Câmara de Vereadores de Guaíba

PARECER JURÍDICO

PROCESSO : Projeto de Lei do Legislativo n.º 026/2018
PROPONENTE : Bancada do PL
     
PARECER : Nº 063/2018
REQUERENTE : #REQUERENTE#

"Institui no Município de Guaíba a Política de Arrecadação e Distribuição Gratuita de Medicamentos a pessoas carentes (Farmácia Compartilhada), e dá outras providências "

1. Relatório:

O Projeto de Lei nº 026/2018, de autoria da Bancada do PR, que “Institui no Município de Guaíba a Política de Arrecadação e Distribuição Gratuita de Medicamentos a pessoas carentes (Farmácia Compartilhada), e dá outras providências”, foi encaminhado a esta Procuradoria Jurídica pelo Presidente da Câmara Municipal para análise com fulcro no art. 105 do Regimento Interno, a fim de que seja efetivado o controle quanto à constitucionalidade, à competência da Câmara e ao caráter pessoal das proposições. 

2. Parecer:

De fato, a norma insculpida no art. 105 do Regimento Interno da Câmara Municipal de Guaíba prevê que cabe ao Presidente do Legislativo a prerrogativa de devolver ao autor as proposições manifestadamente inconstitucionais (art. 105, II), alheias à competência da Câmara (art. 105, I) ou ainda aquelas de caráter pessoal (art. 105, III). O mesmo controle já é exercido no âmbito da Câmara dos Deputados, com base em seu Regimento Interno (art. 137, § 1º), e no Regimento Interno do Senado Federal (art. 48, XI), e foi replicado em diversos outros regimentos internos de outros parlamentos brasileiros.

A doutrina trata do sentido da norma jurídica inscrita no art. 105 do Regimento Interno caracterizando-o como um controle de constitucionalidade político ou preventivo, sendo tal controle exercido dentro do Parlamento, através de exame superficial pela Presidência da Mesa Diretora, com natureza preventiva e interna, antes que a proposição possa percorrer o trâmite legislativo. Via de regra, a devolução se perfaz por despacho fundamentado da Presidência, indicando o artigo constitucional violado, podendo o autor recorrer da decisão ao Plenário (art. 105, parágrafo único).

Depreende-se, a partir da leitura da proposição, que seu objetivo consiste em estabelecer uma política pública voltada para a área da saúde, criando um sistema de arrecadação e distribuição de medicamentos a pessoas carentes.

Quanto à competência, não há qualquer óbice à proposta. Conforme dispõe o artigo 30, I, da Constituição Federal de 1988, “Compete aos Municípios legislar sobre assuntos de interesse local.” No mesmo sentido, o artigo 6º, I, da Lei Orgânica do Município de Guaíba refere que “Ao Município compete prover a tudo quanto diga respeito ao seu peculiar interesse e ao bem estar de sua população, cabendo-lhe privativamente dentre outras, as seguintes atribuições: legislar sobre assunto de interesse local.”

Por outro lado, a proposição esbarra no disposto no art. 61, § 1º, da Constituição Federal, que estabelece a iniciativa privativa para a deflagração do processo legislativo, fixando as disciplinas próprias do Presidente da República, aplicáveis por simetria aos Estados e Municípios:

Art. 61 (...)

§ 1º São de iniciativa privativa do Presidente da República as leis que:

I - fixem ou modifiquem os efetivos das Forças Armadas;

II - disponham sobre:

a) criação de cargos, funções ou empregos públicos na administração direta e autárquica ou aumento de sua remuneração;

b) organização administrativa e judiciária, matéria tributária e orçamentária, serviços públicos e pessoal da administração dos Territórios;

c) servidores públicos da União e Territórios, seu regime jurídico, provimento de cargos, estabilidade e aposentadoria; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 18, de 1998)

(...)

O conteúdo normativo do Projeto de Lei nº 026/2018, do Poder Legislativo, invade a iniciativa privativa do Chefe do Poder Executivo Municipal, prevista no aludido art. 61, § 1º, da Constituição da República Federativa do Brasil, ao impor obrigações à esfera da administração pública municipal. Incide, dessa forma, em desobediência às normas constitucionais do processo legislativo, por pretender impor à Secretaria Municipal de Saúde atribuições não previstas para a pasta, como fica claro pela leitura de seu art. 6º, o qual atribui ao referido órgão o dever de arrecadar, gerir o estoque, armazenar e distribuir os medicamentos às pessoas carentes, através dos seus serviços especializados.

O conteúdo do Projeto de Lei nº 026/2018 também vai de encontro ao princípio constitucional da separação dos poderes, disposto no art. 2º da Constituição Federal. A matéria ofende a chamada reserva de administração, insculpida no artigo 61, § 1º, da Constituição Federal e decorrência do conteúdo nuclear do princípio da separação de poderes, ao dispor a respeito da organização de programas públicos municipais, sobre os quais cabe ao Poder Executivo iniciar o processo legislativo.

Resta configurado, ainda, o vício de iniciativa na deflagração do processo legislativo frente ao que dispõe a Constituição do Estado do Rio Grande do Sul, no art. 60, II, “d”, e no art. 82, VII, in verbis:

Art. 60. São de iniciativa privativa do Governador do Estado as leis que:

(...)

II – disponham sobre: (...)

d) criação, estruturação e atribuições das Secretarias e órgãos da administração pública.

Art. 82. Compete ao Governador, privativamente:

(...)

VII – dispor sobre a organização e o funcionamento da administração estadual.

Já a Lei Orgânica Municipal reserva a iniciativa da matéria ao Prefeito em seu artigo 119, II, configurando-se caso de invasão de competência no curso do processo legislativo a matéria que pretenda interferir na organização da Secretaria Municipal de Saúde:

Art. 119 É competência exclusiva do Prefeito a iniciativa dos projetos de lei que disponham sobre:

I - criação de cargos, funções ou empregos públicos na administração direta e autárquica ou aumento de sua remuneração;

II - organização administrativa, matéria orçamentária e serviços públicos;

III - servidores públicos, seu regime jurídico, provimento de cargos, estabilidade e aposentadoria;

IV - criação e extinção de Secretarias e órgãos da administração pública.

Nesse sentido, ensina Hely Lopes Meirelles[1]:

A atribuição típica e predominante da Câmara é a 'normativa', isto é, a de regular a administração do Município e a conduta dos munícipes, no que afeta aos interesses locais. A Câmara não administra o Município; estabelece, apenas, normas de administração. Não executa obras e serviços públicos; dispõe, unicamente, sobre a sua execução. Não compõe nem dirige o funcionalismo da Prefeitura; edita, tão-somente, preceitos para sua organização e direção. Não arrecada nem aplica as rendas locais; apenas institui ou altera tributos e autoriza sua arrecadação e aplicação. Não governa o Município; mas regula e controla a atuação governamental do Executivo, personalizado no Prefeito.

[1] In Direito Municipal Brasileiro, Malheiros, 1993, págs. 438/439.

Na mesma linha, veja-se a jurisprudência específica sobre o caso:

Ação Direta de Inconstitucionalidade. Lei Municipal n.º 5.021/10, de Mogi Mirim, de iniciativa legislativa, que instituiu o banco de remédio, com o objetivo de formar estoque oriundo de doações de pessoas físicas e jurídicas, devendo funcionar em local próprio a ser designado pelo Poder Executivo. Criação de obrigações para a Administração Municipal. Ingerência indevida. Proposta que deveria partir do Executivo local. Vício de iniciativa configurado. Ofensa direta ao princípio da Separação dos Poderes, bem como aos artigos 5o e 47, II e XIV, ambos da Constituição Estadual. Inconstitucionalidade formal reconhecida. Norma, ademais, que não indica a fonte de recursos (TJ-SP - ADI: 02422262220128260000 SP 0242226-22.2012.8.26.0000, Relator: Luis Soares de Mello, Data de Julgamento: 10/04/2013, Órgão Especial, Data de Publicação: 18/04/2013).

Igualmente, o parecer do MPSP em ação direta de inconstitucionalidade:

Ação direta de inconstitucionalidade, ajuizada por Prefeito, da Lei nº 4.412, de 11 setembro de 2010, do Município de Suzano que “disciplina o descarte pela população e o recolhimento e destinação de medicamentos vencidos e a vencer no Município de Suzano, proteção do meio ambiente e a saúde pública”. Projeto de Vereador. Matéria reservada ao Chefe do Poder Executivo, eis que institui serviço e gera ônus à Administração. Violação do princípio da separação dos poderes. Criação de despesa, sem indicação da receita. Parecer pela procedência da ação direta de inconstitucionalidade, por violação aos artigos 5º; 25; 47, II; e 144 da Constituição do Estado. (Autos nº 0057182-61.2011.8.26.0000, Requerente: Prefeito Municipal de Suzano, Objeto: Lei nº 4.412, de 11 de setembro de 2010, do Município de Suzano).

Deve-se alertar, por fim, que a elaboração da proposição esbarra no previsto na LC nº 95/1998 em sua técnica de redação, notadamente quando traz a expressão “entrará em vigor”, ao passo que deveria constar a expressão “entra em vigor”, em respeito ao artigo 8º da referida norma, que reserva tal cláusula. 

Conclusão:

Diante do exposto, a Procuradoria orienta pela possibilidade de o Presidente, por meio de despacho fundamentado, devolver ao autor a proposição em epígrafe, em razão de vício de iniciativa caracterizado com base no artigo 61, § 1º, da CF/88, no artigo 60, II, alínea “d”, da CE/RS e no artigo 119, II, da Lei Orgânica Municipal.

Sugere-se ao autor, por outro lado, que a matéria seja proposta por meio de indicação ao Poder Executivo, nos termos do artigo 114 do Regimento Interno.

Guaíba, 09 de março de 2018.

GUSTAVO DOBLER

Procurador

OAB/RS nº 110.114B



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