Câmara de Vereadores de Guaíba

PARECER JURÍDICO

PROCESSO : Projeto de Lei do Legislativo n.º 034/2018
PROPONENTE : Ver. Manoel Eletricista
     
PARECER : Nº 073/2018
REQUERENTE : #REQUERENTE#

"Dispõe sobre o uso obrigatório de detectores de metais nos estabelecimentos do Município de Guaíba RS"

1. Relatório:

O Projeto de Lei nº 034/2018, de autoria do Vereador Manoel Eletricista, que dispõe sobre o uso obrigatório de detectores de metais nos estabelecimentos do Município de Guaíba, foi encaminhado a esta Procuradoria Jurídica pelo Presidente da Câmara Municipal para análise com fulcro no art. 105 do Regimento Interno, a fim de que seja efetivado o exercício de controle quanto à constitucionalidade, à competência da Câmara e ao caráter pessoal das proposições. 

2. Parecer:

De fato, a norma insculpida no art. 105 do Regimento Interno da Câmara Municipal de Guaíba prevê que cabe ao Presidente do Legislativo a prerrogativa de devolver ao autor as proposições manifestadamente inconstitucionais (art. 105, II), alheias à competência da Câmara (art. 105, I) ou ainda aquelas de caráter pessoal (art. 105, III). O mesmo controle já é exercido no âmbito da Câmara dos Deputados, com base em seu Regimento Interno (art. 137, § 1º), e no Regimento Interno do Senado Federal (art. 48, XI), e foi replicado em diversos outros regimentos internos de outros parlamentos brasileiros.

A doutrina trata do sentido da norma jurídica inscrita no art. 105 do Regimento Interno caracterizando-o como um controle de constitucionalidade político ou preventivo, sendo tal controle exercido dentro do Parlamento, através de exame superficial pela Presidência da Mesa Diretora, com natureza preventiva e interna, antes que a proposição possa percorrer o trâmite legislativo. Via de regra, a devolução se perfaz por despacho fundamentado da Presidência, indicando o artigo constitucional violado, podendo o autor recorrer da decisão ao Plenário (art. 105, parágrafo único).

O art. 144 da CF/88 prevê que cabe ao Estado assegurar a segurança pública como um de seus deveres primordiais, consistindo em garantia constitucional indisponível:

Art. 144. A segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, é exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, através dos seguintes órgãos...

Cabe fundamentalmente à União e aos Estados o dever de organização e legislação acerca da segurança pública. Esse é o ensinamento de José Afonso da Silva em suas lições de direito constitucional (Curso..., 20ª ed., págs. 757-758), segundo o qual é de responsabilidade primária dos Estados o exercício da atividade de segurança pública, cabendo inclusive intervenção federal em casos de incumprimento (art. 34, III, CF/88). Também é o entendimento do STF:

O Pleno desta Corte pacificou jurisprudência no sentido de que os Estados-membros devem obediência às regras de iniciativa legislativa reservada, fixadas constitucionalmente. A gestão da segurança pública, como parte integrante da administração pública, é atribuição privativa do governador de Estado (ADI 2.819, Rel. Min. Eros Grau, julgado em 6-4-2005, Plenário, DJ de 2-12-2005).

Já se posicionou o TJ-RJ, em caso que se amolda à proposição apresentada, de que a matéria ora proposta não se insere no disposto do art. 30, inciso II, da Constituição Federal, visto que não diz respeito à suplementação da legislação federal e estadual (Representação por Inconstitucionalidade 89/2004, Órgão Especial, TJ-RJ):

Representação por Inconstitucionalidade. Lei Estadual n.º 3011, de 23 de março de 2000, do Município do Rio de Janeiro. Disposição tornando obrigatória a utilização de detectores de metais nas portas de acesso das casas de diversões. Matéria típica de segurança pública ou atividade de polícia ostensiva. Ainda que se possa louvar os propósitos da iniciativa, ela transborda da competência legislativa municipal. Atribuição reservada ao legislador estadual pelos arts. 183 a 191 da Constituição Estadual. Procedência da Representação. TJ-RJ REPRESENTAÇÃO POR INCONSTITUCIONALIDADE N.º 89/04, ÓRGÃO ESPECIAL. DECISÃO 09/01/2005.

Por outro lado, o Tribunal de Justiça de São Paulo possui posicionamento diverso, também em sede de controle de constitucionalidade, tendo a lei em análise – Lei Municipal nº 4.090, de 16 de outubro de 2006, de Mauá –, porém, disposto a respeito da obrigação de instalação de detectores de metais apenas nas instituições bancárias, possuindo maior razoabilidade. Discorreu o TJ-SP no sentido de que não se trata de matéria reservada ao Chefe do Poder Executivo por não ser matéria contida no rol do art. 61, § 1º, da CF/88, nem mesmo ofende a regra de separação de poderes insculpida no art. 2º da CF/88.

Ainda que o STF possua jurisprudência declarando constitucional a norma local que imprime a obrigatoriedade de detectores de metais em agências bancárias, consoante se pode observar nas decisões abaixo transcritas, o projeto de lei em epígrafe de certa forma acaba por transbordar os casos analisados pelo Supremo Tribunal Federal infracitados:

AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO. AGÊNCIAS BANCÁRIAS. TEMPO DE ATENDIMENTO AO PÚBLICO. COMPETÊNCIA. MUNICÍPIO. ART. 30, I, CB/88. FUNCIONAMENTO DO SISTEMA FINANCEIRO NACIONAL. ARTS. 192 E 48, XIII, DA CB/88. 1. O Município, ao legislar sobre o tempo de atendimento ao público nas agências bancárias estabelecidas em seu território, exerce competência a ele atribuída pelo artigo 30, I, da CB/88. 2. A matéria não diz respeito ao funcionamento do Sistema Financeiro Nacional [arts. 192 e 48, XIII, da CB/88]. 3. Matéria de interesse local. Agravo regimental improvido (STF, RE-AgR 427463/RO, 1ª T., rel. Min. Eros Grau, j. 14/03/2006, DJ 19-05-2006, PP-00015).

AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE PERANTE O TRIBUNAL DE JUSTIÇA LOCAL. LEI MUNICIPAL. ESTABELECIMENTOS PORTADORES DE SERVIÇOS BANCÁRIOS. INSTALAÇÃO DE PAINEL OPACO ENTRE OS CAIXAS E OS CLIENTES EM ESPERA. PREQUESTIONAMENTO. INEXISTÊNCIA. COMPETÊNCIA DO MUNICÍPIO PARA LEGISLAR SOBRE ATIVIDADE BANCÁRIA. INTERESSE LOCAL. POSSIBILIDADE. INOCORRÊNCIA DE USURPAÇÃO DA COMPETÊNCIA LEGISLATIVA FEDERAL. VÍCIO DE INICIATIVA. REEXAME DA LEGISLAÇÃO LOCAL. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA N. 280 DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. INVIABILIDADE DO RECURSO EXTRAORDINÁRIO (RE 694.298-AgR, Relator o Ministro Luiz Fux, Primeira Turma, DJe 21.9.2012).

Destarte, a nosso ver, o alargamento para o âmbito de todos os estabelecimentos do Município de Guaíba feriria o princípio da razoabilidade das leis, com base na jurisprudência acima referida do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro e mesmo na jurisprudência do STJ (REsp 189.254/RS):

A meu sentir, a exigência legal de instalação de porta eletrônica de segurança, com detector de metais, deve restringir-se às agências e postos de serviços - assim entendidos os postos que realizam as mesmas atividades das agências, com atendimento ao público, mas com menor número de funcionários -, não se estendendo aos meros terminais de autoatendimento, também conhecidos como 'caixa 24 horas'. “A lei deve ser interpretada com bom senso, não podendo conduzir a absurdos e excessos. E, a meu sentir, exigir a instalação de porta eletrônica de segurança com detector de metais e abertura para entrega do metal detectado ao vigilante em meros terminais de autoatendimento, sobretudo em locais como shopping centers, hospitais, prédios de instituições públicas etc. - que, por si, já possuem sistema de segurança próprio -, inviabilizaria a própria agilidade e praticidade ínsitas aos ditos terminais, importando odiosa afronta aos princípios da razoabilidade e proporcionalidade. É de ser cancelada, portanto, por irrazoável e desproporcional, a multa aplicada.” Ante o exposto, voto por negar provimento à apelação do Município de Porto Alegre (grifos nossos) (RESP 189254 - Processo nº 199800699899 - 2ª T do STJ - Rel. Eliana Calmon – DJ 09/06/2003, p. 204).

Especificamente quanto ao art. 3º, em seu parágrafo único, a proposição invade a chamada reserva da administração, em afronta aos arts. 2º e 61, § 1º, da CF/88, já que pretende normatizar a liberação de alvarás de funcionamento. Também padece de inconstitucionalidade formal o disposto no art. 4º, inciso III, porque diz não é possível à iniciativa parlamentar prever normas sobre organização administrativa municipal e de atribuições de secretarias, notadamente na previsão de suspensão temporária da atividade da empresa no caso de reincidências (art. 60, II, “d”, CE/RS). Já a previsão do art. 6º dificultaria a aplicação da norma em razão do tratamento não isonômico, visto que muitas das casas noturnas têm por praxe a lista de convidados, inclusive via redes sociais.

Apesar de não haver inconstitucionalidade manifesta, não há total segurança jurídica sobre a constitucionalidade da matéria, tendo em vista a divergência de entendimentos nos tribunais de justiça e a falta de jurisprudência consolidada nos tribunais superiores.

Sugere-se, de outra forma, no que se refere à normatização do funcionamento de locais de divertimentos públicos e de casas e locais de espetáculos, a possibilidade de o proponente retirar a proposta e reapresentá-la na forma de projeto de lei complementar, incluindo, no Título III, Capítulo I, do Código de Posturas Municipal (Lei nº 1.027/90), regulamentação criando a obrigação de uso de detectores de metais nas boates, casas noturnas e bares, valendo-se apenas dos arts. 1º, 2º, 3º, caput, 4º, caput e incisos I e II, 5º e 7º, adequados e juridicamente viáveis. A inclusão das regras no Código de Posturas reforçaria o argumento de que, no âmbito das posturas, o Município é competente para positivar normas de conduta visando ao bem-estar e à segurança da população, por ser matéria de interesse local, tipicamente relacionada ao poder de polícia administrativa, conforme já sedimentou a jurisprudência[1].

[1] Vide: STF - AG. REG. NO AGRAVO DE INSTRUMENTO: AI-AgR 506487 PR; Apelação Cível Nº 70056544000, Décima Sétima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Gelson Rolim Stocker, Julgado em 28/08/2014; Apelação Cível Nº 70037414539, Segunda Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Arno Werlang, Julgado em 29/08/2012.

Conclusão:

Diante dos fundamentos expostos, a Procuradoria orienta pela possibilidade de tramitação da matéria, apesar de não haver total segurança jurídica em caso de sua aprovação, diante da jurisprudência divergente. Devem apenas ser retirados o parágrafo único do art. 3º, o inciso III do art. 4º e o art. 6º, pelos fundamentos já expostos.

Não há, a priori, inconstitucionalidade manifesta, cabendo à Comissão de Justiça e Redação emitir parecer acerca da razoabilidade da pretensa norma e às demais Comissões e ao Plenário deliberarem acerca do mérito do projeto. Sugere-se, por fim, proposta de projeto de lei complementar alterando o Código de Posturas para incluir as normas juridicamente viáveis, considerando ser mais pertinente estar a matéria prevista em tal codificação.

Guaíba, 14 de março de 2018.

GUSTAVO DOBLER

Procurador

OAB/RS nº 110.114B

PROJETO DE LEI COMPLEMENTAR Nº ___/2018

Acrescenta os artigos 33-A, 33-B e 33-C ao Capítulo I do Título III da Lei Municipal nº 1.027, de 26 de dezembro de 1990 – Código Municipal de Posturas.

Art. 1º Ficam acrescidos os arts. 33-A, 33-B e 33-C ao Capítulo I do Título III da Lei Municipal nº 1.027, de 26 de dezembro de 1990, com a seguinte redação:

Art. 33-A. Os proprietários de boates, casas noturnas, bares e congêneres deverão possuir um equipamento detector de metais funcionando perfeitamente na entrada dos estabelecimentos, sendo obrigatório o seu uso em dias de funcionamento.

Parágrafo único. Os estabelecimentos relacionados terão o prazo de noventa dias, contados da promulgação da presente Lei, para se adequarem à regra.

Art. 33-B. O não cumprimento das disposições do art. 33-A ocasionará a aplicação das seguintes penalidades:

I – advertência;

II – multa de dois salários mínimos, em caso de reincidência.

Art. 33-C. Mesmo aquele que tenha porte de arma terá que deixar o objeto no carro ou em local seguro dentro do estabelecimento, para que seja devolvido apenas na saída, exceto em se tratando de militares e agentes de polícia.

Art. 2º Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.



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