Câmara de Vereadores de Guaíba

PARECER JURÍDICO

PROCESSO : Projeto de Lei do Legislativo n.º 042/2018
PROPONENTE : Ver. Dr. Renan Pereira
     
PARECER : Nº 093/2018
REQUERENTE : #REQUERENTE#

"Dispõe sobre a realização de exames de tomografia, ressonância e ecografias para a confirmação de hipótese de neoplasia, bem como regulamenta prazo, através do Sistema Único de Saúde do Município de Guaíba"

1. Relatório:

O Vereador Dr. Renan Pereira apresentou o substitutivo ao Projeto de Lei nº 042/2018 à Câmara Municipal, o qual altera o art. 1º da Lei Municipal nº 3.560/17, objetivando assegurar a realização de exames de mamografia, ecografia, tomografia, ressonância, endoscopia e colonoscopia para a confirmação de hipótese de neoplasia. A proposta foi encaminhada à Procuradoria para análise com fulcro no art. 105 do Regimento Interno, a fim de que seja efetivado o controle da constitucionalidade, da competência da Câmara e do caráter pessoal da proposição.

2. Parecer:

O substitutivo ao Projeto de Lei nº 042/18 pretende alterar o art. 1º da Lei Municipal nº 3.560, de 17 de outubro de 2017, que já garante a realização do exame de mamografia no âmbito do Município de Guaíba, estabelecendo o prazo máximo de 60 (sessenta) dias a partir do encaminhamento do médico que comprove, com os devidos exames complementares, a hipótese de neoplasia. A proposta se resume a incluir os exames de ecografia, tomografia, ressonância, endoscopia e colonoscopia também como garantias nos termos da lei local já existente.

Portanto, considerando a grande similitude da presente proposta com a estabelecida no Projeto de Lei nº 084/17, já aprovada e transformada na Lei Municipal nº 3.560/17, a fundamentação jurídica sobre a viabilidade da presente matéria é, basicamente, uma repetição das razões já expostas na outra oportunidade, no sentido de que estão atendidos os pressupostos da competência municipal, da iniciativa e da compatibilidade material com a Constituição Federal de 1988.

O art. 30 da CF/88, ao disciplinar a autonomia dos Municípios, confere-lhes competência para legislar sobre assuntos de interesse local e para suplementar a legislação federal e a estadual no que couber (incisos I e II). No presente caso, além de revestir-se do caráter de norma que atende às peculiaridades locais, o substitutivo complementa, no Município de Guaíba, a Lei Federal nº 12.732, de 22 de novembro de 2012, que dispõe sobre o primeiro tratamento de paciente com neoplasia maligna.

Além disso, a Constituição Federal, no art. 196, prevê: “A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.” O art. 198, por sua vez, estabelece que os serviços de saúde se desenvolvem por meio de um sistema público organizado e mantido com recursos do Poder Público, nos seguintes termos:

Art. 198. As ações e serviços públicos de saúde integram uma rede regionalizada e hierarquizada e constituem um sistema único, organizado de acordo com as seguintes diretrizes:

I - descentralização, com direção única em cada esfera de governo;

II - atendimento integral, com prioridade para as atividades preventivas, sem prejuízo dos serviços assistenciais;

III - participação da comunidade.

Percebe-se, pois, que o substitutivo ao Projeto de Lei nº 042/2018 está em consonância com o regramento constitucional a respeito do direito à saúde, especialmente consagrado no artigo 6º como direito fundamental e, como tal, possui aplicabilidade imediata, nos termos do § 1º do artigo 5º da CF.

Quanto à iniciativa para a deflagração do processo legislativo, reiteram-se as considerações feitas no parecer jurídico do substitutivo ao Projeto de Lei nº 084/17. O texto constitucional prevê a iniciativa concorrente no caput do art. 61 como regra, estabelecendo as exceções no § 1º, que devem ser interpretadas restritivamente:

Art. 61. A iniciativa das leis complementares e ordinárias cabe a qualquer membro ou Comissão da Câmara dos Deputados, do Senado Federal ou do Congresso Nacional, ao Presidente da República, ao Supremo Tribunal Federal, aos Tribunais Superiores, ao Procurador-Geral da República e aos cidadãos, na forma e nos casos previstos nesta Constituição.

§ 1º São de iniciativa privativa do Presidente da República as leis que:

I - fixem ou modifiquem os efetivos das Forças Armadas;

II - disponham sobre:

[...]

e) criação e extinção de Ministérios e órgãos da administração pública, observadoo disposto no art. 84, VI;  (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 32, de 2001)

Disso é possível extrair o seguinte entendimento: a iniciativa para a deflagração do processo legislativo, em regra, é comum. A iniciativa privativa, por ser uma norma de natureza restritiva, é exceção, sendo “válida, nesse ponto, a lição da hermenêutica clássica, segundo a qual as exceções devem ser interpretadas de forma restritiva.” (CAVALCANTE FILHO, 2013, p. 12).

Assim, as hipóteses de iniciativa reservada ao Chefe do Poder Executivo são apenas e tão somente aquelas previstas no texto constitucional: artigos 93, caput; 96, I e II; 127, § 2º; 51, IV; 52, XIII; 73, caput c/c 96; 61, § 1º; 165, I a III. E, nesse caso, o artigo 61, § 1º, não prevê restrição expressa à deflagração de projeto de lei, por parlamentar, estabelecendo uma política pública, desde que não haja aumento da despesa pública sem a respectiva previsão na lei orçamentária anual (art. 167, I, CF/88) e que a referida política se concretize como uma conexão entre atribuição já existente do órgão público e a efetivação do direito que se pretende resguardar.

Vale lembrar que, na CF/88, a restrição à iniciativa parlamentar prevista no artigo 61, § 1º, II, “e”, se limita aos projetos que criem ou extingam Ministérios ou órgãos da administração pública. Ocorre que a instituição de políticas públicas não se confunde com a criação de órgãos públicos. Como bem definiu Cavalcante Filho (2013, p. 22), “a formulação de uma política pública consiste mais em estabelecer uma conexão entre as atribuições de órgãos já existentes, de modo a efetivar um direito social.” Ou seja, a política pública, alicerçada nos direitos fundamentais (de aplicação imediata – artigo 5º, § 1º, CF), não envolve, por si só, a criação de um órgão público; ela se constitui em tarefas a serem implementadas por setores já existentes, sendo possível na medida em que não ocorra a transformação material do órgão, isto é, criação de novas atribuições além das já previstas na legislação.

A política pública de criação permitida por atividade parlamentar, portanto, é a que estabelece uma conexão entre uma atribuição já existente no órgão público e a efetivação de um direito fundamental, sem criar novas funções ou atribuições. Nesse sentido, a iniciativa do Chefe do Executivo se restringe “à elaboração de normas que remodelem as atribuições de órgão pertencente à estrutura da Administração Pública.[1]

Veja-se a esclarecedora lição de Cavalcante Filho (2013, p. 24), que aborda, inclusive, a questão da fixação de prazo para a realização de exame médico:

Perceba-se que, ao se adotar essa linha de argumentação, é necessário distinguir a criação de uma nova atribuição (o que é vedado mediante iniciativa parlamentar) da mera explicitação e/ou regulamentação de uma atividade que já cabe ao órgão. Por exemplo: atribuir ao SUS a estipulação de critérios para a avaliação da qualidade dos cursos superiores de Medicina significaria dar uma nova atribuição ao sistema, ao passo que estipular prazos para o primeiro tratamento de pessoas diagnosticadas com neoplasia nada mais é que a explicitação – ou, melhor, a regulamentação (lato sensu)– de uma atividade que já cabe ao Sistema desempenhar.

O substitutivo ao PL nº 042/18 não pretende criar novo órgão público ou estabelecer uma nova atribuição; apenas regulamenta e explicita a atividade que já é de incumbência do Poder Público (realização de exames médicos). O texto objetiva, especialmente, listar exames como garantia de atendimento pelo sistema público de saúde, apenas como complementação à já existente Lei Municipal nº 3.560/17, medida que tem respaldo na aplicação imediata do direito fundamental à saúde. Isto é, a atribuição já existe; só está sendo regulamentada para garantir a sua efetividade. Inclusive, é preciso destacar que o Prefeito de Guaíba sancionou o PL nº 084/17, com objeto praticamente idêntico ao aqui analisado, o que demonstra, mais uma vez, a ausência de inconstitucionalidade formal.

Assim, não se observa qualquer vício de natureza formal ou material que possa impedir a tramitação do substitutivo ao Projeto de Lei nº 042/2018, considerando, em especial, tratar-se de mera complementação da já existente e em vigor Lei Municipal nº 3.560, de 17 de outubro de 2017, que regulamenta a matéria.

[1] VIEIRA JUNIOR, Ronaldo Jorge Araujo. O Supremo Tribunal Federal e o Controle Jurisdicional da Atuação do Poder Legislativo: visão panorâmica e comentada da jurisprudência constitucional. Brasília: Senado Federal, 2007, p. 260.

Conclusão:

Diante do exposto, a Procuradoria opina pela legalidade e pela regular tramitação do substitutivo ao Projeto de Lei nº 042/2018, por inexistirem vícios de natureza material ou formal que impeçam a sua deliberação em Plenário.

É o parecer.

Guaíba, 28 de março de 2018.

GUSTAVO DOBLER

Procurador

OAB/RS nº 110.114B



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