Câmara de Vereadores de Guaíba

PARECER JURÍDICO

PROCESSO : Projeto de Lei do Legislativo n.º 053/2018
PROPONENTE : Ver.ª Fernanda Garcia
     
PARECER : Nº 109/2018
REQUERENTE : #REQUERENTE#

"Dá isenção de pagamento nas áreas azuis as pessoas com deficiência e aos idosos que possuem credenciais de estacionamento"

1. Relatório:

A Vereadora Fernanda Garcia apresentou o Projeto de Lei nº 053/2018 à Câmara Municipal, objetivando garantir, no Município de Guaíba, o direito à isenção nas áreas azuis às pessoas com deficiência e aos idosos que possuam credenciais de estacionamento. A proposta foi encaminhada à Procuradoria Jurídica pela Presidência para análise nos termos do artigo 105 do Regimento Interno.

2. Parecer:

De fato, a norma insculpida no art. 105 do Regimento Interno da Câmara Municipal de Guaíba prevê que cabe ao Presidente do Legislativo a prerrogativa de devolver ao autor as proposições manifestadamente inconstitucionais (art. 105, II), alheias à competência da Câmara (art. 105, I) ou ainda aquelas de caráter pessoal (art. 105, III). O mesmo controle já é exercido no âmbito da Câmara dos Deputados, com base em seu Regimento Interno (art. 137, § 1º), e no Regimento Interno do Senado Federal (art. 48, XI), e foi replicado em diversos outros regimentos internos de outros parlamentos brasileiros.

A doutrina trata do sentido da norma jurídica inscrita no art. 105 do Regimento Interno caracterizando-o como um controle de constitucionalidade político ou preventivo, sendo tal controle exercido dentro do Parlamento, através de exame superficial pela Presidência da Mesa Diretora, com natureza preventiva e interna, antes que a proposição possa percorrer o trâmite legislativo. Via de regra, a devolução se perfaz por despacho fundamentado da Presidência, indicando o artigo constitucional violado, podendo o autor recorrer da decisão ao Plenário (art. 105, parágrafo único).

O artigo 18 da Constituição Federal de 1988, inaugurando o tema da organização do Estado, prevê que “A organização político-administrativa da República Federativa do Brasil compreende a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, todos autônomos, nos termos desta Constituição.” O termo “autonomia política”, sob o ponto de vista jurídico, congrega um conjunto de capacidades conferidas aos entes federados para instituir a sua organização, legislação, administração e governo próprios.

A autoadministração e a autolegislação, contemplando o conjunto de competências materiais e legislativas previstas na Constituição Federal para os Municípios, é tratada no artigo 30 da Lei Maior, estando prevista, no inciso I, a competência para legislar sobre assuntos de interesse local. A norma que se pretende editar no âmbito do Município de Guaíba se insere, efetivamente, na definição de interesse local e na competência municipal, pois a proposta pretende garantir o direito à isenção de pagamento de tarifas nos estacionamentos rotativos às pessoas com deficiência e aos idosos, por razões de acessibilidade. Tal medida se insere na competência municipal e está alinhada aos objetivos de proteção previstos na Constituição Estadual Gaúcha.

Quanto à matéria de fundo, também não há óbices. Isso porque o texto constitucional determina a obrigação do Estado, em sentido amplo, de oferecer condições de acessibilidade às pessoas com deficiência e de facilitar os direitos dos idosos, de modo a eliminar e/ou reduzir as barreiras que impossibilitam o pleno exercício das suas garantias.

O Decreto nº 6.949, de 25 de agosto de 2009, que promulgou a Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e seu Protocolo Facultativo – norma que, aliás, possui o status de emenda constitucional –, prevê, no artigo 4º, 1, que “Os Estados Partes se comprometem a assegurar e promover o pleno exercício de todos os direitos humanos e liberdades fundamentais por todas as pessoas com deficiência, sem qualquer tipo de discriminação por causa de sua deficiência”, comprometendo-se a: “a) Adotar todas as medidas legislativas, administrativas e de qualquer outra natureza, necessárias para a realização dos direitos reconhecidos na presente Convenção.”

No âmbito infraconstitucional, a Lei nº 13.146/2015, que instituiu a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência, estabelece, no artigo 2º: “Considera-se pessoa com deficiência aquele que tem impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, o qual, em interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas.” Prevê, ainda, o art. 8º do Estatuto, a respeito do direito à acessibilidade:

Art. 8º É dever do Estado, da sociedade e da família assegurar à pessoa com deficiência, com prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à sexualidade, à paternidade e à maternidade, à alimentação, à habitação, à educação, à profissionalização, ao trabalho, à previdência social, à habilitação e à reabilitação, ao transporte, à acessibilidade, à cultura, ao desporto, ao turismo, ao lazer, à informação, à comunicação, aos avanços científicos e tecnológicos, à dignidade, ao respeito, à liberdade, à convivência familiar e comunitária, entre outros decorrentes da Constituição Federal, da Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e seu Protocolo Facultativo e das leis e de outras normas que garantam seu bem-estar pessoal, social e econômico.

No Estatuto do Idoso (Lei Federal nº 10.741/03), prevê o artigo 3º:

Art. 3º É obrigação da família, da comunidade, da sociedade e do Poder Público assegurar ao idoso, com absoluta prioridade, a efetivação do direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, à cultura, ao esporte, ao lazer, ao trabalho, à cidadania, à liberdade, à dignidade, ao respeito e à convivência familiar e comunitária.

O direito à reserva de vagas de estacionamento aos idosos está previsto no artigo 41, caput, nesses termos: “É assegurada a reserva, para os idosos, nos termos da lei local, de 5% (cinco por cento) das vagas nos estacionamentos públicos e privados, as quais deverão ser posicionadas de forma a garantir a melhor comodidade ao idoso.”

Desse modo, sob o ponto de vista material e da competência, não existem óbices à tramitação do Projeto de Lei nº 053/2018. Ocorre, todavia, que a proposta contém vício de iniciativa. A proposição esbarra no disposto no art. 61, § 1º, da CF/88, que estabelece a iniciativa privativa para a deflagração do processo legislativo, fixando as disciplinas próprias do Presidente da República, aplicáveis por simetria aos demais entes federados, entre eles o Município de Guaíba:

Art. 61 (...)

§ 1º São de iniciativa privativa do Presidente da República as leis que:

I - fixem ou modifiquem os efetivos das Forças Armadas;

II - disponham sobre:

a) criação de cargos, funções ou empregos públicos na administração direta e autárquica ou aumento de sua remuneração;

b) organização administrativa e judiciária, matéria tributária e orçamentária, serviços públicos e pessoal da administração dos Territórios;

c) servidores públicos da União e Territórios, seu regime jurídico, provimento de cargos, estabilidade e aposentadoria; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 18, de 1998)

(...)

O conteúdo normativo do Projeto de Lei nº 053/2018, do Poder Legislativo, invade a iniciativa privativa do Chefe do Poder Executivo Municipal, prevista no aludido art. 61, § 1º, da Constituição da República Federativa do Brasil, ao regulamentar serviço público que é de responsabilidade e atribuição do Executivo. O serviço público de estacionamento rotativo conta necessariamente com certa regulamentação para a sua execução e eficiência. No caso de Guaíba, a Lei Municipal nº 2.386/08 regulamenta o sistema, prevendo no art. 7º a possibilidade de outorga de concessão onerosa para a gestão das áreas de estacionamento rotativo de veículos no perímetro urbano, mediante licitação na modalidade concorrência.

O serviço público, portanto, é delegado a empresa selecionada por procedimento licitatório, perfazendo-se a relação por contrato administrativo, com cláusulas fixas sobre a forma de prestação do serviço, sobre os custos e a composição das tarifas, cujas disposições até podem ser alteradas unilateralmente, mas apenas por iniciativa do próprio ente concedente (Poder Executivo).

Diante disso, a alteração das regras contratuais sobre a prestação do serviço não cabe ao Legislativo, mas apenas ao Executivo, enquanto esfera de poder responsável pela delegação do serviço de estacionamento rotativo. Lembre-se, também, que a medida é uma daquelas que tem aptidão para interferir no contrato administrativo, uma vez que a aplicação das isenções para pessoas com deficiência e idosos pode acarretar desequilíbrio econômico-financeiro do contrato administrativo, alterando a relação de custos e lucros, o que deve ser implementado por ordem e iniciativa exclusiva do Poder Executivo mediante ações planejadas, sendo o Prefeito a única autoridade legitimada para tanto.

Não se pode esquecer, ainda, do previsto no artigo 119 da Lei Orgânica Municipal, que, à semelhança dos citados dispositivos constitucionais, faz reserva de iniciativa aos projetos de lei sobre determinadas matérias:

Art. 119 É competência exclusiva do Prefeito a iniciativa dos projetos de lei que disponham sobre:

I - criação de cargos, funções ou empregos públicos na administração direta e autárquica ou aumento de sua remuneração;

II - organização administrativa, matéria orçamentária e serviços públicos;

III - servidores públicos, seu regime jurídico, provimento de cargos, estabilidade e aposentadoria;

IV - criação e extinção de Secretarias e órgãos da administração pública. (Redação dada pela Emenda à Lei Orgânica nº 2/2017)

No Município de Porto Alegre, embora exista, de fato, isenção de tarifa de estacionamentos rotativos às pessoas com deficiência, tal garantia foi estabelecida a partir de processo legislativo deflagrado pelo Chefe do Executivo (Processo nº 1047550074, de 2007), do qual se originou a Lei Municipal nº 10.260/07, instituidora do benefício no artigo 3º, § 2º, detalhada posteriormente por sucessivos decretos regulamentares (Decretos nº 13.183/01, 13.646/02, 17.393/11, 18.313/13, 18.897/14).

É preciso destacar, por fim, a existência de inúmeros precedentes do Tribunal de Justiça declarando a inconstitucionalidade formal de leis municipais nesse sentido, quando deflagrado o processo legislativo por Vereador:

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEI DO MUNICÍPIO DE ALEGRETE QUE ESTABELECE REGRAS SOBRE A RESERVA DE VAGAS GRATUITAS DE ESTACIONAMENTO PARA IDOSOS E DEFICIENTES. INICIATIVA PARLAMENTAR. VÍCIO DE INICIATIVA QUANTO AO REGRAMENTO DO PODER EXECUTIVO. SEPARAÇÃO DE PODERES. Segundo a jurisprudência do Tribunal de Justiça, a lei de iniciativa da Câmara de Vereadores possui vício de iniciativa, ao estabelecer regras para os serviços públicos de estacionamento rotativo pago nas vias públicas municipais, cuja gestão cabe ao Poder Executivo, viola o princípio constitucional da separação dos Poderes Republicanos, que condiciona todos os entes políticos, e o Município, nas circunstâncias do caso. PROCEDENTE. UNÂNIME. (Ação Direta de Inconstitucionalidade Nº 70070873567, Tribunal Pleno, TJRS, Relator: Carlos Cini Marchionatti, Julgado em 27/11/2017).

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEI Nº 7.648/2013, DO MUNICÍPIO DE CARAZINHO, QUE DÁ NOVA REDAÇÃO AOS ARTIGOS 2º E 4º DA LEI MUNICIPAL Nº 7.067/2009, QUE CONSOLIDA A LEGISLAÇÃO QUE INSTITUI E DISCIPLINA O ESTACIONAMENTO ROTATIVO PAGO. EMENDA ADITIVA QUE LIMITOU A VIGÊNCIA DA LEI Nº 7.648/2013 EM 06 (SEIS) MESES. VÍCIO DE ORIGEM. INICIATIVA PRIVATIVA DO PREFEITO. OFENSA AOS ARTS. 5º, 8º, 10, 60, II, D, E 82, VII, DA CONSTITUIÇÃO ESTADUAL. AFRONTA AO PRINCÍPIO DA SEPARAÇÃO DOS PODERES. É inconstitucional a parte do art. 2º da Lei Municipal nº 7.648/2013 acrescentada pela Emenda Aditiva ao Projeto de Lei nº 001/2013, a qual limitou a vigência da Lei em 06 (seis) meses, por vício de iniciativa, considerando que a competência para regular matéria relativa a estacionamento rotativo pago é do Chefe do Executivo. Há, pois, ingerência do Poder Legislativo em matéria de competência exclusiva do Poder Executivo Municipal, violando o princípio constitucional da independência e harmonia dos Poderes, em ofensa ao disposto nos artigos 5º, 8º, 10, 60, II, d, e 82, VII, da Constituição Estadual. [...] (Ação Direta de Inconstitucionalidade Nº 70056182025, Tribunal Pleno, TJRS, Relator: Francisco José Moesch, Julgado em 27/01/2014)

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. MUNICÍPIO DE LAJEADO. LEI MUNICIPAL LEI Nº 10.006, DE 23 DE DEZEMBRO DE 2015. PROJETO DE LEI ORIGINÁRIO DA CÂMARA DE VEREADORES DISPONDO SOBRE O ESTACIONAMENTO ROTATIVO PAGO NAS VIAS PÚBLICAS MUNICIPAIS. MATÉRIA DE INICIATIVA PRIVATIVA DO CHEFE DO PODER EXECUTIVO. VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DA SEPARAÇÃO DE PODERES. CONFIGURADOS VÍCIO FORMAL E MATERIAL. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE PROVIDA. UNÂNIME. (Ação Direta de Inconstitucionalidade Nº 70068200468, Tribunal Pleno, TJRS, Relator: Jorge Luís Dall'Agnol, Julgado em 05/09/2016).

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE - LEI MUNICIPAL DE RIO CLARO nº 4.404, de 19 de setembro de 2012 - ALTERAÇÃO DE LEI ANTERIOR REGULAMENTANDO A UTILIZAÇÃO DO ESTACIONAMENTO ROTATIVO DE VEÍCULOS AUTOMOTORES (ZONA AZUL) CARACTERIZAÇÃO - VÍCIO FORMAL DE INICIATIVA LEGISLATIVA - VIOLAÇÃO DO PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DA SEPARAÇÃO DOS PODERES – Projeto de lei de iniciativa de Vereador,  aprovado e promulgado pela respectiva Câmara Municipal, com veto do Alcaide de Rio Claro, que modifica a legislação anterior regulamentadora da utilização do estacionamento rotativo pago de veículos automotores (Zona  Azul) - Introdução da gratuidade do estacionamento em vias públicas locais para o período de dez minutos - Competência exclusiva do Poder Executivo Municipal - Inconstitucionalidade da Lei Municipal de Rio Claro nº 4.404, de 19 de setembro de 2012, proclamada, à luz dos artigos 5º, 47, incisos II e XIV, da Constituição do Estado de São Paulo - Ação direta de inconstitucionalidade julgada procedente, confirmada a liminar deferida ‘ab initio utis'. (Processo nº 0229401-46.2012.8.26.0000 - Direta de Inconstitucionalidade - Relator(a): Amado de Faria - Comarca: São Paulo - Órgão julgador: Órgão Especial – Data do julgamento: 10/04/2013 – Data de registro: 23/04/2013).

Assim, considerando ser exclusiva do Poder Executivo a iniciativa para definir a forma de prestação do serviço de estacionamento rotativo, inclusive das hipóteses de isenção tarifária, que deve atender aos termos da Lei Municipal nº 2.386/08, o PL nº 053/18 sofre de inconstitucionalidade formal por vício de iniciativa, sendo juridicamente inviável.

Sugere-se a remessa de indicação ao Executivo, nos termos regimentais, para a alteração da Lei Municipal nº 2.386/08, de modo a estabelecer no regramento a isenção da tarifa aos idosos e às pessoas com deficiência, diante do seu inquestionável mérito.

Conclusão:

Diante do exposto, a Procuradoria orienta pela possibilidade de o Presidente, por meio de despacho fundamentado, devolver à autora a proposição em epígrafe, em razão de vício de iniciativa caracterizado com base no artigo 61, § 1º, da CF/88, nos artigos 5º, 8º, 10, 60, II, “d”, e 82, III, da CE/RS e no artigo 119, II, da Lei Orgânica Municipal.

Guaíba, 10 de abril de 2018.

GUSTAVO DOBLER

Procurador

OAB/RS nº 110.114B



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