PARECER JURÍDICO |
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"Dá isenção de pagamento nas áreas azuis as pessoas com deficiência e aos idosos que possuem credenciais de estacionamento" 1. Relatório:A Vereadora Fernanda Garcia apresentou o Projeto de Lei nº 053/2018 à Câmara Municipal, objetivando garantir, no Município de Guaíba, o direito à isenção nas áreas azuis às pessoas com deficiência e aos idosos que possuam credenciais de estacionamento. A proposta foi encaminhada à Procuradoria Jurídica pela Presidência para análise nos termos do artigo 105 do Regimento Interno. 2. Parecer:De fato, a norma insculpida no art. 105 do Regimento Interno da Câmara Municipal de Guaíba prevê que cabe ao Presidente do Legislativo a prerrogativa de devolver ao autor as proposições manifestadamente inconstitucionais (art. 105, II), alheias à competência da Câmara (art. 105, I) ou ainda aquelas de caráter pessoal (art. 105, III). O mesmo controle já é exercido no âmbito da Câmara dos Deputados, com base em seu Regimento Interno (art. 137, § 1º), e no Regimento Interno do Senado Federal (art. 48, XI), e foi replicado em diversos outros regimentos internos de outros parlamentos brasileiros. A doutrina trata do sentido da norma jurídica inscrita no art. 105 do Regimento Interno caracterizando-o como um controle de constitucionalidade político ou preventivo, sendo tal controle exercido dentro do Parlamento, através de exame superficial pela Presidência da Mesa Diretora, com natureza preventiva e interna, antes que a proposição possa percorrer o trâmite legislativo. Via de regra, a devolução se perfaz por despacho fundamentado da Presidência, indicando o artigo constitucional violado, podendo o autor recorrer da decisão ao Plenário (art. 105, parágrafo único). O artigo 18 da Constituição Federal de 1988, inaugurando o tema da organização do Estado, prevê que “A organização político-administrativa da República Federativa do Brasil compreende a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, todos autônomos, nos termos desta Constituição.” O termo “autonomia política”, sob o ponto de vista jurídico, congrega um conjunto de capacidades conferidas aos entes federados para instituir a sua organização, legislação, administração e governo próprios. A autoadministração e a autolegislação, contemplando o conjunto de competências materiais e legislativas previstas na Constituição Federal para os Municípios, é tratada no artigo 30 da Lei Maior, estando prevista, no inciso I, a competência para legislar sobre assuntos de interesse local. A norma que se pretende editar no âmbito do Município de Guaíba se insere, efetivamente, na definição de interesse local e na competência municipal, pois a proposta pretende garantir o direito à isenção de pagamento de tarifas nos estacionamentos rotativos às pessoas com deficiência e aos idosos, por razões de acessibilidade. Tal medida se insere na competência municipal e está alinhada aos objetivos de proteção previstos na Constituição Estadual Gaúcha. Quanto à matéria de fundo, também não há óbices. Isso porque o texto constitucional determina a obrigação do Estado, em sentido amplo, de oferecer condições de acessibilidade às pessoas com deficiência e de facilitar os direitos dos idosos, de modo a eliminar e/ou reduzir as barreiras que impossibilitam o pleno exercício das suas garantias. O Decreto nº 6.949, de 25 de agosto de 2009, que promulgou a Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e seu Protocolo Facultativo – norma que, aliás, possui o status de emenda constitucional –, prevê, no artigo 4º, 1, que “Os Estados Partes se comprometem a assegurar e promover o pleno exercício de todos os direitos humanos e liberdades fundamentais por todas as pessoas com deficiência, sem qualquer tipo de discriminação por causa de sua deficiência”, comprometendo-se a: “a) Adotar todas as medidas legislativas, administrativas e de qualquer outra natureza, necessárias para a realização dos direitos reconhecidos na presente Convenção.” No âmbito infraconstitucional, a Lei nº 13.146/2015, que instituiu a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência, estabelece, no artigo 2º: “Considera-se pessoa com deficiência aquele que tem impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, o qual, em interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas.” Prevê, ainda, o art. 8º do Estatuto, a respeito do direito à acessibilidade:
No Estatuto do Idoso (Lei Federal nº 10.741/03), prevê o artigo 3º:
O direito à reserva de vagas de estacionamento aos idosos está previsto no artigo 41, caput, nesses termos: “É assegurada a reserva, para os idosos, nos termos da lei local, de 5% (cinco por cento) das vagas nos estacionamentos públicos e privados, as quais deverão ser posicionadas de forma a garantir a melhor comodidade ao idoso.” Desse modo, sob o ponto de vista material e da competência, não existem óbices à tramitação do Projeto de Lei nº 053/2018. Ocorre, todavia, que a proposta contém vício de iniciativa. A proposição esbarra no disposto no art. 61, § 1º, da CF/88, que estabelece a iniciativa privativa para a deflagração do processo legislativo, fixando as disciplinas próprias do Presidente da República, aplicáveis por simetria aos demais entes federados, entre eles o Município de Guaíba:
O conteúdo normativo do Projeto de Lei nº 053/2018, do Poder Legislativo, invade a iniciativa privativa do Chefe do Poder Executivo Municipal, prevista no aludido art. 61, § 1º, da Constituição da República Federativa do Brasil, ao regulamentar serviço público que é de responsabilidade e atribuição do Executivo. O serviço público de estacionamento rotativo conta necessariamente com certa regulamentação para a sua execução e eficiência. No caso de Guaíba, a Lei Municipal nº 2.386/08 regulamenta o sistema, prevendo no art. 7º a possibilidade de outorga de concessão onerosa para a gestão das áreas de estacionamento rotativo de veículos no perímetro urbano, mediante licitação na modalidade concorrência. O serviço público, portanto, é delegado a empresa selecionada por procedimento licitatório, perfazendo-se a relação por contrato administrativo, com cláusulas fixas sobre a forma de prestação do serviço, sobre os custos e a composição das tarifas, cujas disposições até podem ser alteradas unilateralmente, mas apenas por iniciativa do próprio ente concedente (Poder Executivo). Diante disso, a alteração das regras contratuais sobre a prestação do serviço não cabe ao Legislativo, mas apenas ao Executivo, enquanto esfera de poder responsável pela delegação do serviço de estacionamento rotativo. Lembre-se, também, que a medida é uma daquelas que tem aptidão para interferir no contrato administrativo, uma vez que a aplicação das isenções para pessoas com deficiência e idosos pode acarretar desequilíbrio econômico-financeiro do contrato administrativo, alterando a relação de custos e lucros, o que deve ser implementado por ordem e iniciativa exclusiva do Poder Executivo mediante ações planejadas, sendo o Prefeito a única autoridade legitimada para tanto. Não se pode esquecer, ainda, do previsto no artigo 119 da Lei Orgânica Municipal, que, à semelhança dos citados dispositivos constitucionais, faz reserva de iniciativa aos projetos de lei sobre determinadas matérias:
No Município de Porto Alegre, embora exista, de fato, isenção de tarifa de estacionamentos rotativos às pessoas com deficiência, tal garantia foi estabelecida a partir de processo legislativo deflagrado pelo Chefe do Executivo (Processo nº 1047550074, de 2007), do qual se originou a Lei Municipal nº 10.260/07, instituidora do benefício no artigo 3º, § 2º, detalhada posteriormente por sucessivos decretos regulamentares (Decretos nº 13.183/01, 13.646/02, 17.393/11, 18.313/13, 18.897/14). É preciso destacar, por fim, a existência de inúmeros precedentes do Tribunal de Justiça declarando a inconstitucionalidade formal de leis municipais nesse sentido, quando deflagrado o processo legislativo por Vereador:
Assim, considerando ser exclusiva do Poder Executivo a iniciativa para definir a forma de prestação do serviço de estacionamento rotativo, inclusive das hipóteses de isenção tarifária, que deve atender aos termos da Lei Municipal nº 2.386/08, o PL nº 053/18 sofre de inconstitucionalidade formal por vício de iniciativa, sendo juridicamente inviável. Sugere-se a remessa de indicação ao Executivo, nos termos regimentais, para a alteração da Lei Municipal nº 2.386/08, de modo a estabelecer no regramento a isenção da tarifa aos idosos e às pessoas com deficiência, diante do seu inquestionável mérito. Conclusão:Diante do exposto, a Procuradoria orienta pela possibilidade de o Presidente, por meio de despacho fundamentado, devolver à autora a proposição em epígrafe, em razão de vício de iniciativa caracterizado com base no artigo 61, § 1º, da CF/88, nos artigos 5º, 8º, 10, 60, II, “d”, e 82, III, da CE/RS e no artigo 119, II, da Lei Orgânica Municipal. Guaíba, 10 de abril de 2018. GUSTAVO DOBLER Procurador OAB/RS nº 110.114B O Documento ainda não recebeu assinaturas digitais no padrão ICP-Brasil. |
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