Câmara de Vereadores de Guaíba

PARECER JURÍDICO

PROCESSO : Projeto de Lei do Legislativo n.º 003/2018
PROPONENTE : Ver. Dr. João Collares
     
PARECER : Nº 045/2018
REQUERENTE : Comissão de Constituição, Justiça e Redação

"Dispõe sobre a destinação de casas populares a Policiais Militares que exerçam função de policiamento ostensivo em projetos habitacionais da Prefeitura da Cidade de Guaíba"

1. Relatório:

O Projeto de Lei nº 003/2018, de autoria do Vereador Dr. João Collares, foi encaminhado a esta Procuradoria Jurídica pelo Presidente da Câmara Municipal para análise com fulcro no artigo 105 do Regimento Interno, a fim de que seja efetivado o exercício de controle quanto à constitucionalidade, à competência e ao caráter pessoal das proposições. 

2. Parecer:

Preliminarmente, verifica-se que a norma inscrita no artigo 105 do Regimento Interno da Câmara Municipal de Guaíba outorga ao Presidente do Legislativo a possibilidade de devolução ao autor de proposições maculadas por manifesta inconstitucionalidade (artigo 105, II), alheias à competência da Câmara (artigo 105, I) ou de caráter pessoal (artigo 105, III). Solução similar é encontrada no Regimento Interno da Câmara dos Deputados (artigo 137, § 1º) – parlamento em que o controle vem sendo exercido –, no Regimento Interno do Senado Federal (artigo 48, XI – em que a solução é o arquivamento) e em diversos outros regimentos de casas legislativas pátrias.

A doutrina trata do sentido da norma jurídica inscrita no artigo 105 do Regimento Interno caracterizando-o como o instituto do controle de constitucionalidade político ou preventivo, sendo tal controle exercido dentro do Parlamento, através de exame perfunctório pela Presidência da Mesa Diretora, considerado controle preventivo de constitucionalidade interno, antes que a proposição possa percorrer todo o trâmite legislativo. Via de regra, a devolução é efetuada mediante despacho fundamentado da Presidência, indicando o artigo constitucional violado, podendo o autor recorrer da decisão ao Plenário (artigo 105, parágrafo único).

Inicialmente, quanto ao conteúdo da matéria proposta, constata-se que busca criar obrigação ao Poder Executivo Municipal de destinar certa porcentagem de imóveis, por meio de projetos habitacionais municipais, a determinados Policiais Militares.

Verifica-se que a matéria ofende a chamada reserva de administração, insculpida no artigo 61, § 1º, da Constituição Federal e decorrência do conteúdo nuclear do princípio da separação de poderes (CF, artigo 2º), ao dispor a respeito da organização de programas públicos municipais, sobre os quais cabe ao Poder Executivo legislar.

O propósito do Projeto de Lei nº 003/2018, de autoria do Vereador Dr. João Collares, apesar de ser digna de lauda quanto ao mérito, visa estabelecer obrigações onerosas ao Poder Executivo, invadindo a iniciativa privativa do Chefe do Executivo Municipal, prevista no referido artigo 61, § 1º, da Constituição Federal, aplicável por simetria aos demais entes federados. Além disso, consoante a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, padece de vício de iniciativa, por afronta ao artigo 61, § 1º, da CF/88 a proposta iniciada por membro do Legislativo que disponha sobre matérias de competência privativa do Executivo:

O desrespeito à prerrogativa de iniciar o processo de positivação do Direito, gerado pela usurpação do poder sujeito à cláusula de reserva, traduz vício jurídico de gravidade inquestionável, cuja ocorrência reflete típica hipótese de inconstitucionalidade formal, apta a infirmar, de modo irremissível, a própria integridade do ato legislativo eventualmente editado" (STF - Pleno, ADln 1.391-2/SP - ReI. Ministro Celso de Mello).

Ademais, a matéria proposta através do Projeto de Lei nº 003/2018 é reservada à iniciativa do Chefe do Poder Executivo, visto tratar de disciplina tipicamente administrativa, que constitui atribuições político-administrativas do Prefeito, caracterizando invasão de competência. Não cabe à lei de iniciativa parlamentar estabelecer ordem de prioridades em programas públicos habitacionais instituídos e administrados pelo Poder Executivo. Tal invasão de competência, com a criação de obrigações onerosas ao Poder Executivo, resta clara da leitura da norma constante do art. 1º da do Projeto de Lei nº 003/2018, in verbis: “Art. 1º “A Prefeitura da Cidade de Guaíba destinará até 5% (cinco por cento) dos imóveis que construir em projetos habitacionais a Policiais Militares que trabalharem no policiamento ostensivo na cidade de Guaíba.”

O Projeto de Lei ora em análise vai de encontro também ao disposto no artigo 60, inciso II, alínea “d”, da Constituição do Estado do Rio Grande do Sul, bem como afronta o previsto no artigo 82, inciso II, da Constituição Estadual: 

Art. 60. São de iniciativa privativa do Governador do Estado as leis que:

[...]

II - disponham sobre:

a) criação e aumento da remuneração de cargos, funções ou empregos públicos na administração direta ou autárquica;

b) servidores públicos do Estado, seu regime jurídico, provimento de cargos, estabilidade e aposentadoria de civis, e reforma ou transferência de militares para a inatividade;

c) organização da Defensoria Pública do Estado;

d) criação, estruturação e atribuições das Secretarias e órgãos da administração pública.

Art. 82 - Compete ao Governador, privativamente:

[...]

VII - dispor sobre a organização e o funcionamento da administração estadual;

Tem sido este o entendimento do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul:

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEI MUNICIPAL N.º 1.646/2011 DO MUNICÍPIO DE ESTÂNCIA VELHA. PROGRAMAS DE HABITAÇÃO. RESERVA DE 25% DAS MORADIAS PARA JOVENS DE ATÉ 30 ANOS RESIDENTES EM ESTÂNCIA VELHA. LEI DE INICIATIVA DO PODER LEGISLATIVO. VÍCIO FORMAL. MATÉRIA RESERVADA AO CHEFE DO PODER EXECUTIVO. VIOLAÇÃO AOS PRINCÍPIOS DA SIMETRIA E DA HARMONIA E INDEPENDÊNCIA ENTRE OS PODERES. JULGARAM PROCEDENTE A AÇÃO. UNÂNIME. (Ação Direta de Inconstitucionalidade Nº 70042617589, Tribunal Pleno, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Alexandre Mussoi Moreira, Julgado em 15/08/2011).

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEI MUNICIPAL. MUNICÍPIO DE SANANDUVA. INICIATIVA DO PODER LEGISLATIVO. AUTORIZAÇÃO DADA AO PREFEITO PARA CONCEDER REMISSÃO INTEGRAL EM FAVOR DOS MUTUÁRIOS DE CONTRATOS DE CONCESSÃO DE DIREITO REAL DE USO DE UNIDADES HABITACIONAIS CONSTRUÍDAS COM RECURSOS DA COHAB OU DO PROGRAMA PRÓ-MORADIA.  VÍCIO DE INICIATIVA. atribuição de competência privativa do chefe do poder executivo.

Conforme precedentes desta Corte e do STF, a norma emanada pelo Poder Legislativo Municipal que dita regras sobre matéria cuja competência para legislar é privativa do Chefe do Poder Executivo merece ser declarada inconstitucional porquanto ofende ao princípio da separação dos poderes. JULGARAM A AÇÃO PROCEDENTE. UNÂNIME {AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE Nº 70032071953}

Já a Lei Orgânica Municipal de Guaíba, em seu artigo 119, reserva competência exclusiva ao Prefeito nos projetos de lei que tratem da organização administrativa:

Art. 119 É competência exclusiva do Prefeito a iniciativa dos projetos de lei que disponham sobre:

I - criação de cargos, funções ou empregos públicos na administração direta e autárquica ou aumento de sua remuneração;

II - organização administrativa, matéria orçamentária e serviços públicos;

III - servidores públicos, seu regime jurídico, provimento de cargos, estabilidade e aposentadoria;

IV - criação e extinção de Secretarias e órgãos da administração pública. (Redação dada pela Emenda à Lei Orgânica nº 2/2017)

Cabe, por fim, destacar que o Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, na Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 70023803984, por seu Tribunal Pleno, lecionou que é de competência exclusiva do Chefe do Executivo firmar convênios com outros entes estatais, sendo que nesse caso exige-se convênio por força do artigo 62 da Lei Complementar nº 101/00. Passível de questionamento seria ainda a questão relativa à possível afronta da proposição ao direito fundamental à igualdade e ao princípio da proporcionalidade. 

Conclusão:

Diante do exposto, a Procuradoria orienta pela possibilidade de o Presidente, por meio de despacho fundamentado, devolver ao autor a proposição em epígrafe, em razão de tratar-se de matéria inconstitucional por afronta ao artigo 61, § 1º, da Constituição Federal, aos artigos 60, II, alínea “d”, e 82, VII, da Constituição Estadual, bem como pela caracterização de vício de iniciativa frente ao artigo 119 da Lei Orgânica Municipal, com base nos esclarecimentos acima expostos, cabendo, todavia, recurso ao Plenário.

Guaíba, 27 de fevereiro de 2018.

GUSTAVO DOBLER

Procurador

OAB/RS nº 110.114B



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