Câmara de Vereadores de Guaíba

PARECER JURÍDICO

PROCESSO : Projeto de Lei do Legislativo n.º 014/2018
PROPONENTE : Ver.ª Claudinha Jardim
     
PARECER : Nº 043/2018
REQUERENTE : Comissão de Constituição, Justiça e Redação

"Dispõe sobre afixar placas com informações explicativas, sobre as técnicas conhecidas como “manobra de Heimlich” e “tapotagem”, em Escolas da Rede Municipal e Particular do Município de Guaíba"

1. Relatório:

O Projeto de Lei nº 014/2018, de autoria da Vereadora Claudinha Jardim, que “Dispõe sobre afixar placas com informações explicativas, sobre as técnicas conhecidas como ‘manobra de Heimlich’ e ‘tapotagem’, em Escolas da Rede Municipal e Particular do Município de Guaíba”, foi encaminhado a esta Procuradoria Jurídica pelo Presidente da Câmara Municipal para análise com fulcro no art. 105 do Regimento Interno, a fim de que seja efetivado o controle quanto à constitucionalidade, à competência da Câmara e ao caráter pessoal das proposições. 

2. Parecer:

De fato, a norma inscrita no art. 105 do Regimento Interno da Câmara Municipal outorga ao Presidente do Legislativo a possibilidade de devolução ao autor de proposições maculadas por manifesta inconstitucionalidade (art. 105, II), alheias à competência da Câmara (art. 105, I) ou de caráter pessoal (art. 105, III). Solução similar é encontrada no Regimento Interno da Câmara dos Deputados (art. 137, § 1º) – parlamento em que o controle vem sendo exercido –, no Regimento Interno do Senado Federal (art. 48, XI – em que a solução é o arquivamento) e em diversos outros regimentos de casas legislativas pátrias.

A doutrina trata do sentido da norma jurídica inscrita no art. 105 do Regimento Interno caracterizando-o como o instituto do controle de constitucionalidade político ou preventivo, sendo tal controle exercido dentro do Parlamento, através de exame superficial pela Presidência da Mesa Diretora, considerado controle preventivo de constitucionalidade interno, antes que a proposição possa percorrer o trâmite legislativo. Via de regra, a devolução se perfaz por despacho fundamentado da Presidência, indicando o artigo constitucional violado, podendo o autor recorrer da decisão ao Plenário (art. 105, parágrafo único).

De plano, deve-se esclarecer que a ementa do Projeto de Lei nº 014/2018 do Legislativo leva a crer que se trata de proposição que visa obrigar entidades a fixarem placas com informações. No entanto, da leitura dos artigos, depreende-se que seu objeto vai além, buscando criar obrigações mais amplas como a necessidade de treinamento.

No que diz respeito ao controle da competência da Câmara Municipal, cabe trazer à análise a norma do artigo 24 da Constituição Federal, que disciplina as matérias de competência concorrente da União, Estados e Distrito Federal, enumerando em seu inciso XV a proteção à infância e à juventude. Ainda que a interpretação do dispositivo constitucional fosse combinada com o previsto no artigo 30, inciso I, da Constituição da República Federativa do Brasil, que dispõe competir aos Municípios legislar acerca de matérias de interesse local e suplementar a legislação federal e estadual no que couber, a proposição esbarra nos preceitos constitucionais do processo legislativo, especificamente no da iniciativa, conforme os fundamentos a seguir.

A Constituição Federal de 1988, com base na tripartição dos Poderes, disciplina a iniciativa parlamentar a partir do seu artigo 61, o qual prevê: “A iniciativa das leis complementares e ordinárias cabe a qualquer membro ou Comissão da Câmara dos Deputados, do Senado Federal ou do Congresso Nacional, ao Presidente da República, ao Supremo Tribunal Federal, aos Tribunais Superiores, ao Procurador-Geral da República e aos cidadãos, na forma e nos casos previstos nesta Constituição.” Assim, embora a função legislativa tenha sido entregue ao Poder Legislativo, a Constituição Brasileira conferiu o poder de iniciativa a autoridades do Executivo, do Judiciário, do MP e, inclusive, aos cidadãos diretamente.

Por ser uma norma genérica que atribui, indistintamente, o poder de iniciativa para a deflagração do processo legislativo a várias autoridades, a doutrina a nomeia de “iniciativa comum” ou “iniciativa concorrente”, constituindo-se como regra a ser observada em todos os âmbitos da Federação, com base no princípio da simetria. O § 1º do artigo 61, por sua vez, apresenta os casos em que o poder de iniciativa é privativo do Chefe do Executivo, para que se mantenha a harmonia e a independência entre os Poderes. Ou seja, o objetivo real da restrição imposta no § 1º é a segurança do sistema de tripartição dos poderes constitucionais, de modo a que não haja interferências indevidas de um Poder sobre o outro.

Dispõe o mencionado artigo 61, § 1º, da CF:

Art. 61. A iniciativa das leis complementares e ordinárias cabe a qualquer membro ou Comissão da Câmara dos Deputados, do Senado Federal ou do Congresso Nacional, ao Presidente da República, ao Supremo Tribunal Federal, aos Tribunais Superiores, ao Procurador-Geral da República e aos cidadãos, na forma e nos casos previstos nesta Constituição.

§ 1º São de iniciativa privativa do Presidente da República as leis que:

I - fixem ou modifiquem os efetivos das Forças Armadas;

II - disponham sobre:

a) criação de cargos, funções ou empregos públicos na administração direta e autárquica ou aumento de sua remuneração;

b) organização administrativa e judiciária, matéria tributária e orçamentária, serviços públicos e pessoal da administração dos Territórios;

c) servidores públicos da União e Territórios, seu regime jurídico, provimento de cargos, estabilidade e aposentadoria;(Redação dada pela Emenda Constitucional nº 18, de 1998)

d) organização do Ministério Público e da Defensoria Pública da União, bem como normas gerais para a organização do Ministério Público e da Defensoria Pública dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios;

e) criação e extinção de Ministérios e órgãos da administração pública, observadoo disposto no art. 84, VI;(Redação dada pela Emenda Constitucional nº 32, de 2001)

f) militares das Forças Armadas, seu regime jurídico, provimento de cargos, promoções, estabilidade, remuneração, reforma e transferência para a reserva.(Incluída pela Emenda Constitucional nº 18, de 1998)

O conteúdo normativo do Projeto de Lei nº 014/2018, de autoria da Vereadora Claudinha Jardim, invade a iniciativa privativa do Chefe do Poder Executivo Municipal prevista no aludido artigo 61, § 1º, da Constituição da República Federativa do Brasil, ao impor obrigações à esfera da administração pública municipal. Incide em desobediência às normas constitucionais do processo legislativo o teor da proposição que pretende impor às entidades públicas de educação o dever de dar instrução por meio de cursos e treinamentos a seus funcionários (art. 3º). O conteúdo do projeto configura disciplina que diz respeito à organização da administração municipal, tendo o Tribunal de Justiça Gaúcho declarado a inconstitucionalidade por violação da iniciativa exclusiva em casos semelhantes:

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEI MUNICIPAL. MUNICÍPIO DE IGREJINHA. MATÉRIA QUE VERSA SOBRE ORGANIZAÇÃO E O FUNCIONAMENTO DA ADMINISTRAÇÃO. INICIATIVA PRIVATIVA DO PODER EXECUTIVO. VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DA SEPARAÇÃO DE PODERES. Padece de inconstitucionalidade formal, por vício de iniciativa, a Lei Municipal que torna obrigatória a colocação de placas informativas nas obras públicas de infraestrutura realizadas no Município, por se tratar de matéria cuja competência privativa para legislar é da Administração. Competência exclusiva do Chefe do Executivo. Violação ao disposto nos artigos 8º, 10, 60, inciso II, e 82, inciso VII, todos da Constituição Estadual. Precedente. AÇÃO JULGADA PROCEDENTE. UNÂNIME. (Ação Direta de Inconstitucionalidade Nº 70057499055, Tribunal Pleno, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Isabel Dias Almeida, Julgado em 07/04/2014).

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEI Nº 944/03, DO MUNICÍPIO DE NOVO HAMBURGO. OBRIGATORIEDADE DA COLOCAÇÃO DE AVISO CONTENDO ORIENTAÇÃO SOBRE SEGURO (DPVAT) EM ESTABELECIMENTOS PRESTADORES DE SERVIÇOS DE SAÚDE. VÍCIO FORMAL, LEI PROMULGADA PELA CÂMARA DE VEREADORES. DISPOSIÇÃO SOBRE ATRIBUIÇÕES DE ORGÃOS DA ADMINISTRAÇÃO MUNICIPAL, GERANDO AUMENTO DE DESPESA PÚBLICA. INDEPENDÊNCIA DOS PODERES, PRERROGATIVA DO CHEFE DO PODER EXECUTIVO. AÇÃO PROCEDENTE. (Ação Direta de Inconstitucionalidade Nº 70010716827, Tribunal Pleno, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Luiz Ari Azambuja Ramos, Julgado em 11/04/2005).

Na medida em que o Projeto de Lei nº 014/2018 determina ao Executivo a afixação de placas com informações explicativas nas salas de aula e em locais visíveis das escolas da rede pública municipal, bem como o treinamento dos servidores envolvidos, a proposição também vai de encontro ao princípio constitucional da separação dos poderes, disposto no art. 2º da Constituição Federal, visto não competir ao membro do Legislativo imiscuir-se nas competências do Executivo, determinando-lhe o cumprimento de determinadas medidas administrativas. Isso acaba por ofender a chamada reserva de administração, decorrência do princípio da separação dos poderes, por dispor a respeito dos programas públicos municipais a serem executados, sobre os quais cabe ao Poder Executivo iniciar o processo legislativo.

O Projeto de Lei nº 014/2018, no que concerne à afixação de placas em escolas da rede pública e à exigência de treinamento de pessoal, também afronta o disposto nos artigos 60, inciso II, alínea “d”, e 82, VII, ambos da Constituição Estadual:

Art. 60. São de iniciativa privativa do Governador do Estado as leis que:

[...]

II - disponham sobre:

a) criação e aumento da remuneração de cargos, funções ou empregos públicos na administração direta ou autárquica;

b) servidores públicos do Estado, seu regime jurídico, provimento de cargos, estabilidade e aposentadoria de civis, e reforma ou transferência de militares para a inatividade;

c) organização da Defensoria Pública do Estado;

d) criação, estruturação e atribuições das Secretarias e órgãos da administração pública.

Art. 82 - Compete ao Governador, privativamente:

[...]

VII - dispor sobre a organização e o funcionamento da administração estadual;

Já a Lei Orgânica Municipal reserva a iniciativa da matéria ao Prefeito, em seu artigo 119, II, configurando-se caso de invasão de iniciativa do processo legislativo, por interferir na organização e nas obrigações da Secretaria Municipal de Educação:

Art. 119. É competência exclusiva do Prefeito a iniciativa dos projetos de lei que disponham sobre:

I - criação de cargos, funções ou empregos públicos na administração direta e autárquica ou aumento de sua remuneração;

II - organização administrativa, matéria orçamentária e serviços públicos;

III - servidores públicos, seu regime jurídico, provimento de cargos, estabilidade e aposentadoria;

IV - criação e extinção de Secretarias e órgãos da administração pública.

Para que não haja violação à reserva de iniciativa do Chefe do Poder Executivo, é possível que, após a devolução, a proposta seja ajustada para eliminar o art. 3º (realização de treinamento) e a obrigatoriedade das placas nas escolas públicas (parte do art. 1º), de modo a retirar as obrigações ao Poder Público. Todavia, conforme orientou o IGAM, embora seja possível, a retirada do dever de providenciar treinamentos talvez acabe por criar maior risco de manobras incorretas por leigos com base apenas nas placas afixadas nas escolas privadas, prejudicando a finalidade da proposta.

Conclusão:

Diante do exposto, a Procuradoria orienta pela possibilidade de o Presidente, por meio de despacho fundamentado, devolver à autora a proposição em epígrafe, em razão de vício de iniciativa caracterizado com base no artigo 61, § 1º, da CF/88, no artigo 60, II, alínea “d”, da CE/RS e no artigo 119, II, da Lei Orgânica Municipal.

Sugere-se à autora, por outro lado, que a matéria seja proposta por meio de indicação ao Poder Executivo, nos termos do artigo 114 do Regimento Interno, ou se proceda à adequação nos termos da orientação jurídica.

Guaíba, 1º de março de 2018.

GUSTAVO DOBLER

Procurador

OAB/RS nº 110.114B



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