PARECER JURÍDICO |
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"Dispõe sobre a divulgação dos direitos da pessoa portadora de câncer e dá outras providências" 1. Relatório:O Vereador Juliano Ferreira apresentou o Projeto de Lei nº 055/2018 à Câmara Municipal, objetivando dispor sobre a divulgação dos direitos da pessoa portadora de câncer. A proposta foi encaminhada à Procuradoria para análise com fulcro no art. 105 do Regimento Interno, a fim de que seja efetivado o controle da constitucionalidade, da competência e do caráter pessoal da proposição. 2. Parecer:De fato, a norma insculpida no art. 105 do Regimento Interno da Câmara Municipal de Guaíba prevê que cabe ao Presidente do Legislativo a prerrogativa de devolver ao autor as proposições manifestadamente inconstitucionais (art. 105, II), alheias à competência da Câmara (art. 105, I) ou ainda aquelas de caráter pessoal (art. 105, III). O mesmo controle já é exercido no âmbito da Câmara dos Deputados, com base em seu Regimento Interno (art. 137, § 1º), e no Regimento Interno do Senado Federal (art. 48, XI), e foi replicado em diversos outros regimentos internos de outros parlamentos brasileiros. A doutrina trata do sentido da norma jurídica inscrita no art. 105 do Regimento Interno caracterizando-o como um controle de constitucionalidade político ou preventivo, sendo tal controle exercido dentro do Parlamento, através de exame superficial pela Presidência da Mesa Diretora, com natureza preventiva e interna, antes que a proposição possa percorrer o trâmite legislativo. Via de regra, a devolução se perfaz por despacho fundamentado da Presidência, indicando o artigo constitucional violado, podendo o autor recorrer da decisão ao Plenário (art. 105, parágrafo único). Quanto à competência e à matéria de fundo, não há qualquer óbice à proposta. Conforme dispõe o artigo 30, I, da Constituição Federal de 1988, “Compete aos Municípios legislar sobre assuntos de interesse local.” No mesmo sentido, o artigo 6º, I, da Lei Orgânica do Município de Guaíba refere que “Ao Município compete prover a tudo quanto diga respeito ao seu peculiar interesse e ao bem estar de sua população, cabendo-lhe privativamente, dentre outras, as seguintes atribuições: legislar sobre assunto de interesse local.” O Projeto de Lei nº 055/2018 se insere, efetivamente, na definição de interesse local, na medida em que objetiva dispor sobre a divulgação de informações relacionadas aos direitos das pessoas portadoras de câncer, o que envolve aspectos de informação, transparência e publicidade, de responsabilidade de todos os entes, sobretudo quando relacionados à proteção da saúde (art. 23, II, CF/88). Todavia, para que a proposição não incorra em vício de iniciativa, é preciso que seja reescrita, sem dirigir tarefas ao Executivo e retirando a disposição meramente autorizativa (art. 1º), pacificamente considerada inconstitucional por, ainda assim, violar a iniciativa para a deflagração do processo legislativo e por não possuir conteúdo jurídico. Os projetos de lei meramente autorizativos são “injurídicos” porque não estabelecem obrigação a ser cumprida por outrem (particular ou Poder Público), apenas criando faculdade nesse sentido. Tal medida objetiva, sobretudo, contornar a limitação constitucional da iniciativa (art. 61, § 1º, CF e art. 60, CE/RS) para evitar a configuração de inconstitucionalidade formal, o que, entretanto, não tem essa aptidão. Inclusive, no âmbito da Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania da Câmara dos Deputados, é recorrente o entendimento de que projetos de lei com disposições autorizativas são inconstitucionais, tendo sido editada, em 1994, a Súmula de Jurisprudência nº 1, nos seguintes termos: “Projeto de lei, de autoria de Deputado ou Senador, que autoriza o Poder Executivo a tomar determinada providência, que é de sua competência exclusiva, é inconstitucional.” Na esfera da Comissão de Educação e Cultura e da Comissão de Finanças e Tributação, também já há precedentes e recomendações no sentido de rejeitar projetos de lei meramente autorizativos, por ainda assim violarem a regra constitucional de reserva de iniciativa. Além do mais, é preciso destacar a falta de juridicidade nos projetos de lei simplesmente autorizativos. Para melhor esclarecer essa questão, registra-se a lição de Miguel Reale (Lições Preliminares de Direito, 27. ed., São Paulo: Saraiva, 2002, p. 163):
Ou seja, a lei é, necessariamente, um instrumento de constituição de direitos ou de obrigações, sendo incompatível com a sua natureza a positivação de meras faculdades ou possibilidades, que acabam não tendo qualquer juridicidade. A lei, enquanto norma genérica, abstrata, imperativa e coercitiva, não admite simples concessões. Conforme Márcio Silva Fernandes, titular do cargo de Consultor Legislativo da Câmara dos Deputados, no estudo “Inconstitucionalidade de projetos de lei autorizativos”,
Assim, o art. 1º do Projeto de Lei nº 055/2018 incorre em inconstitucionalidade por configurar antijurídica “norma autorizativa”, que é considerada um meio inválido e ilegítimo de legislar por não possuir aptidão para constituir, com força de lei, qualquer direito ou dever. Nessa linha, assenta a jurisprudência do Tribunal de Justiça Gaúcho:
Para que não haja inconstitucionalidade, é necessário eliminar a disposição meramente autorizativa e dirigir a obrigação apenas a entes privados, como hospitais, clínicas, consultórios e demais estabelecimentos da área da saúde, uma vez que a instituição de dever nesse sentido, para os órgãos públicos, representa interferência indevida em matéria de organização administrativa, ocasionando inconstitucionalidade formal por vício de iniciativa:
Atente-se, ainda, para o fato de que o direito à isenção de ICMS, IPVA e IPI para pessoas portadoras de câncer não possui previsão expressa na legislação, embora encontre fundamento em alguns precedentes judiciais. Isso porque as isenções devem ser interpretadas literalmente (art. 111, II, CTN) e não há qualquer disposição expressa no sentido de ser a isenção uma das garantias do portador de câncer (Lei Estadual nº 8.115/85 – IPVA; Convênio ICMS nº 38/12 – ICMS; Lei Federal nº 8.989/95 – IPI). O que existe na legislação, como hipótese de isenção desses tributos, é a deficiência física, visual, mental severa ou profunda, ou autismo, só sendo garantida a isenção quando o veículo necessitar de adaptação para uso ou quando, diante da impossibilidade de movimentos dos braços e/ou pernas, for indispensável a condução por terceiros. Resumidamente, o mero fato de ser portador de câncer, por mais cruel que seja a doença, não garante a isenção para a aquisição de veículos. Essa é a orientação adotada pela Receita Federal e pela Receita Estadual, que, de fato, possui amparo legal. Só se garante isenção de IPI, ICMS e IPVA às pessoas portadoras de neoplasia maligna quando os danos ocasionados pela doença configurem deficiência física, visual ou mental severa ou profunda, impossibilitando a utilização de veículo com as instalações usuais. Quando negado o pedido de isenção, é preciso que o prejudicado ingresse no Judiciário para demonstrar a deficiência e, assim, obtenha o benefício. Para demonstrar a veracidade da argumentação aqui apresentada, veja-se recente julgado do Tribunal de Justiça Gaúcho:
Portanto, a divulgação de avisos nos termos indicados, especialmente quanto ao suposto direito à isenção de IPI, ICMS e IPVA, pode gerar falsas expectativas nos moradores locais, frustrando os objetivos de informação. Quanto aos direitos à aposentadoria por invalidez, ao auxílio-doença e à quitação do financiamento da casa própria, as informações não estão suficientemente claras, mas não se vê prejuízo à divulgação da forma exposta. Para a garantia de auxílio-doença ou de aposentadoria por invalidez, é necessário que o beneficiário esteja na qualidade de segurado, ou seja, vinculado à Previdência Social, tendo como vantagem a dispensa de cumprimento do período de carência (12 contribuições mensais) por ser a doença uma das constantes na Instrução Normativa nº 77/15 (art. 147, II, Anexo XLV). Em relação à quitação de financiamento, é indispensável que o portador de neoplasia maligna esteja total e permanentemente inválido para o trabalho, condição já reconhecida pelo INSS ou declarada na Justiça, não sendo suficiente para o benefício, por si só, o fato de a pessoa ser portadora de câncer. No que concerne à isenção de imposto de renda para proventos de aposentadoria, saque do FGTS e do PIS/PASEP, a informação está correta, por não haver maiores dificuldades para a obtenção dos benefícios. O art. 6º, XIV, da Lei Federal nº 7.713/88 prevê expressamente a isenção de IR para proventos de aposentadoria; o art. 20, XI, da Lei Federal nº 8.036/90 permite a movimentação da conta vinculada do trabalhador no FGTS quando seja portador de neoplasia maligna; e a Resolução nº 1/96, do Conselho Diretor do Fundo de Participação PIS/PASEP, autoriza a liberação de saldo quando o titular ou qualquer de seus dependentes seja portador de neoplasia maligna. Desse modo, do Projeto de Lei nº 055/2018 extraem-se as seguintes conclusões: a) existe vício de iniciativa por constar, no art. 2º, que deve haver divulgação das informações nos órgãos públicos de alta frequência popular (mediante avisos impressos), o que representa inadequada interferência na organização administrativa do Poder Executivo, cujo titular (Prefeito) é a autoridade legítima para determinar medida nesse sentido; b) o art. 1º tem a natureza de “disposição autorizativa”, o que é inconstitucional à luz da jurisprudência por ainda assim haver afronta da iniciativa do processo legislativo; c) caso haja interesse na apresentação de substitutivo pelo proponente (com o modelo que virá a seguir), recomenda-se a retirada dos itens “d”, “e” e “f”, por não ser reconhecido o direito à isenção pelo só fato do câncer, devendo concorrer, em cada caso, deficiência física, visual ou mental severa ou profunda. Conclusão:Diante do exposto, a Procuradoria orienta pela possibilidade de o Presidente, por meio de despacho fundamentado, devolver ao autor a proposição em epígrafe, em razão de vício de iniciativa, caracterizado com base nos artigos 2º e 61, § 1º, da CF/88, artigo 60, II, “d”, da CE/RS e artigo 119, II, da Lei Orgânica Municipal. Caso haja interesse na apresentação de substitutivo, recomenda-se a adoção do modelo que segue, já adequado juridicamente e conforme a técnica legislativa. Guaíba, 16 de abril de 2018. GUSTAVO DOBLER Procurador OAB/RS nº 110.114B
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