PARECER JURÍDICO |
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"Dispõe sobre a obrigatoriedade do licenciamento e emplacamento no Município de Guaíba dos veículos automotores utilizados pelas empresas que prestam serviços à administração pública municipal ou locados pelo poder público no âmbito do Município de Guaíba " 1. Relatório:O Projeto de Lei nº 027/2018, de autoria do Vereador Juliano Ferreira, que “Dispõe sobre a obrigatoriedade do licenciamento e emplacamento no Município de Guaíba dos veículos automotores utilizados pelas empresas que prestam serviços à administração pública municipal ou locados pelo poder público no âmbito do Município de Guaíba”, foi encaminhado a esta Procuradoria Jurídica pelo Presidente da Câmara Municipal para análise com fulcro no artigo 105 do Regimento Interno, a fim de que seja efetivado o exercício de controle quanto à constitucionalidade, à competência e ao caráter pessoal das proposições. 2. Parecer:De fato, a norma insculpida no artigo 105 do Regimento Interno da Câmara Municipal de Guaíba prevê que cabe ao Presidente do Legislativo a prerrogativa de devolver ao autor as proposições manifestadamente inconstitucionais (artigo 105, II), alheias à competência da Câmara (artigo 105, I) ou ainda aquelas de caráter pessoal (artigo 105, III). O mesmo controle já é exercido no âmbito da Câmara dos Deputados, com base em seu Regimento Interno (artigo 137, § 1º), e no Regimento Interno do Senado Federal (artigo 48, XI), e foi replicado em diversos outros regimentos internos de outros parlamentos brasileiros. A doutrina trata do sentido da norma jurídica inscrita no art. 105 do Regimento Interno caracterizando-o como um controle de constitucionalidade político ou preventivo, sendo tal controle exercido dentro do Parlamento, através de exame superficial pela Presidência da Mesa Diretora, com natureza preventiva e interna, antes que a proposição possa percorrer o trâmite legislativo. Via de regra, a devolução se perfaz por despacho fundamentado da Presidência, indicando o artigo constitucional violado, podendo o autor recorrer da decisão ao Plenário (artigo 105, parágrafo único). A Constituição da República Federativa do Brasil prevê em seu artigo 30, inc. I, que cabe aos Municípios legislar acerca de matérias de interesse local e suplementar a legislação federal e estadual no que couber. Ocorre que, mesmo no exercício da competência exclusiva de legislar sobre interesse local, não pode a norma municipal dispor contrariamente ao que prevê a regra que lhe serve de parâmetro ou inspiração. No caso em análise, a intenção do proponente é de obrigar as empresas concessionárias, permissionárias e demais prestadoras de serviços à Administração Pública a emplacarem e licenciarem os seus veículos no Município de Guaíba, com vistas a gerar maior arrecadação de IPVA, cujo produto é destinado em 50% à localidade. O objetivo é louvável porque, de fato, a CF/88 estabelece a divisão do produto da arrecadação do IPVA entre o Estado e o Município onde os veículos estejam licenciados (artigo 158, III). No entanto, o artigo 120 do Código de Trânsito Brasileiro, no exercício da competência prevista no artigo 22, XI, da CF/88, já estabeleceu a seguinte regra:
Ou seja, a norma federal, aplicável em todo o território nacional, já prevê que o licenciamento do veículo deve ocorrer no local do domicílio ou residência de seu proprietário, entendendo-se como domicílio, quanto às empresas, “o lugar onde funcionarem as respectivas diretorias e administrações, ou onde elegerem domicílio especial no seu estatuto ou atos constitutivos.” (artigo 75, inc. IV, do Código Civil). Desse modo, considerando a aplicabilidade da norma federal em todo o âmbito do território brasileiro, não poderia a lei municipal, a pretexto do exercício da competência para regular os assuntos eminentemente locais (artigo 30, I, CF/88), estabelecer mandamento oposto ao primeiro, exigindo-se, necessariamente, compatibilidade no seu conteúdo com a normatização das demais esferas federativas (União e Estado do Rio Grande do Sul). Outro aspecto que impede a legalidade e a constitucionalidade da proposta é o da restrição indevida da competitividade nas futuras licitações promovidas pela Administração Pública. Isso porque, caso seja aprovado o projeto de lei, os próximos editais de licitação necessariamente deverão prever a obrigatoriedade de emplacamento no Município de Guaíba dos veículos que forem utilizados na prestação de serviços, perfazendo-se como requisito de habilitação das empresas participantes, o que afronta o artigo 37, inc. XXI, da CF/88 e o artigo 19 da CE/RS, visto que viria a restringir a concorrência em relação às empresas que não tenham seus veículos emplacados neste Município. Veja-se que o inc. XXI do artigo 37 da CF/88 só entende como constitucionais, em matéria de licitações, as exigências de qualificação técnica e econômica indispensáveis à garantia do cumprimento das obrigações, sendo regra a ampla participação dos licitantes em igualdade de condições:
Desse modo, em que pese ser positivo o objetivo da proposição (maior arrecadação de IPVA no Município de Guaíba), a implementação de norma nesse sentido ocasionaria indevida restrição da possibilidade de competição entre interessados em processos licitatórios, visto que, para possibilitar a contratação, todos estariam obrigados a transferir o licenciamento dos seus veículos a esta localidade, além do que há ferimento ao princípio da isonomia pelo fato de as empresas que tenham sede ou filiais em Guaíba estarem em posição favorecida em relação às demais, cujos encargos são muito menores diante da maior possibilidade de já possuírem veículos emplacados no Município. Sob o aspecto da iniciativa, a proposição também esbarra no disposto no artigo 61, § 1º, da Constituição Federal, aplicável por simetria aos Estados e Municípios, no qual se estabelece a iniciativa privativa de deflagração do processo legislativo, em certas matérias, apenas ao Chefe do Executivo:
O conteúdo normativo do Projeto de Lei nº 027/2018 invade a iniciativa privativa do Chefe do Poder Executivo Municipal prevista no aludido artigo 61, § 1º, da CF/88, ao impor obrigações que dizem respeito aos serviços públicos, já que as normas pretendem obrigar empresas concessionárias, permissionárias ou prestadoras de serviços ao Poder Público a licenciarem e emplacarem seus veículos no Município de Guaíba, com vistas a gerar maior repartição do produto da arrecadação do IPVA, o que compete apenas ao Prefeito dispor, considerando tratar-se de regulamentação sobre os serviços públicos delegados. Já a Lei Orgânica Municipal reserva a iniciativa da matéria ao Prefeito em seu artigo 119, II, configurando-se caso de invasão de competência no curso do processo legislativo a matéria que pretenda interferir na organização dos serviços públicos delegados:
Nesse sentido, ensina Hely Lopes Meirelles acerca da reserva da administração:
Da mesma forma, prevê a jurisprudência pacífica:
Conclusão:Diante dos fundamentos expostos, a Procuradoria orienta pela possibilidade de o Presidente, por meio de despacho fundamentado, devolver ao autor a proposição em epígrafe, por se tratar de matéria manifestamente inconstitucional em afronta aos arts. 2º, 37, XXI, e 61, § 1º, da CF/88, aos arts. 19 e 60, II, “d”, da CE/RS e ao art. 119, II, da Lei Orgânica Municipal, cabendo recurso ao Plenário. Guaíba, 13 de março de 2018. GUSTAVO DOBLER Procurador OAB/RS nº 110.114B O Documento ainda não recebeu assinaturas digitais no padrão ICP-Brasil. |
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