PARECER JURÍDICO |
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"Dispõe sobre reserva de no mínimo 10% (dez por cento) das vagas destinadas para estagiários com deficiência nos órgãos da administração pública direta e indireta e empresas privadas do município de Guaíba e dá outras providências" 1. Relatório:A Vereadora Fernanda Garcia apresentou o Projeto de Lei nº 035/2018 à Câmara Municipal, objetivando dispor sobre a reserva de, no mínimo, 10% (dez por cento) das vagas destinadas para estagiários com deficiência nos órgãos da Administração Pública direta e indireta e empresas privadas do Município de Guaíba. A proposta foi encaminhada à Procuradoria pela Presidência para análise nos termos do artigo 105 do Regimento Interno. 2. Parecer:De fato, a norma insculpida no art. 105 do Regimento Interno da Câmara Municipal de Guaíba prevê que cabe ao Presidente do Legislativo a prerrogativa de devolver ao autor as proposições manifestadamente inconstitucionais (art. 105, II), alheias à competência da Câmara (art. 105, I) ou ainda aquelas de caráter pessoal (art. 105, III). O mesmo controle já é exercido no âmbito da Câmara dos Deputados, com base em seu Regimento Interno (art. 137, § 1º), e no Regimento Interno do Senado Federal (art. 48, XI), e foi replicado em diversos outros regimentos internos de outros parlamentos brasileiros. A doutrina trata do sentido da norma jurídica inscrita no art. 105 do Regimento Interno caracterizando-o como um controle de constitucionalidade político ou preventivo, sendo tal controle exercido dentro do Parlamento, através de exame superficial pela Presidência da Mesa Diretora, com natureza preventiva e interna, antes que a proposição possa percorrer o trâmite legislativo. Via de regra, a devolução se perfaz por despacho fundamentado da Presidência, indicando o artigo constitucional violado, podendo o autor recorrer da decisão ao Plenário (art. 105, parágrafo único). A forma federativa de Estado adotada pelo Brasil na CF/88 implica, entre outras consequências, a distribuição de competências materiais e legislativas a todos os entes que a compõem, de acordo com o critério da predominância do interesse: as matérias de interesse geral devem ser atribuídas à União; as de interesse regional devem ser entregues aos Estados e ao DF; as de interesse local, por fim, aos Municípios. No que concerne às competências legislativas, a CF/88 as divide em: a) privativa (artigo 22): atende ao interesse nacional, atribuída apenas à União, com possibilidade de outorga aos Estados para legislar sobre pontos específicos, desde que por lei complementar; b) concorrente (artigo 24, caput): atende ao interesse regional, atribuída à União, para legislar sobre normas gerais, e aos Estados e ao DF, para legislar sobre normas específicas; c) exclusiva (artigo 30, I): atende ao interesse local, atribuída aos Municípios; d) suplementar (artigo 24, § 2º, e artigo 30, II): garante aos Estados suplementar a legislação federal, no que couber, bem como aos Municípios fazer o mesmo em relação às leis federais e estaduais; e) remanescente estadual (artigo 25, § 1º): aos Estados são atribuídas as competências que não sejam vedadas pela Constituição; f) remanescente distrital (artigo 32, § 1º): ao DF são atribuídas as competências legislativas reservadas aos Estados e aos Municípios. A respeito da competência aplicável ao caso, tem-se que ela é de natureza suplementar (art. 30, II, CF/88), na medida em que pormenoriza o regramento geral já existente em âmbito federal em relação à reserva de vagas de estágio às pessoas com deficiência. Com isso, é preciso esclarecer que o projeto não institui a reserva de vagas de estágio, eis que tal obrigação já existe por força do art. 17, § 5º, da Lei Federal nº 11.788/08. O objetivo da proposta é o de, sobretudo, detalhar o alcance e a aplicação da referida norma nos limites do Município de Guaíba, o que não encontra qualquer resistência frente à CF/88. A Constituição Federal, em matéria de proteção e integração social das pessoas portadoras de deficiência (artigo 24, XIV), estabelece a competência concorrente para a União legislar sobre normas gerais (artigo 24, § 1º) e para os Estados e o Distrito Federal suplementá-las (artigo 24, § 2º). Ocorre que o artigo 30, inciso II, da CF/88 é claro ao garantir aos Municípios a competência para suplementar as normas federais e estaduais, no que couber. A interpretação adequada das regras constitucionais de distribuição de competências legislativas é a que garante ampla outorga de poderes aos Municípios, que só não podem criar normas que esbarrem na competência privativa do artigo 22 da CF, atribuída rigorosamente à União, nada impedindo, por outro lado, que legislem com base na competência suplementar para atender ao seu interesse local. Tanto é que, caso não se admitisse aos Municípios a competência para legislar sobre matérias versadas no artigo 24 da CF/88, não seria possível a formação dos típicos códigos sanitários (“proteção e defesa da saúde – artigo 24, XII), códigos ambientais (“proteção do meio ambiente” – artigo 24, VI), códigos tributários e leis de ordenamento territorial (“direito tributário” e “direito urbanístico” – artigo 24, I). A propósito, veja-se a lição da jurisprudência:
Portanto, não se vê impedimento constitucional para que o Município possa editar normas de proteção e inclusão da pessoa com deficiência no exercício da competência suplementar, desde que respeite os limites e os parâmetros da norma de inspiração. A suplementação em âmbito local, no caso, é da regra estabelecida no art. 17, § 5º, da Lei Federal nº 11.788/08, essa sim criadora da reserva de vagas de estágio. Quanto à iniciativa, para os fins do direito municipal, importa a observância das normas previstas na Constituição Estadual, uma vez que, em caso de eventual controle de constitucionalidade, o parâmetro para a análise da conformidade vertical se dá em relação ao disposto na Constituição Gaúcha, conforme preveem o artigo 125, § 2º, da CF/88 e o artigo 95, XII, alínea “d”, da CE/RS. Nesse caso, refere o artigo 60 da Constituição Estadual:
Como já restou esclarecido em outros pareceres desta Procuradoria, a interpretação do rol de iniciativas privativas do Chefe do Executivo expostas no artigo 60 da CE/RS é estrita, não admitindo interpretação ampliativa, uma vez que, do contrário, ocorreria subversão do esquema de organização funcional da Constituição, o qual garante a iniciativa concorrente como regra geral, só estabelecendo a iniciativa privativa nos casos expressos. À luz de tal orientação, a análise dos termos do Projeto de Lei nº 035/2018 não permite concluir que haja iniciativa privativa do Chefe do Executivo para a matéria. Inicialmente, a proposição não está a tratar de servidores públicos em espécie, mas de estagiários, que são equiparados a funcionários públicos apenas para fins penais, conforme determina o art. 327 do Código Penal. Como também foi dito, a criação da reserva de 10% das vagas de estágio às pessoas com deficiência adveio da Lei Federal nº 11.788/08, de iniciativa parlamentar e aplicável em todo o território nacional, sendo a obrigação imposta à “parte concedente” (ente público ou privado que faça a contratação do estagiário), sem que se reconheça qualquer vício de iniciativa do processo legislativo. Ademais, no Município de São Leopoldo também já foi editada a Lei Municipal nº 8.746, de 12 de janeiro de 2018, com semelhante teor, visando estabelecer a reserva de, no mínimo, 10% das vagas destinadas para estagiários nos órgãos da administração pública direta e indireta municipal, sendo o parecer jurídico em sentido favorável, o que demonstra, mais uma vez, a ausência de vício subjetivo no procedimento. Por fim, vale destacar que, mesmo não sendo aprovada ou sendo vetado o projeto de lei, a obrigação de reservar 10% das vagas de estágio às pessoas com deficiência ainda existirá e poderá ser cobrada pelos membros do Legislativo, considerando a previsão expressa do art. 17, § 5º, da Lei Federal nº 11.788/08: “Fica assegurado às pessoas portadoras de deficiência o percentual de 10% (dez por cento) das vagas oferecidas pela parte concedente do estágio.” Quanto ao conteúdo do projeto, é preciso apenas fazer ajuste na redação do art. 4º. Como não é possível ao próprio Executivo aplicar multas decorrentes do poder de polícia por suas próprias infrações, o texto do referido dispositivo pode ser emendado para se tornar mais adequado: “Art. 4º O não cumprimento do disposto nesta Lei pelas empresas privadas acarretará a imposição das seguintes penalidades:” Conclusão:Diante do exposto, a Procuradoria opina pela constitucionalidade, legalidade e pela regular tramitação do Projeto de Lei nº 035/2018, por inexistirem óbices de natureza material ou formal que impeçam a sua deliberação em Plenário, sugerindo-se emenda ao art. 4º, conforme orientado acima. Guaíba, 16 de março de 2018. GUSTAVO DOBLER Procurador OAB/RS nº 110.114B O Documento ainda não recebeu assinaturas digitais no padrão ICP-Brasil. |
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