Câmara de Vereadores de Guaíba

PARECER JURÍDICO

PROCESSO : Projeto de Lei do Legislativo n.º 038/2018
PROPONENTE : Ver. Juliano Ferreira
     
PARECER : Nº 079/2018
REQUERENTE : #REQUERENTE#

"Cria no Município de Guaíba o Banco Municipal de Materiais de Construção"

1. Relatório:

O Projeto de Lei nº 038/2018, de autoria do Vereador Juliano Ferreira, que “Cria no Município de Guaíba o Banco Municipal de Materiais de Construção”, foi encaminhado a esta Procuradoria Jurídica pelo Presidente da Câmara Municipal para análise com fulcro no art. 105 do Regimento Interno, a fim de que seja efetivado o controle quanto à constitucionalidade, à competência da Câmara e ao caráter pessoal das proposições. 

2. Parecer:

De fato, a norma insculpida no art. 105 do Regimento Interno da Câmara Municipal de Guaíba prevê que cabe ao Presidente do Legislativo a prerrogativa de devolver ao autor as proposições manifestadamente inconstitucionais (art. 105, II), alheias à competência da Câmara (art. 105, I) ou ainda aquelas de caráter pessoal (art. 105, III). O mesmo controle já é exercido no âmbito da Câmara dos Deputados, com base em seu Regimento Interno (art. 137, § 1º), e no Regimento Interno do Senado Federal (art. 48, XI), e foi replicado em diversos outros regimentos internos de outros parlamentos brasileiros.

A doutrina trata do sentido da norma jurídica inscrita no art. 105 do Regimento Interno caracterizando-o como um controle de constitucionalidade político ou preventivo, sendo tal controle exercido dentro do Parlamento, através de exame superficial pela Presidência da Mesa Diretora, com natureza preventiva e interna, antes que a proposição possa percorrer o trâmite legislativo. Via de regra, a devolução se perfaz por despacho fundamentado da Presidência, indicando o artigo constitucional violado, podendo o autor recorrer da decisão ao Plenário (art. 105, parágrafo único).

Depreende-se, a partir da leitura da proposição, que seu objetivo consiste em estabelecer uma política pública voltada para a área da habitação, criando um sistema de arrecadação e distribuição de materiais de construção a pessoas carentes.

Quanto à competência, não há qualquer óbice à proposta. Conforme dispõe o artigo 30, I, da Constituição Federal de 1988, “Compete aos Municípios legislar sobre assuntos de interesse local.” No mesmo sentido, o artigo 6º, I, da Lei Orgânica do Município de Guaíba refere que “Ao Município compete prover a tudo quanto diga respeito ao seu peculiar interesse e ao bem estar de sua população, cabendo-lhe privativamente dentre outras, as seguintes atribuições: legislar sobre assunto de interesse local.”

Por outro lado, a proposição esbarra no disposto no art. 61, § 1º, da Constituição Federal, que estabelece a iniciativa privativa para a deflagração do processo legislativo, fixando as disciplinas próprias do Presidente da República, aplicáveis por simetria aos Estados e Municípios:

Art. 61 (...)

§ 1º São de iniciativa privativa do Presidente da República as leis que:

I - fixem ou modifiquem os efetivos das Forças Armadas;

II - disponham sobre:

a) criação de cargos, funções ou empregos públicos na administração direta e autárquica ou aumento de sua remuneração;

b) organização administrativa e judiciária, matéria tributária e orçamentária, serviços públicos e pessoal da administração dos Territórios;

c) servidores públicos da União e Territórios, seu regime jurídico, provimento de cargos, estabilidade e aposentadoria; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 18, de 1998)

(...)

O conteúdo normativo do Projeto de Lei nº 038/2018, do Poder Legislativo, invade a iniciativa privativa do Chefe do Poder Executivo Municipal, prevista no aludido art. 61, § 1º, da Constituição da República Federativa do Brasil, ao impor obrigações à esfera da administração pública municipal. Incide, dessa forma, em desobediência às normas constitucionais do processo legislativo, por pretender impor aos órgãos da Administração Pública atribuições não previstas para as pastas, como fica claro pela leitura de seu art. 3º, o qual atribui ao Executivo a definição dos quesitos para que os interessados demonstrem sua condição de vulnerabilidade social e, a partir disso, tenham direito a receber as doações, além de impor-lhe todo o gerenciamento da política pública, incluindo a arrecadação, o armazenamento e a distribuição dos materiais de construção.

O Projeto de Lei nº 038/2018 também vai de encontro ao princípio constitucional da separação dos poderes, disposto no art. 2º da Constituição Federal. A matéria ofende a chamada reserva de administração, insculpida no artigo 61, § 1º, da Constituição Federal e decorrência do conteúdo nuclear do princípio da separação de poderes, ao dispor a respeito da organização de programas públicos municipais, sobre os quais cabe ao Poder Executivo iniciar o processo legislativo.

Resta configurado, ainda, o vício de iniciativa na deflagração do processo legislativo frente ao que dispõe a Constituição do Estado do Rio Grande do Sul, no art. 60, II, “d”, e no art. 82, VII, in verbis:

Art. 60. São de iniciativa privativa do Governador do Estado as leis que:

(...)

II – disponham sobre: (...)

d) criação, estruturação e atribuições das Secretarias e órgãos da administração pública.

Art. 82. Compete ao Governador, privativamente:

(...)

VII – dispor sobre a organização e o funcionamento da administração estadual.

Já a Lei Orgânica Municipal reserva a iniciativa da matéria ao Prefeito em seu artigo 119, II, configurando-se caso de invasão de competência no curso do processo legislativo a matéria que pretenda interferir na organização dos órgãos públicos municipais:

Art. 119 É competência exclusiva do Prefeito a iniciativa dos projetos de lei que disponham sobre:

I - criação de cargos, funções ou empregos públicos na administração direta e autárquica ou aumento de sua remuneração;

II - organização administrativa, matéria orçamentária e serviços públicos;

III - servidores públicos, seu regime jurídico, provimento de cargos, estabilidade e aposentadoria;

IV - criação e extinção de Secretarias e órgãos da administração pública.

Nesse sentido, ensina Hely Lopes Meirelles[1]:

A atribuição típica e predominante da Câmara é a 'normativa', isto é, a de regular a administração do Município e a conduta dos munícipes, no que afeta aos interesses locais. A Câmara não administra o Município; estabelece, apenas, normas de administração. Não executa obras e serviços públicos; dispõe, unicamente, sobre a sua execução. Não compõe nem dirige o funcionalismo da Prefeitura; edita, tão-somente, preceitos para sua organização e direção. Não arrecada nem aplica as rendas locais; apenas institui ou altera tributos e autoriza sua arrecadação e aplicação. Não governa o Município; mas regula e controla a atuação governamental do Executivo, personalizado no Prefeito.

Na mesma linha, veja-se a jurisprudência sobre casos semelhantes:

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. DIREITO PÚBLICO NÃO ESPECIFICADO. MUNICÍPIO DE PELOTAS. LEI MUNICIPAL DETERMINANDO A OBRIGAÇÃO A CRIAÇÃO DE SERVIÇO DE RECOLHIMENTO GRATUITO DE MATERIAIS EM DESUSO. VÍCIO DE INICIATIVA. INTERFERÊNCIA NA ORGANIZAÇÃO DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. ARTIGOS 8º, 60, II, D, 82, III E VII, E 154, I E II, DA CONSTITUIÇÃO ESTADUAL. CRIAÇÃO DE DESPESAS SEM PREVISÃO DE DOTAÇÃO ORÇAMENTÁRIA SUFICIENTE. INCONSTITUCIONALIDADE CARACTERIZADA. Reconhecida a inconstitucionalidade de Lei Municipal originada da Câmara Municipal de Vereadores determinando a criação de serviço de recolhimento gratuito de materiais em desuso (móveis, eletrodomésticos, etc.), uma vez que é de competência privativa do Prefeito Municipal a criação de leis que disponham sobre a estruturação da Administração Pública e as atribuições de seus órgãos, nos termos dos artigos 60, II, d e 82, III e VII, da Constituição Estadual, os quais reproduzem normas contidas da Constituição Federal. Ofensa também caracterizada em relação ao artigo 154, I e II, da Constituição Estadual, porquanto a implementação do disposto na norma impugnada implica em evidente aumento de gasto por parte da Administração sem que, contudo, haja a respectiva previsão orçamentária. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE JULGADA PROCEDENTE. UNÂNIME. (TJ-RS - ADI: 70062437777 RS, Relator: Iris Helena Medeiros Nogueira, Data de Julgamento: 06/04/2015, Tribunal Pleno, Data de Publicação: Diário da Justiça do dia 20/04/2015)

Ação Direta de Inconstitucionalidade. Lei Municipal n.º 5.021/10, de Mogi Mirim, de iniciativa legislativa, que instituiu o banco de remédio, com o objetivo de formar estoque oriundo de doações de pessoas físicas e jurídicas, devendo funcionar em local próprio a ser designado pelo Poder Executivo. Criação de obrigações para a Administração Municipal. Ingerência indevida. Proposta que deveria partir do Executivo local. Vício de iniciativa configurado. Ofensa direta ao princípio da Separação dos Poderes, bem como aos artigos 5o e 47, II e XIV, ambos da Constituição Estadual. Inconstitucionalidade formal reconhecida. Norma, ademais, que não indica a fonte de recursos (TJ-SP - ADI: 02422262220128260000 SP 0242226-22.2012.8.26.0000, Relator: Luis Soares de Mello, Data de Julgamento: 10/04/2013, Órgão Especial, Data de Publicação: 18/04/2013).

Igualmente, o parecer do MPSP em ação direta de inconstitucionalidade:

Ação direta de inconstitucionalidade, ajuizada por Prefeito, da Lei nº 4.412, de 11 setembro de 2010, do Município de Suzano que “disciplina o descarte pela população e o recolhimento e destinação de medicamentos vencidos e a vencer no Município de Suzano, proteção do meio ambiente e a saúde pública”. Projeto de Vereador. Matéria reservada ao Chefe do Poder Executivo, eis que institui serviço e gera ônus à Administração. Violação do princípio da separação dos poderes. Criação de despesa, sem indicação da receita. Parecer pela procedência da ação direta de inconstitucionalidade, por violação aos artigos 5º; 25; 47, II; e 144 da Constituição do Estado. (Autos nº 0057182-61.2011.8.26.0000, Requerente: Prefeito Municipal de Suzano, Objeto: Lei nº 4.412, de 11 de setembro de 2010, do Município de Suzano).

[1] In Direito Municipal Brasileiro, Malheiros, 1993, págs. 438/439.

Conclusão:

Diante do exposto, a Procuradoria orienta pela possibilidade de o Presidente, por meio de despacho fundamentado, devolver ao autor a proposição em epígrafe, em razão de vício de iniciativa caracterizado com base no artigo 61, § 1º, da CF/88, nos artigos 60, II, alínea “d”, e 82, VII, da CE/RS e no artigo 119, II, da Lei Orgânica Municipal.

Sugere-se ao autor, por outro lado, que a matéria seja proposta por meio de indicação ao Poder Executivo, nos termos do artigo 114 do Regimento Interno.

Guaíba, 16 de março de 2018.

GUSTAVO DOBLER

Procurador

OAB/RS nº 110.114B



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