PARECER JURÍDICO |
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"Dispõe sobre a obrigatoriedade de apresentação da caderneta de vacinação infantil no ato da matrícula em creches e escolas das redes de ensino público e privado" 1. Relatório:O Projeto de Lei nº 022/18, de autoria do Vereador Manoel Eletricista, que “Dispõe sobre a obrigatoriedade de apresentação da caderneta de vacinação infantil no ato da matrícula em creches e escolas das redes de ensino público e privado”, foi encaminhado a esta Procuradoria Jurídica pelo Presidente da Câmara Municipal para análise com fulcro no art. 105 do Regimento Interno, a fim de que seja efetivado o controle quanto à constitucionalidade, à competência da Câmara e ao caráter pessoal das proposições. 2. Parecer:De fato, a norma inscrita no art. 105 do Regimento Interno da Câmara Municipal outorga ao Presidente do Legislativo a possibilidade de devolução ao autor de proposições maculadas por manifesta inconstitucionalidade (art. 105, II), alheias à competência da Câmara (art. 105, I) ou de caráter pessoal (art. 105, III). Solução similar é encontrada no Regimento Interno da Câmara dos Deputados (art. 137, § 1º) – parlamento em que o controle vem sendo exercido –, no Regimento Interno do Senado Federal (art. 48, XI – em que a solução é o arquivamento) e em diversos outros regimentos de casas legislativas pátrias. A doutrina trata do sentido da norma jurídica inscrita no art. 105 do Regimento Interno caracterizando-o como um controle de constitucionalidade político ou preventivo, sendo tal controle exercido dentro do Parlamento, através de exame superficial pela Presidência da Mesa Diretora, de forma preventiva e interna, antes que a proposição possa percorrer o trâmite legislativo. Via de regra, a devolução se perfaz por despacho fundamentado da Presidência, indicando o artigo constitucional violado, podendo o autor recorrer da decisão ao Plenário (art. 105, parágrafo único). Depreende-se, a partir da leitura da proposição, que seu objetivo consiste em estabelecer uma política pública voltada para a área da saúde, tornando obrigatória a apresentação da carteira de vacinação infantil quando da matrícula em instituições de ensino tanto públicas quanto privadas. O art. 2º ainda vai além, trazendo obrigação expressa de que, na caderneta, devam constar todas as vacinas obrigatórias e cabíveis, obrigando os pais a reapresentá-la no prazo de sessenta dias no caso de ausência de vacinas. Já seu art. 3º busca regular as atribuições das instituições de ensino, fazendo com que comuniquem ao Conselho Tutelar a falta de vacinação, mediante documento em papel timbrado, assinado pelo diretor da escola ou eventual substituto, para ser anexado à documentação de matrícula do aluno. Quanto à competência, não há qualquer óbice à proposta. Conforme dispõe o artigo 30, I, da Constituição Federal de 1988, “Compete aos Municípios legislar sobre assuntos de interesse local.” No mesmo sentido, o artigo 6º, I, da Lei Orgânica do Município de Guaíba refere que “Ao Município compete prover a tudo quanto diga respeito ao seu peculiar interesse e ao bem estar de sua população, cabendo-lhe privativamente, dentre outras, as seguintes atribuições: legislar sobre assunto de interesse local.” Ocorre que a proposta, embora louvável no seu objeto, precisa ser ajustada para não conter vício de iniciativa. Para os fins do direito municipal, relevante é a observância das normas previstas na Constituição Estadual no que diz respeito à iniciativa para o processo legislativo, uma vez que, em caso de eventual controle de constitucionalidade, o parâmetro para a análise da conformidade vertical se dá em relação ao disposto na Constituição Gaúcha, conforme preveem o artigo 125, § 2º, da CF/88 e o artigo 95, XII, alínea “d”, da CE/RS. Nesse caso, refere o artigo 60 da Constituição Estadual:
Na mesma linha, dispõe, ainda, a Lei Orgânica do Município de Guaíba sobre as hipóteses de competência privativa do Prefeito:
O conteúdo normativo do Projeto de Lei nº 022/2018, na forma como está escrito, invade a competência de iniciativa privativa do Chefe do Poder Executivo Municipal prevista no aludido artigo 60, II, “d”, da Constituição Estadual, norma reproduzida como reflexo do artigo 61, § 1º, da Constituição da República Federativa do Brasil, ao impor obrigações à esfera da administração pública municipal. Incide em desobediência às normas constitucionais do processo legislativo o teor da proposição de iniciativa parlamentar que pretende impor às entidades públicas de educação o dever de fiscalizar e realizar comunicados formais ao Conselho Tutelar, dentre outras atribuições que o projeto busca instituir, estabelecendo inclusive prazos. Configuram violação à iniciativa privativa do Prefeito as previsões do parágrafo único do art. 1º e o disposto nos arts. 3º e 4º, pois estipulam obrigações aos órgãos municipais, notadamente às escolas públicas, detalhando as medidas que devem tomar para cumprir os objetivos da proposta. O conteúdo desses artigos configura disciplina que diz respeito à organização da administração municipal, tendo o Supremo Tribunal Federal declarado a inconstitucionalidade por violação da iniciativa em julgados de controle concentrado de constitucionalidade:
Os dispositivos citados - art. 1º, parágrafo único, e arts. 3º e 4º - vão de encontro ao princípio constitucional da separação dos poderes, disposto no art. 2º da Constituição Federal, e à chamada reserva de administração, ao tratarem de atos que envolvem a organização e a coordenação das políticas públicas administrativas, sobre as quais cabe exclusivamente ao Poder Executivo normatizar. É ainda o entendimento do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, em ação direta de inconstitucionalidade, com base nos arts. 8º, 10, 60 e 82 da Constituição Estadual:
Já a Lei Orgânica Municipal reserva a iniciativa da matéria ao Prefeito, em seu artigo 119, II, configurando-se caso de invasão de competência no curso do processo legislativo a matéria que pretende interferir na organização da Secretaria Municipal de Educação:
Para que não haja violação à reserva de iniciativa do Chefe do Poder Executivo, é essencial que a redação do Projeto de Lei nº 022/2018 seja reformulada para retirar as obrigações ao Poder Público, inclusive a previsão de prazos e formas, de modo a apresentar-se como uma norma dirigida aos pais e responsáveis pelos alunos, enquanto particulares, e não aos órgãos da Administração Pública. Sugere-se, para tanto, a seguinte proposta de substitutivo, com base na recente Lei Municipal nº 12.091, de 07 de julho de 2016, do Município de Porto Alegre, que não teve qualquer insurgência quanto à regularidade jurídica:
Conclusão:Diante dos fundamentos expostos, a Procuradoria orienta pela possibilidade de o Presidente, por meio de despacho fundamentado, devolver ao autor a proposição em epígrafe, por se tratar de matéria manifestamente inconstitucional em afronta aos arts. 2º e 61, § 1º, da Constituição Federal, ao art. 60, II, “d”, da Constituição Estadual e ao art. 119, II, da Lei Orgânica Municipal. Por outro lado, para que não haja vício de iniciativa, sugere-se a apresentação de substitutivo exatamente nos termos referidos acima, o qual já atende, inclusive, à técnica legislativa prevista na Lei Complementar Federal nº 95/98. Guaíba, 07 de março de 2018. GUSTAVO DOBLER Procurador OAB/RS nº 110.114B O Documento ainda não recebeu assinaturas digitais no padrão ICP-Brasil. |
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Documento publicado digitalmente por GUSTAVO DOBLER em 07/03/2018 ás 18:59:27. Chave MD5 para verificação de integridade desta publicação eb8eb034fc2df1fbfd9f56520c5ae0d9.
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