Câmara de Vereadores de Guaíba

PARECER JURÍDICO

PROCESSO : Projeto de Lei do Legislativo n.º 037/2018
PROPONENTE : Ver. Ale Alves
     
PARECER : Nº 080/2018
REQUERENTE : #REQUERENTE#

"Dispõe sobre critérios para desembarque de mulheres, idosos e pessoas com deficiência fora da parada de ônibus, em período noturno nos veículos de transporte coletivo do Município de Guaíba e dá outras providências"

1. Relatório:

O Vereador Ale Alves apresentou o Projeto de Lei nº 037/2018 à Câmara Municipal, objetivando dispor, no Município de Guaíba, sobre os critérios para o desembarque de mulheres, idosos e pessoas com deficiência fora da parada de ônibus, em período noturno, nos veículos de transporte coletivo. A proposta foi encaminhada à Procuradoria pela Presidência para análise nos termos do artigo 105 do Regimento Interno. 

2. Parecer:

De fato, a norma insculpida no art. 105 do Regimento Interno da Câmara Municipal de Guaíba prevê que cabe ao Presidente do Legislativo a prerrogativa de devolver ao autor as proposições manifestadamente inconstitucionais (art. 105, II), alheias à competência da Câmara (art. 105, I) ou ainda aquelas de caráter pessoal (art. 105, III). O mesmo controle já é exercido no âmbito da Câmara dos Deputados, com base em seu Regimento Interno (art. 137, § 1º), e no Regimento Interno do Senado Federal (art. 48, XI), e foi replicado em diversos outros regimentos internos de outros parlamentos brasileiros.

A doutrina trata do sentido da norma jurídica inscrita no art. 105 do Regimento Interno caracterizando-o como um controle de constitucionalidade político ou preventivo, sendo tal controle exercido dentro do Parlamento, através de exame superficial pela Presidência da Mesa Diretora, com natureza preventiva e interna, antes que a proposição possa percorrer o trâmite legislativo. Via de regra, a devolução se perfaz por despacho fundamentado da Presidência, indicando o artigo constitucional violado, podendo o autor recorrer da decisão ao Plenário (art. 105, parágrafo único).

O artigo 18 da Constituição Federal de 1988, inaugurando o tema da organização do Estado, prevê que “A organização político-administrativa da República Federativa do Brasil compreende a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, todos autônomos, nos termos desta Constituição.” O termo “autonomia política”, sob o ponto de vista jurídico, congrega um conjunto de capacidades conferidas aos entes federados para instituir a sua organização, legislação, a administração e o governo próprios.

A autoadministração e a autolegislação, contemplando o conjunto de competências materiais e legislativas previstas na Constituição Federal para os Municípios, é tratada no artigo 30 da Lei Maior, nos seguintes termos:

Art. 30. Compete aos Municípios:

I - legislar sobre assuntos de interesse local;

[...]

V - organizar e prestar, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, os serviços públicos de interesse local, incluído o de transporte coletivo, que tem caráter essencial;

A norma que se pretende editar no âmbito do Município de Guaíba se insere, efetivamente, na definição de interesse local e na competência municipal, visto que o Projeto de Lei nº 037/2018 objetiva estabelecer a dispensa de parada, pelos veículos do transporte público municipal, nos pontos obrigatórios estabelecidos contratualmente, bem como o direito a que mulheres, idosos e pessoas com deficiência desembarquem em locais alheios aos pontos pré-determinados, por razões de segurança, conforto e bem-estar. Tais medidas se inserem na competência municipal e estão alinhadas aos objetivos de proteção previstos na Constituição Estadual Gaúcha.

Quanto à matéria de fundo, também não há óbices. Isso porque o texto constitucional determina a obrigação do Estado, em sentido amplo, de oferecer condições de segurança a todas as pessoas, sendo esse o objetivo principal da norma que se pretende instituir. Nesse sentido, refere o artigo 144 da CF/88: “A segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, é exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, através dos seguintes órgãos”. Igualmente, refere o artigo 124 da Constituição Estadual: “A segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, é exercida para a preservação da ordem pública, das prerrogativas da cidadania, da incolumidade das pessoas e do patrimônio, através dos seguintes órgãos”.

Ocorre que o Projeto de Lei nº 037/2018, embora louvável o seu objeto, contém vício de iniciativa. A proposição esbarra no disposto no art. 61, § 1º, da Constituição Federal, que estabelece a iniciativa privativa para a deflagração do processo legislativo, fixando as disciplinas próprias do Presidente da República, aplicáveis por simetria aos demais entes federados, entre eles o Município de Guaíba:

Art. 61 (...)

§ 1º São de iniciativa privativa do Presidente da República as leis que:

I - fixem ou modifiquem os efetivos das Forças Armadas;

II - disponham sobre:

a) criação de cargos, funções ou empregos públicos na administração direta e autárquica ou aumento de sua remuneração;

b) organização administrativa e judiciária, matéria tributária e orçamentária, serviços públicos e pessoal da administração dos Territórios;

c) servidores públicos da União e Territórios, seu regime jurídico, provimento de cargos, estabilidade e aposentadoria; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 18, de 1998)

(...)

O conteúdo normativo do Projeto de Lei nº 037/2018, do Poder Legislativo, invade a iniciativa privativa do Chefe do Poder Executivo Municipal, prevista no aludido art. 61, § 1º, da Constituição da República Federativa do Brasil, ao regulamentar serviço público que é de responsabilidade e atribuição do Executivo. O serviço público de transporte coletivo conta necessariamente com certa regulamentação para a sua execução e eficiência, podendo ser realizado diretamente ou mediante delegação a terceiros, neste caso precedida da indispensável licitação. No caso de Guaíba, o serviço é, de fato, delegado a empresas selecionadas por procedimento licitatório, perfazendo-se a relação por contrato administrativo, com cláusulas fixas sobre a forma de prestação do serviço, que até podem ser alteradas unilateralmente, mas apenas por iniciativa do próprio contratante (Poder Executivo).

Diante disso, a alteração das regras contratuais sobre a prestação do serviço não cabe ao Poder Legislativo, mas apenas ao Executivo, enquanto esfera de poder responsável pelo transporte público municipal.

Lembre-se que a medida é uma daquelas que tem aptidão para gerar o desequilíbrio do contrato administrativo, uma vez que a mudança dos momentos de parada pelo exercício da prerrogativa conferida a mulheres, idosos e pessoas com deficiência pode acarretar alteração do tempo médio calculado para os percursos, assim como pode gerar custos adicionais não estabelecidos previamente e não contemplados na precisa proposta ofertada na licitação. Considerando isso, as eventuais alterações devem ser implementadas por ato exclusivo do Poder Executivo, sendo o Prefeito a única autoridade legitimada para tanto.

O conteúdo do Projeto de Lei nº 037/2018 também vai de encontro ao princípio constitucional da separação dos poderes, disposto no art. 2º da Constituição Federal. A matéria ofende a chamada reserva de administração, insculpida no artigo 61, § 1º, da Constituição Federal e decorrência do conteúdo nuclear do princípio da separação de poderes, ao dispor a respeito da organização de serviços municipais, sobre os quais cabe ao Poder Executivo iniciar o processo legislativo ou implementar diretamente.

Não se pode esquecer, por fim, do previsto no artigo 119 da Lei Orgânica Municipal, que, à semelhança dos citados dispositivos constitucionais, faz reserva de iniciativa aos projetos de lei sobre determinadas matérias:

Art. 119 É competência exclusiva do Prefeito a iniciativa dos projetos de lei que disponham sobre:

I - criação de cargos, funções ou empregos públicos na administração direta e autárquica ou aumento de sua remuneração;

II - organização administrativa, matéria orçamentária e serviços públicos;

III - servidores públicos, seu regime jurídico, provimento de cargos, estabilidade e aposentadoria;

IV - criação e extinção de Secretarias e órgãos da administração pública. (Redação dada pela Emenda à Lei Orgânica nº 2/2017)

Destarte, apesar de ser honrosa sob o ponto de vista material, a proposta não poderia ter sido apresentada por membro do Legislativo, uma vez que não cabe aos Vereadores a iniciativa para regulamentar a prestação do serviço público de transporte coletivo em âmbito municipal.

A propósito, destaca-se a jurisprudência:

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEI MUNICIPAL QUE REGULA O TRANSPORTE ESCOLAR NO MUNICÍPIO. MATÉRIA PRIVATIVA DO CHEFE DO PODER EXECUTIVO. VÍCIO DE INICIATIVA. É inconstitucional lei municipal, de iniciativa do Poder Legislativo, que regula o serviço público de transporte escolar, definindo o tipo de serviço, os usuários, os veículos utilizados e a modalidade do Alvará e a licença pelo Poder Público. Vício formal. Iniciativa privativa do Chefe do Poder Executivo. Ofensa aos artigos 60, II, letra ‘d’, e art. 82, II e VII, da Constituição do Estado do Rio Grande do Sul. AÇÃO JULGADA PROCEDENTE. UNÂNIME. (TJ-RS - ADI: 70044000081 RS, Relator: Marco Aurélio Heinz, Data de Julgamento: 06/08/2012, Tribunal Pleno, Data de Publicação: Diário da Justiça do dia 13/08/2012)

Conclusão:

Diante do exposto, a Procuradoria orienta pela possibilidade de o Presidente, por meio de despacho fundamentado, devolver ao autor a proposição em epígrafe, em razão de vício de iniciativa caracterizado com base no artigo 61, § 1º, da CF/88, no artigo 60, II, alínea “d”, da CE/RS e no artigo 119, II, da Lei Orgânica Municipal.

Guaíba, 19 de março de 2018.

GUSTAVO DOBLER

Procurador

OAB/RS nº 110.114B



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