"Dispõe sobre o incentivo à prática de esportes em academias e clubes desportivos para alunos e alunas acima de 60 (sessenta) anos, através de isenção tributária parcial de ISS no âmbito do Município de Guaíba, e dá outras providências"
1. Relatório:
O Projeto de Lei nº 039/2018, de autoria do Vereador Dr. Renan Pereira, que “Dispõe sobre o incentivo à prática de esportes em academias e clubes desportivos para alunos e alunas acima de 60 (sessenta) anos, através de isenção tributária parcial de ISS no âmbito do Município de Guaíba, e dá outras providências”, foi encaminhado a esta Procuradoria Jurídica pelo Presidente da Câmara Municipal para análise com fulcro no art. 105 do Regimento Interno, a fim de que seja efetivado o exercício de controle quanto à constitucionalidade, à competência da Câmara e ao caráter pessoal das proposições.
2. Parecer:
De fato, a norma insculpida no art. 105 do Regimento Interno da Câmara Municipal de Guaíba prevê que cabe ao Presidente do Legislativo a prerrogativa de devolver ao autor as proposições manifestadamente inconstitucionais (art. 105, II), alheias à competência da Câmara (art. 105, I) ou ainda aquelas de caráter pessoal (art. 105, III). O mesmo controle já é exercido no âmbito da Câmara dos Deputados, com base em seu Regimento Interno (art. 137, § 1º), e no Regimento Interno do Senado Federal (art. 48, XI), e foi replicado em diversos outros regimentos internos de outros parlamentos brasileiros.
A doutrina trata do sentido da norma jurídica inscrita no art. 105 do Regimento Interno caracterizando-o como um controle de constitucionalidade político ou preventivo, sendo tal controle exercido dentro do Parlamento, através de exame superficial pela Presidência da Mesa Diretora, com natureza preventiva e interna, antes que a proposição possa percorrer o trâmite legislativo. Via de regra, a devolução se perfaz por despacho fundamentado da Presidência, indicando o artigo constitucional violado, podendo o autor recorrer da decisão ao Plenário (art. 105, parágrafo único).
Constata-se que a temática constante do Projeto de Lei nº 039/2018, de autoria do Vereador Dr. Renan Pereira, de fato insere-se no âmbito de matérias de interesse local, nos termos do artigo 30, I, da Constituição Federal, portanto de competência legislativa do Município, ao qual ainda cabe suplementar a legislação federal e a estadual no que couber, por força do artigo 30, II, da CF/88. Também o inciso III do artigo 30 da CF/88 dispõe:
Art. 30. Compete aos Municípios:
III - instituir e arrecadar os tributos de sua competência, bem como aplicar suas rendas, sem prejuízo da obrigatoriedade de prestar contas e publicar balancetes nos prazos fixados em lei;
O projeto também não incorre em inconstitucionalidade formal propriamente dita de natureza subjetiva (iniciativa), visto que, ao não criar obrigações ou atribuições a órgãos públicos, não usurpa a esfera de competência do Poder Executivo prevista no art. 61 da Constituição Federal, tendo quanto a isso observado os requisitos formais do processo legislativo, além de não ultrapassar o disposto no art. 2º da CF/88 e no art. 10 da Constituição do Estado do Rio Grande do Sul quanto à separação dos Poderes do Estado.
O alcance material da norma diz respeito à matéria tributária no âmbito do Município, tendo o Supremo Tribunal Federal se posicionado sobre a possibilidade de autoria parlamentar de leis que tratam de matéria tributária, inclusive instituindo benefício fiscal:
Agravo regimental em recurso extraordinário com agravo. 2. Isenção tributária. Não observância dos parâmetros estampados na Lei de Responsabilidade Fiscal. Fundamento infraconstitucional autônomo. Enunciado 283. 3. Benefício fiscal. Lei instituidora. Iniciativa comum ou concorrente. Precedentes. 4. Agravo regimental ao qual se nega provimento. (ARE 642014 AgR, Relator(a): Min. GILMAR MENDES, Segunda Turma, julgado em 27/08/2013, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-180 DIVULG 12-09-2013 PUBLIC 13-09-2013)
As matérias de competência e iniciativa reservadas são rol taxativo na CF/88 e nas Constituições Estaduais e Leis Orgânicas, lecionando HELY LOPES MEIRELLES que:
Leis de iniciativa da Câmara ou, mais propriamente, de seus vereadores, são todas as que a lei orgânica municipal não reserva, expressa e privativamente, à iniciativa do prefeito. As leis orgânicas municipais devem reproduzir, dentre as matérias previstas nos arts. 61, §1º, e 165 da CF, as que se inserem no âmbito da competência municipal. São, pois, de iniciativa exclusiva do prefeito, como chefe do Executivo local, os projetos de lei que disponham sobre criação, estruturação e atribuição das secretarias, órgãos e entes da Administração Pública Municipal; matéria de organização administrativa e planejamento de execução de obras e serviços públicos; criação de cargos, funções ou empregos públicos na Administração direta, autárquica e fundacional do Município; o regime jurídico e previdenciário dos servidores municipais, fixação e aumento de sua remuneração; o plano plurianual, as diretrizes orçamentárias, o orçamento anual e os créditos suplementares e especiais. Os demais projetos competem concorrentemente ao prefeito e à Câmara, na forma regimental. (grifo nosso)
As leis que disponham sobre matéria tributária não se inserem dentre as de iniciativa privativa do Chefe do Poder Executivo, tendo os Tribunais firmado jurisprudência no sentido de que a competência para deflagrar o processo legislativo acerca da matéria é concorrente, dentre esses o Supremo Tribunal Federal e os Tribunais estaduais:
AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO. CONSTITUCIONAL E TRIBUTÁRIO. INICIATIVA LEGISLATIVA. MATÉRIA TRIBUTÁRIA. CONCORRÊNCIA ENTRE PODER LEGISLATIVO E PODER EXECUTIVO. LEI QUE CONCEDE ISENÇÃO. POSSIBILIDADE AINDA QUE O TEMA VENHA A REPERCUTIR NO ORÇAMENTO MUNICIPAL. RECURSO QUE NÃO SE INSURGIU CONTRA A DECISÃO AGRAVADA. DECISÃO QUE SE MANTÊM POR SEUS PRÓPRIOS FUNDAMENTOS. 1. O recurso extraordinário é cabível contra acórdão que julga constitucionalidade in abstracto de leis em face da Constituição Estadual, quando for o caso de observância ao princípio da simetria. Precedente: Rcl 383, Tribunal Pleno, Rel. Min. Moreira Alves. 2. A iniciativa para início do processo legislativo em matéria tributária pertence concorrentemente ao Poder Legislativo e ao Poder Executivo (art. 61, § 1º, II, b, da CF). Precedentes: ADI 724-MC, Tribunal Pleno, Rel. Min. Celso de Mello, DJ de 15.05.92; RE 590.697-ED, Primeira Turma, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, Dje de 06.09.2011; RE 362.573-AgR, Segunda Turma, Rel. Min. Eros Grau, Dje de 17.08.2007). 3. In casu, o Tribunal de origem entendeu pela inconstitucionalidade formal de lei em matéria tributária por entender que a matéria estaria adstrita à iniciativa privativa do Chefe do Poder Executivo, dada a eventual repercussão da referida lei no orçamento municipal. Consectariamente, providos o agravo de instrumento e o recurso extraordinário, em face da jurisprudência desta Corte. 4. Agravo regimental a que se nega provimento. (STF - AI: 809719 MG, Relator: Min. LUIZ FUX, Data de Julgamento: 09/04/2013, Primeira Turma, Data de Publicação: ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-078 DIVULG 25-04-2013 PUBLIC 26-04-2013)
AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. MATÉRIA TRIBUTÁRIA. COMPETÊNCIA CONCORRENTE. AUSÊNCIA DE VÍCIO DE INICIATIVA. IMPROCEDÊNCIA. 1. Lei Complementar, de iniciativa parlamentar, que possibilita o parcelamento do ITBI e que não padece de vício de iniciativa e que não acarreta redução de receita passível de afrontar disposições constitucionais. 2. De fato, a iniciativa para início do processo legislativo em matéria tributária pertence concorrentemente ao Poder Legislativo e ao Poder Executivo (art. 61, § 1º, II, b, da CF). Precedentes: ADI 724-MC, Tribunal Pleno, Rel. Min. Celso de Mello, DJ de 15.05.92; RE 590.697-ED, Primeira Turma, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, Dje de 06.09.2011; RE 362.573-AgR, Segunda Turma, Rel. Min. Eros Grau, Dje de 17.08.2007; AI 809719 AgR, Rel. Min. Luis Fux, Primeira Turma, j. em 09/04/2013. ADI JULGADA IMPROCEDENTE. [...] (Ação Direta de Inconstitucionalidade Nº 70059239814, Tribunal Pleno, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Eugênio Facchini Neto, Julgado em 01/12/2015)
ADI - LEI Nº 7.999/85, DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL, COM A REDAÇÃO QUE LHE DEU A LEI Nº 9.535/92 - BENEFÍCIO TRIBUTÁRIO - MATÉRIA DE INICIATIVA COMUM OU CONCORRENTE - REPERCUSSÃO NO ORÇAMENTO ESTADUAL - ALEGADA USURPAÇÃO DA CLÁUSULA DE INICIATIVA RESERVADA AO CHEFE DO PODER EXECUTIVO - AUSÊNCIA DE PLAUSIBILIDADE JURÍDICA - MEDIDA CAUTELAR INDEFERIDA. - A Constituição de 1988 admite a iniciativa parlamentar na instauração do processo legislativo em tema de direito tributário. - A iniciativa reservada, por constituir matéria de direito estrito, não se presume e nem comporta interpretação ampliativa, na medida em que - por implicar limitação ao poder de instauração do processo legislativo - deve necessariamente derivar de norma constitucional explícita e inequívoca. - O ato de legislar sobre direito tributário, ainda que para conceder benefícios jurídicos de ordem fiscal, não se equipara - especialmente para os fins de instauração do respectivo processo legislativo - ao ato de legislar sobre o orçamento do Estado. (ADI 724-MC, Rel. Min. Celso de Mello, Tribunal Pleno, DJ 27.4.2001)
Em específico à proposta apresentada pelo Vereador Dr. Renan Pereira, já houve julgamento pelo STF e pelo TJSP da Lei Municipal nº 4.539, de 20 de novembro de 2013, do Município de Lençóis Paulista, muito similar à do projeto em análise, sendo reconhecida a sua constitucionalidade formal por não haver qualquer restrição à iniciativa de deflagração do processo legislativo. Como bem sustentou a decisão do Tribunal de Justiça Paulista, reafirmada posteriormente pelo STF no Recurso Extraordinário nº 858.644/SP, a lei editada, ainda que possa influir no orçamento, não dispõe sobre atividades típicas da Administração Pública, nem mesmo diz respeito à matéria orçamentária, mas sim tributária, sobre a qual a Constituição não faz qualquer reserva quanto à iniciativa do processo legislativo:
AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. Lei 4.539, de 20 de novembro de 2013, do Município de Lençóis Paulista. Isenção parcial de ISS. Alegação de violação de iniciativa reservada do Chefe do Executivo. Não ocorrência. Matéria de iniciativa concorrente, conforme jurisprudência deste Órgão Especial e do STF. Alegação de afronta ao princípio da independência dos Poderes. Não ocorrência. Norma que não dispõe sobre atividade de atribuição do chefe do Executivo. Alegação de ofensa ao art. 25 da Constituição do Estado. Não-ocorrência. Lei que institui benefício fiscal e não cria “novos encargos”. Expressão “sem prejuízo de outros que venham a ser estabelecidos em regulamento”, constante do art. 3º, caput, da lei impugnada, que deve ser interpretada conforme o art. 47, III, da Constituição do Estado. Ação julgada improcedente, fixada interpretação conforme do referido dispositivo. (TJ-SP - ADI: 20688814420138260000 SP 2068881-44.2013.8.26.0000, Relator: Antonio Carlos Villen, Data de Julgamento: 20/08/2014, Órgão Especial, Data de Publicação: 22/08/2014).
Veja-se, também, a posterior ementa do acórdão do STF no RE nº 858.644/SP:
AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO. TRIBUTÁRIO. MUNICÍPIO DE LENÇÓIS PAULISTA. LEI MUNICIPAL Nº 4.539/2013. CONCESSÃO DE BENEFÍCIO FISCAL. INICIATIVA DE LEI EM MATÉRIA TRIBUTÁRIA. COMPETÊNCIA COMUM OU CONCORRENTE. PRECEDENTES. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO. (RE 858644 AgR, Relator(a): Min. LUIZ FUX, Primeira Turma, julgado em 19/05/2015, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-104 DIVULG 01-06-2015 PUBLIC 02-06-2015)
Por fim, sugere-se simples ajuste, no momento da redação final, caso aprovado o projeto de lei, para que a expressão “cinquenta por cento”, prevista no art. 3º, seja substituída por “trinta por cento”, de modo a corrigir o equívoco.
Conclusão:
Diante do exposto, a Procuradoria opina pela constitucionalidade, legalidade e pela regular tramitação do Projeto de Lei nº 039/2018, por inexistirem óbices de natureza material ou formal que impeçam a sua deliberação em Plenário.
É o parecer.
Guaíba, 23 de março de 2018.
GUSTAVO DOBLER
Procurador
OAB/RS nº 110.114B
O Documento ainda não recebeu assinaturas digitais no padrão ICP-Brasil.