Câmara de Vereadores de Guaíba

PARECER JURÍDICO

PROCESSO : Projeto de Lei do Legislativo n.º 030/2018
PROPONENTE : Ver. Dr. João Collares
     
PARECER : Nº 071/2018
REQUERENTE : #REQUERENTE#

"Dispõe sobre a proibição de incentivos fiscais a empresas que tenham envolvimento em corrupção de qualquer espécie ou ato de improbidade administrativa por agente público no município de Guaíba"

1. Relatório:

O Vereador Dr. João Collares apresentou o Projeto de Lei nº 030/2018 à Câmara Municipal, objetivando dispor sobre a proibição de incentivos fiscais a empresas que tenham envolvimento em corrupção de qualquer espécie ou ato de improbidade administrativa por agente público no Município de Guaíba. A proposta foi encaminhada à Procuradoria Jurídica pelo Presidente da Câmara Municipal para análise com fulcro no art. 105 do Regimento Interno, a fim de que seja efetivado o controle quanto à constitucionalidade, à competência da Câmara e ao caráter pessoal das proposições. 

2. Parecer:

De fato, a norma insculpida no art. 105 do Regimento Interno da Câmara Municipal de Guaíba prevê que cabe ao Presidente do Legislativo a prerrogativa de devolver ao autor as proposições manifestadamente inconstitucionais (art. 105, II), alheias à competência da Câmara (art. 105, I) ou ainda aquelas de caráter pessoal (art. 105, III). O mesmo controle já é exercido no âmbito da Câmara dos Deputados, com base em seu Regimento Interno (art. 137, § 1º), e no Regimento Interno do Senado Federal (art. 48, XI), e foi replicado em diversos outros regimentos internos de outros parlamentos brasileiros.

A doutrina trata do sentido da norma jurídica inscrita no art. 105 do Regimento Interno caracterizando-o como um controle de constitucionalidade político ou preventivo, sendo tal controle exercido dentro do Parlamento, através de exame superficial pela Presidência da Mesa Diretora, com natureza preventiva e interna, antes que a proposição possa percorrer o trâmite legislativo. Via de regra, a devolução se perfaz por despacho fundamentado da Presidência, indicando o artigo constitucional violado, podendo o autor recorrer da decisão ao Plenário (art. 105, parágrafo único).

O artigo 18 da Constituição Federal de 1988, inaugurando o tema da organização do Estado, prevê que “A organização político-administrativa da República Federativa do Brasil compreende a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, todos autônomos, nos termos desta Constituição.” O termo “autonomia política”, sob o ponto de vista jurídico, congrega um conjunto de capacidades conferidas aos entes federados para instituir a sua organização, legislação, a administração e o governo próprios.

A autoadministração e a autolegislação, contemplando o conjunto de competências materiais e legislativas previstas na Constituição Federal para os Municípios, é tratada no artigo 30 da Lei Maior, nos seguintes termos:

Art. 30. Compete aos Municípios:

I - legislar sobre assuntos de interesse local;

II - suplementar a legislação federal e a estadual no que couber;

III - instituir e arrecadar os tributos de sua competência, bem como aplicar suas rendas, sem prejuízo da obrigatoriedade de prestar contas e publicar balancetes nos prazos fixados em lei;

(...)

A medida que se pretende instituir se insere, efetivamente, na definição de interesse local, uma vez que diz respeito às limitações para a concessão de incentivos fiscais no estrito âmbito do Município de Guaíba, além de referir-se à competência constitucional de administrar a aplicação das rendas municipais (artigo 30, III, CF/88), o que envolve a definição dos critérios para a concessão dos incentivos fiscais e das respectivas renúncias.

A iniciativa para o processo legislativo, por sua vez, também está adequada, visto que o Projeto de Lei nº 030/18 dispõe sobre incentivos e benefícios fiscais, matéria para a qual a iniciativa é concorrente, conforme reconhecem os artigos 61 da CF/88, 59 da CE/RS e 38 da Lei Orgânica Municipal. A respeito, cumpre salientar que, segundo o entendimento jurisprudencial dominante, cabe ao Município a responsabilidade pela consecução de sua legislação tributária, pertencendo ao Executivo, ao Legislativo e, ainda, à população, através de iniciativa popular, a iniciativa dos referidos projetos de lei, por não haver qualquer restrição expressa à iniciativa para matéria tributária:

EMBARGOS DE DECLARAÇÃO OPOSTOS DE DECISÃO MONOCRÁTICA. CONVERSÃO EM AGRAVO REGIMENTAL. PROCESSO LEGISLATIVO. NORMAS SOBRE DIREITO TRIBUTÁRIO. INICIATIVA CONCORRENTE ENTRE O CHEFE DO PODER EXECUTIVO E OS MEMBROS DO LEGISLATIVO. POSSIBILIDADE DE LEI QUE VERSE SOBRE O TEMA PERCUTIR NO ORÇAMENTO DO ENTE FEDERADO. IRRELEVÂNCIA PARA FINS DE DEFINIÇÃO DOS LEGITIMADOS PARA A INSTAURAÇÃO DO PROCESSO LEGISLATIVO. AGRAVO IMPROVIDO. I. A iniciativa de leis que versem sobre matéria tributária é concorrente entre o chefe do poder executivo e os membros do legislativo. II. A circunstância de as leis que versem sobre matéria tributária poderem repercutir no orçamento do ente federado não conduz à conclusão de que sua iniciativa é privativa do chefe do executivo. III. Agravo Regimental improvido. (STF - RE: 590697 MG, Relator: Min. RICARDO LEWANDOWSKI, Data de Julgamento: 23/08/2011, Segunda Turma, Data de Publicação: DJe-171 DIVULG 05-09-2011 PUBLIC 06-09-2011 EMENT VOL-02581-01 PP- 00169).

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. MUNICÍPIO DE ANTA GORDA. MATÉRIA TRIBUTÁRIA. LEI MUNICIPAL N.º 2.047/2014 QUE DISPÕE SOBRE A SOBRE A CONCESSÃO DE ISENÇÃO DE IPTU PARA PORTADORES DE ALGUMAS DOENÇAS GRAVES. COMPETÊNCIA COMUM OU CONCORRENTE DOS PODERES EXECUTIVO E LEGISLATIVO MUNICIPAIS. Caso em que é de ser julgada improcedente a ação direta de inconstitucionalidade da Lei n.º 2.047/2014 do Município de Anta Gorda, que dispõe sobre a concessão de isenção de IPTU para portadores de algumas doenças graves. Em se tratando de matéria tributária, a competência para iniciar o processo legislativo é comum ou concorrente dos Poderes Executivo e Legislativo Municipais. Precedentes do Supremo Tribunal Federal. JULGARAM IMPROCEDENTE A AÇÃO. UNÂNIME. (Ação Direta de Inconstitucionalidade Nº 70060245008, Tribunal Pleno, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Rui Portanova, Julgado em 06/10/2014).

No caso, o projeto em questão partiu de membro do Poder Legislativo, que procura instituir, na legislação local, circunstância limitadora da concessão de incentivos fiscais, não havendo, pois, qualquer obstáculo constitucional à iniciativa do processo legislativo.

Quanto à matéria de fundo, também não há qualquer óbice à proposta. Convém lembrar que o objetivo primordial do Projeto de Lei nº 030/2018 é garantir a concretude do princípio da moralidade, previsto no artigo 37, caput, da CF/88. No mesmo sentido encontra-se a previsão do artigo 19 da CE/RS, nos seguintes termos: “A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes do Estado e dos municípios, visando à promoção do bem público e à prestação de serviços à comunidade e aos indivíduos que a compõe, observará os princípios da legalidade, da moralidade, da impessoalidade, da publicidade, da legitimidade, da participação, da razoabilidade, da economicidade, da motivação e o seguinte”.

Os incentivos fiscais diferem dos incentivos econômicos pelo fato de envolverem matéria tributária, tendo por fundamento constitucional o artigo 151, I, da CF/88, que estabelece a possibilidade de concessão de incentivos para reequilibrar o desenvolvimento socioeconômico entre diferentes regiões. São exemplos a redução de alíquotas ou da base de cálculo, a isenção, a anistia, a remissão ou o diferimento tributários.

Segundo também o que prevê o artigo 150, § 6º, da CF/88, “Qualquer subsídio ou isenção, redução da base de cálculo, concessão de crédito presumido, anistia ou remissão, relativos a impostos, taxas ou contribuições, só poderá ser concedido mediante lei específica, federal, estadual ou municipal, que regule exclusivamente as matérias acima enumeradas ou o correspondente tributo ou contribuição, sem prejuízo do disposto no art. 155, § 2º, XII, g.” Veja-se, pois, que o texto constitucional estabeleceu reserva legal para a concessão de incentivos fiscais, dependendo sempre da existência de lei específica sobre a matéria, seja estritamente quanto ao benefício fiscal, seja quanto ao tributo em si.

Na legislação infraconstitucional, a Lei de Responsabilidade Fiscal dispõe, no seu artigo 14, sobre as exigências financeiras para a concessão de benefícios fiscais:

Art. 14. A concessão ou ampliação de incentivo ou benefício de natureza tributária da qual decorra renúncia de receita deverá estar acompanhada de estimativa do impacto orçamentário-financeiro no exercício em que deva iniciar sua vigência e nos dois seguintes, atender ao disposto na lei de diretrizes orçamentárias e a pelo menos uma das seguintes condições:

I - demonstração pelo proponente de que a renúncia foi considerada na estimativa de receita da lei orçamentária, na forma do art. 12, e de que não afetará as metas de resultados fiscais previstas no anexo próprio da lei de diretrizes orçamentárias;

II - estar acompanhada de medidas de compensação, no período mencionado no caput, por meio do aumento de receita, proveniente da elevação de alíquotas, ampliação da base de cálculo, majoração ou criação de tributo ou contribuição.

§ 1º A renúncia compreende anistia, remissão, subsídio, crédito presumido, concessão de isenção em caráter não geral, alteração de alíquota ou modificação de base de cálculo que implique redução discriminada de tributos ou contribuições, e outros benefícios que correspondam a tratamento diferenciado.

§ 2º Se o ato de concessão ou ampliação do incentivo ou benefício de que trata o caput deste artigo decorrer da condição contida no inciso II, o benefício só entrará em vigor quando implementadas as medidas referidas no mencionado inciso.

§ 3º O disposto neste artigo não se aplica:

I - às alterações das alíquotas dos impostos previstos nos incisos I, II, IV e V do art. 153 da Constituição, na forma do seu § 1º;

II - ao cancelamento de débito cujo montante seja inferior ao dos respectivos custos de cobrança.

Como referem expressamente o caput e o § 1º do dispositivo citado, a concessão de incentivos fiscais configura renúncia de receita pelo gestor, só sendo juridicamente viável quando estiver acompanhada de demonstração de que foi devidamente planejada e estimada na lei orçamentária anual, não afetando as metas de resultados fiscais, ou de que haverá compensação mediante aumento de receitas por outras fontes, além da necessária previsão na Lei de Diretrizes Orçamentárias.

Isso tudo é dito para comprovar que, de fato, incentivos fiscais são exceções do ordenamento jurídico, uma vez que, em regra, vigora o princípio da isonomia tributária, não sendo possível instituir tratamento desigual entre contribuintes que se encontrem em situação equivalente (artigo 150, II, CF/88). E é neste ponto específico que se fundamenta o objetivo do proponente, qual seja, o de instituir critério moral para a concessão de incentivo fiscal. Se, de fato, a concessão de privilégios fiscais é exceção do ordenamento, nada mais justo que possibilitá-la apenas a aqueles que tenham qualidade moral para tanto, que não tenham qualquer envolvimento comprovado em atos de corrupção ou de improbidade. Trata-se de máxima aplicação do princípio constitucional da moralidade.

A matéria, inclusive, já é prevista nas Leis Federais nº 12.846/13 e 8.429/92:

Art. 19. Em razão da prática de atos previstos no art. 5º desta Lei, a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, por meio das respectivas Advocacias Públicas ou órgãos de representação judicial, ou equivalentes, e o Ministério Público, poderão ajuizar ação com vistas à aplicação das seguintes sanções às pessoas jurídicas infratoras:

(...)

IV - proibição de receber incentivos, subsídios, subvenções, doações ou empréstimos de órgãos ou entidades públicas e de instituições financeiras públicas ou controladas pelo poder público, pelo prazo mínimo de 1 (um) e máximo de 5 (cinco) anos.

Art. 12. Independentemente das sanções penais, civis e administrativas previstas na legislação específica, está o responsável pelo ato de improbidade sujeito às seguintes cominações, que podem ser aplicadas isolada ou cumulativamente, de acordo com a gravidade do fato:

I - na hipótese do art. 9º, perda dos bens ou valores acrescidos ilicitamente ao patrimônio, ressarcimento integral do dano, quando houver, perda da função pública, suspensão dos direitos políticos de oito a dez anos, pagamento de multa civil de até três vezes o valor do acréscimo patrimonial e proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de dez anos;

II - na hipótese do art. 10, ressarcimento integral do dano, perda dos bens ou valores acrescidos ilicitamente ao patrimônio, se concorrer esta circunstância, perda da função pública, suspensão dos direitos políticos de cinco a oito anos, pagamento de multa civil de até duas vezes o valor do dano e proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de cinco anos;

III - na hipótese do art. 11, ressarcimento integral do dano, se houver, perda da função pública, suspensão dos direitos políticos de três a cinco anos, pagamento de multa civil de até cem vezes o valor da remuneração percebida pelo agente e proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de três anos.

IV - na hipótese prevista no art. 10-A, perda da função pública, suspensão dos direitos políticos de 5 (cinco) a 8 (oito) anos e multa civil de até 3 (três) vezes o valor do benefício financeiro ou tributário concedido. (Incluído pela Lei Complementar nº 157, de 2016)

Parágrafo único. Na fixação das penas previstas nesta lei o juiz levará em conta a extensão do dano causado, assim como o proveito patrimonial obtido pelo agente.

Desse modo, sob uma análise geral, não há qualquer obstáculo legal que impeça a aprovação da proposta. É preciso, todavia, que a norma local não contrarie as federais no que concerne ao período da proibição, que não pode ser infinito, segundo as disposições das leis já citadas. Para tanto, sugere-se a adequação do art. 1º nos seguintes termos:

Art. 1º O Município de Guaíba fica proibido de conceder programas de incentivos fiscais a empresas envolvidas em corrupção de qualquer espécie ou ato de improbidade administrativa por agente público, atendendo aos seguintes critérios:

I – quanto aos atos previstos no art. 5º da Lei Federal nº 12.846, de 1º de agosto de 2013, a proibição vigorará pelo prazo mínimo de um e máximo de cinco anos;

II – quanto aos atos de improbidade administrativa previstos no art. 9º da Lei Federal nº 8.429, de 2 de junho de 1992, a proibição vigorará pelo prazo de dez anos;

III – quanto aos atos de improbidade administrativa previstos no art. 10 da Lei Federal nº 8.429, de 2 de junho de 1992, a proibição vigorará pelo prazo de cinco anos;

IV – quanto aos atos de improbidade administrativa previstos no art. 11 da Lei Federal nº 8.429, de 2 de junho de 1992, a proibição vigorará pelo prazo de três anos.

Quanto à redação do art. 2º, está em perfeita consonância com a Lei Federal nº 12.846/13, uma vez que a celebração do acordo de leniência tem poder para isentar a pessoa jurídica apenas das sanções de “publicação extraordinária da decisão condenatória” e de “proibição de receber incentivos, subsídios, subvenções, doações ou empréstimos de órgãos ou entidades públicas e de instituições financeiras públicas ou controladas pelo poder público”, bem como para reduzir em até 2/3 o valor da multa aplicável (artigo 16, § 2º, Lei Federal nº 12.846/13), subsistindo todas as demais sanções. 

Conclusão:

Diante do exposto, a Procuradoria opina pelo prosseguimento do Projeto de Lei nº 030/2018, por não haver inconstitucionalidade manifesta, mas fica ressalvada, desde já, a necessidade de estabelecer prazos para a vigência da proibição, em respeito às disposições das Leis Federais nº 12.846/13 e 8.429/92, sugerindo-se mudança da redação do art. 1º nos termos orientados anteriormente.

É o parecer.

Guaíba, 14 de março de 2018.

GUSTAVO DOBLER

Procurador

OAB/RS nº 110.114B



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