Câmara de Vereadores de Guaíba

PARECER JURÍDICO

PROCESSO : Projeto de Lei do Legislativo n.º 040/2018
PROPONENTE : Ver. Dr. Renan Pereira
     
PARECER : Nº 086/2018
REQUERENTE : #REQUERENTE#

"Garante a detecção precoce do câncer de próstata pelo Sistema Único de Saúde (SUS) no Município de Guaíba"

1. Relatório:

O Vereador Dr. Renan Pereira apresentou o Projeto de Lei nº 040/2018 à Câmara Municipal, objetivando garantir a detecção precoce do câncer de próstata pelo SUS no Município de Guaíba. A proposta foi encaminhada à Procuradoria pelo Presidente da Câmara para análise com fulcro no art. 105 do Regimento Interno, a fim de que seja efetivado o controle quanto à constitucionalidade, à competência e ao caráter pessoal da proposição. 

2. Parecer:

De fato, a norma insculpida no art. 105 do Regimento Interno da Câmara Municipal de Guaíba prevê que cabe ao Presidente do Legislativo a prerrogativa de devolver ao autor as proposições manifestadamente inconstitucionais (art. 105, II), alheias à competência da Câmara (art. 105, I) ou ainda aquelas de caráter pessoal (art. 105, III). O mesmo controle já é exercido no âmbito da Câmara dos Deputados, com base em seu Regimento Interno (art. 137, § 1º), e no Regimento Interno do Senado Federal (art. 48, XI), e foi replicado em diversos outros regimentos internos de outros parlamentos brasileiros.

A doutrina trata do sentido da norma jurídica inscrita no art. 105 do Regimento Interno caracterizando-o como um controle de constitucionalidade político ou preventivo, sendo tal controle exercido dentro do Parlamento, através de exame superficial pela Presidência da Mesa Diretora, com natureza preventiva e interna, antes que a proposição possa percorrer o trâmite legislativo. Via de regra, a devolução se perfaz por despacho fundamentado da Presidência, indicando o artigo constitucional violado, podendo o autor recorrer da decisão ao Plenário (art. 105, parágrafo único).

No que concerne à competência e ao conteúdo material, não há óbices constitucionais. Lembra-se que o artigo 30 da CF/88, ao disciplinar a autonomia dos Municípios, confere-lhes competência para legislar sobre assuntos de interesse local e para suplementar a legislação federal e a estadual no que couber (inc. I e II). No presente caso, além de revestir-se do caráter de norma que atende às peculiaridades locais, o projeto suplementa, no Município de Guaíba, a Lei Federal nº 13.045, de 25 de novembro de 2014, que dispõe sobre o dever de realizar exames para a detecção precoce do câncer de próstata.

A Constituição Federal, no artigo 196, prevê: “A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.” O artigo 198, por sua vez, estabelece que os serviços de saúde se desenvolvem por meio de um sistema público organizado e mantido com recursos do Poder Público, nos seguintes termos:

Art. 198. As ações e serviços públicos de saúde integram uma rede regionalizada e hierarquizada e constituem um sistema único, organizado de acordo com as seguintes diretrizes:

I - descentralização, com direção única em cada esfera de governo;

II - atendimento integral, com prioridade para as atividades preventivas, sem prejuízo dos serviços assistenciais;

III - participação da comunidade.

Percebe-se, portanto, que o Projeto de Lei nº 040/18 está em consonância com o regramento constitucional a respeito do direito à saúde, especialmente consagrado no artigo 6º como direito fundamental e, como tal, possui aplicabilidade imediata, nos termos do § 1º do artigo 5º da CF/88.

Sobre a aplicabilidade imediata do artigo 6º da Constituição Federal, veja-se:

APELAÇÃO. DIREITO À SAÚDE. AÇÃO PARA APLICAÇÃO DE MEDIDA PROTETIVA. INÉPCIA DA INICIAL. AFASTADA. LEGITIMIDADE PASSIVA. RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA DO PODER PÚBLICO. APLICAÇÃO IMEDIATA E INCONDICIONADA DE DISPOSITIVO CONSTITUCIONAL. I - Havendo pedido em harmonia com os requisitos do parágrafo único do art. 286 do CPC, não há falar em inépcia da inicial. II - O acesso às ações e serviços de saúde é universal e igualitário (CF - art. 196), do que deriva a responsabilidade solidária e linear dos entes federativos. A saúde, elevada à condição de direito social fundamental do homem, contido no art. 6º da CF, declarado por seus artigos 196 e seguintes, é de aplicação imediata e incondicionada, nos termos do parágrafo 1º do artigo 5º da C. Federal, que dá ao indivíduo a possibilidade de exigir compulsoriamente as prestações asseguradas. O artigo 196 da Constituição Federal não faz distinção entre os entes federados, de sorte que cada um e todos, indistintamente, são responsáveis pelas ações e serviços de saúde, sendo certo que a descentralização, mera técnica de gestão, não importa compartimentar sua prestação. Preliminar rejeitada. Apelo desprovido. Sentença confirmada em reexame necessário. Unânime. (Apelação Cível Nº 70051387074, Vigésima Primeira Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Genaro José Baroni Borges, Julgado em 19/12/2012).

Quanto à iniciativa, é preciso referir que, à luz da interpretação das normas jurídicas, é clássica a lição de que as exceções devem ser interpretadas de forma restritiva. Ou seja, quando a norma jurídica excepciona uma regra geral, estabelecendo requisitos que limitam o exercício de uma prerrogativa, não se pode adotar a técnica da interpretação ampliativa para atingir outros casos não previstos na norma analisada.

Como exemplo, veja-se o artigo 61, § 1º, da CF/88, que traz os casos de iniciativa privativa do Chefe do Executivo para deflagrar o processo legislativo. A norma geral é prevista no artigo 61, caput, nos seguintes termos: “A iniciativa das leis complementares e ordinárias cabe a qualquer membro ou Comissão da Câmara dos Deputados, do Senado Federal ou do Congresso Nacional, ao Presidente da República, ao Supremo Tribunal Federal, aos Tribunais Superiores, ao Procurador-Geral da República e aos cidadãos, na forma e nos casos previstos nesta Constituição.” A referida norma estabelece a chamada iniciativa concorrente, permitindo a todas as pessoas ali especificadas dar início ao processo legislativo. O § 1º, em seguida, estabelece uma restrição à iniciativa concorrente, prevendo as matérias em que somente o Presidente da República poderá deflagrar projetos de lei. Por ser norma restritiva, que limita o exercício de uma prerrogativa geral, tem-se que não é possível ampliar o campo de aplicação das exceções para trazer outros casos ali não previstos.

Nesse sentido, o entendimento do STF sobre a matéria:

DECISÃO RECURSO EXTRAORDINÁRIO – LEI MUNICIPAL – INICIATIVA – SEPARAÇÃO DOS PODERES – PRECEDENTES DO PLENÁRIO – PROVIMENTO. [...] 2. Assiste razão ao recorrente. Os pronunciamentos do Supremo são reiterados no sentido de que a interpretação das regras alusivas à reserva de iniciativa para processo legislativo submetem-se a critérios de direito estrito, sem margem para ampliação das situações constitucionalmente previstas – medida cautelar na ação direta de inconstitucionalidade nº 724/RS, relator o ministro Celso de Mello, acórdão publicado no Diário da Justiça em 27 de abril de 2001, ação direta de inconstitucionalidade nº 2.464/AP, relatora a ministra Ellen Gracie, acórdão publicado no Diário da Justiça em 25 de maio de 2007, e ação direta de inconstitucionalidade nº 3.394/AM, relator o ministro Eros Grau, acórdão publicado no Diário da Justiça em 24 de agosto de 2007. [...] (RE 729729, Relator(a): Min. MARCO AURÉLIO, julgado em 13/12/2016, publicado em DJe-017 DIVULG 31/01/2017 PUBLIC 01/02/2017).

O membro do Legislativo tem a prerrogativa de apresentar projetos de lei para reproduzir, em âmbito local, norma federal já existente que cria o dever genérico de o SUS realizar exames para a detecção precoce de câncer. Como já referido em outros pareceres jurídicos, a interpretação mais moderna aplicada pelo STF é no sentido de admitir a iniciativa do Poder Legislativo para dispor sobre políticas públicas, desde que sem criar novas atribuições e sem remodelar as já existentes para órgãos públicos.

Na situação em análise, a norma apenas reproduz o que já prevê o artigo 4º-A da Lei Federal nº 10.289, de 20 de setembro de 2001, incluído pela Lei Federal nº 13.045, de 25 de novembro de 2014, o qual prevê: “As unidades integrantes do Sistema Único de Saúde são obrigadas a realizar exames para a detecção precoce do câncer de próstata sempre que, a critério médico, tal procedimento for considerado necessário.” Vale lembrar que tal norma, criada no Congresso Nacional, teve por origem o Projeto de Lei nº 1.098/07, de iniciativa do Senador Antonio Carlos Valadares (PSB/SE), tendo a proposição sido aprovada em todas as comissões, em Plenário e sancionada pela Presidente da República, não sendo impugnada judicialmente, o que demonstra, de fato, a ausência de vício de iniciativa. A lei de âmbito federal, por óbvio, é aplicável em todo o território nacional, mas nada impede a reprodução na legislação local, considerando o atendimento da competência, da iniciativa e da conformidade material com as normas constitucionais. 

Conclusão:

Diante do exposto, a Procuradoria opina pela legalidade e pela regular tramitação do Projeto de Lei nº 040/2018, por inexistirem vícios de natureza material ou formal que impeçam a sua deliberação em Plenário.

É o parecer.

Guaíba, 22 de março de 2018.

GUSTAVO DOBLER

Procurador

OAB/RS nº 110.114B



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