITUCIONALIDADE FORMAL POR VÍCIO DE INICIATIVA. COMPETÊNCIA PRIVATIVA DO CHEFE DO PODER EXECUTIVO. VIOLAÇÃO À SEPARAÇÃO DOS PODERES. INCONSTITUCIONALIDADE MATERIAL. [...] Lei que importa indevida interferência do Poder Legislativo na organização do Poder Executivo, no que tange à condução das políticas públicas de moradia e habitação, podendo acarretar despesas não previstas pela Lei Orçamentária. Competência privativa do chefe do Poder Executivo para dispor sobre a matéria. A Constituição Estadual (da mesma forma que a Constituição Federal), quando estabelece um rol de matérias cuja iniciativa é reservada a uma estrutura de poder, o faz como garantia da independência e harmonia entre os poderes. Quando o legislativo municipal interfere nas competências que são reservadas à iniciativa privativa do Prefeito, não apenas incorre em inconstitucionalidade formal propriamente dita, por vício de iniciativa (inconstitucionalidade subjetiva), senão que também comete flagrante violação à independência e harmonia dos Poderes que compõem o ente federativo. [...] (Ação Direta de Inconstitucionalidade Nº 70061620555, Tribunal Pleno, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Marcelo Bandeira Pereira, Julgado em 13/04/2015)

Por outro lado, não há qualquer inconstitucionalidade formal ou material na criação, por iniciativa parlamentar, da Semana Municipal de Combate ao Abuso e Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes, desde que não estejam previstos deveres ou obrigações aos órgãos do Poder Executivo no que concerne à logística, à operacionalização e ao custeio do evento, sob pena de vício de iniciativa e de afronta ao princípio da separação dos poderes. Não há impedimento algum a que as “semanas municipais” sejam informadas por objetivos ou princípios, contanto que, como foi dito, não obriguem de qualquer modo o Executivo, traduzindo-se como meras inspirações e diretrizes do evento.

No Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo – onde há vários precedentes em ações diretas de inconstitucionalidade sobre a instituição de datas comemorativas –, foi julgado constitucional o artigo 2º da Lei Municipal nº 11.409, de 08 de setembro de 2016, do Município de Sorocaba, por apenas ter fixado os objetivos da Semana de Conscientização, Prevenção e Combate à Verminose. Eis aqui parte do esclarecedor voto adotado:

Como referi por ocasião da decisão em que indeferi a medida liminar (págs. 83/84), não se vê invasão de competência normativa do Poder Executivo, porquanto, instituída semana de conscientização, prevenção e combate à verminose naquela municipalidade, o artigo 2º, ora impugnado, não vai além de fixar os objetivos da campanha, sem fixar novas incumbências a servidores que, à evidência, e se necessárias, não irão além das de cunho ordinário, situação a não exigir peculiaridades características de aumento de despesas ordenadas pelo Legislativo.

Transcreve-se, ainda, ementa de outro julgado do TJSP sobre idêntica matéria:

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. Lei Nº 3.898, de 25 de abril de 2016, do Município de Mirassol, que 'Institui A Semana de Combate ao Aedes Aegypt no âmbito do Município de Mirassol'. Inicial que aponta ofensa a dispositivos que não guardam relação com o tema em debate, tal como carece de fundamentação correlata (artigos 1º, 111, 180 e 181 da CE, bem como artigo 22, inciso XXVII da CR). Impertinência de exame. Iniciativa oriunda do poder legislativo local. Viabilidade. Inconstitucionalidade formal não caracterizada. Lei que não disciplina matéria reservada à Administração, mas sim sobre programa de conscientização de caráter geral. Ausência de invasão à iniciativa exclusiva do Chefe do Executivo, cujo rol taxativo é previsto no artigo 24, § 2º da Carta Estadual, aplicável aos Municípios por força do artigo 144 do mesmo diploma. ATO normativo, ademais, que não impõe qualquer atribuição ao Executivo local, ostentando conteúdo educativo a justificar atuação legislativa municipal. Ausência de violação ao princípio da separação dos poderes. Mácula aos artigos 5º, 47, incisos II, XIV E XIX, da Constituição Bandeirante, não constatada. Previsão orçamentária genérica que, por si só, não tem o condão de atribuir inconstitucionalidade à lei. Precedentes. Pretensão improcedente (ADI 2101150-34.2016, rel. Des. FRANCISCO CASCONI, j. 19.10.2016).

Assim, tem-se que não há qualquer inconstitucionalidade na fixação de princípios e diretrizes para datas comemorativas, não ingressando tal matéria na iniciativa privativa do Chefe do Executivo para a deflagração do processo legislativo. E, tendo isso como base, considerando o mérito da proposta, apresenta-se sugestão de substitutivo ao fim deste parecer, adequado juridicamente e à técnica legislativa, aproveitando-se ao máximo os termos do projeto de lei originário, para que o proponente protocole caso entenda pertinente.

Conclusão:

Diante do exposto, a Procuradoria orienta pela possibilidade de o Presidente, por meio de despacho fundamentado, devolver ao autor a proposição em epígrafe, em razão de vício de iniciativa, caracterizado com base nos artigos 2º e 61, § 1º, da CF/88, artigo 60, II, “d”, da CE/RS e artigos 52, X, e 119, II, da Lei Orgânica Municipal.

Caso haja interesse na apresentação de substitutivo, recomenda-se a adoção do modelo que segue, já adequado juridicamente e conforme a técnica legislativa.

Guaíba, 17 de abril de 2018.

GUSTAVO DOBLER

Procurador

OAB/RS nº 110.114B

SUBSTITUTIVO AO PROJETO DE LEI Nº 062/2018

Institui a Semana Municipal de Combate ao Abuso e Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes e dá outras providências.

Art. 1º Fica instituída, no Município de Guaíba, a terceira semana do mês de maio como sendo a Semana Municipal de Combate ao Abuso e Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes.

Art. 2º A Semana Municipal de Combate ao Abuso e Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes orientar-se-á pelos seguintes princípios:

I – garantia da inviolabilidade da integridade física, psicológica e moral de crianças e adolescentes;

II – entendimento de que a rede de ensino, de saúde e de assistência social são locais privilegiados para as ações de identificação de indícios de práticas de violência ou de exploração sexual de crianças e adolescentes;

III – ação permanente e articulada entre entes públicos, privados e a sociedade;

IV – combinação entre ações preventivas, educativas, de inserção social e de punição aos que cometam abuso, explorem, colaborem ou contribuam, de alguma forma, para o abuso e exploração sexual de crianças e adolescentes;

V – garantia do sigilo sobre a identidade da pessoa molestada.

Art. 3º A Semana Municipal de Combate ao Abuso e Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes orientar-se-á pelos seguintes objetivos:

I – oportunizar a discussão permanente sobre a questão da violência e da exploração sexual de crianças e adolescentes;

II – contribuir para a existência de uma cultura de respeito aos direitos das crianças e adolescentes;

III – contribuir com os entes públicos no combate a práticas de violência ou de exploração sexual de crianças e adolescentes, inclusive indicando instrumentos permanentes capazes de identificar indícios de tais atos;

IV – promover um ambiente propício para o acolhimento de denúncias sobre abuso e exploração sexual de crianças e adolescentes na rede de ensino, de saúde e de assistência social.

Art. 4º Para os efeitos desta Lei, considera-se:

I – violência sexual: toda ação ou omissão a uma prática sexual, seja física, seja psicológica, seja moral, realizada contra a criança ou adolescente;

II – exploração sexual: toda e qualquer prática erótica ou sexual imposta à criança ou ao adolescente para a obtenção de vantagem ou satisfação pessoal.

Art. 5º Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.



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