Câmara de Vereadores de Guaíba

PARECER JURÍDICO

PROCESSO : Projeto de Lei do Legislativo n.º 005/2018
PROPONENTE : Ver.ª Claudinha Jardim
     
PARECER : Nº 042/2018
REQUERENTE : Comissão de Constituição, Justiça e Redação

"Dispõe sobre a notificação dos casos de violência contra o idoso"

1. Relatório:

O Projeto de Lei n.º 005/2018, de autoria da Vereadora Claudinha Jardim (DEM), que “Dispõe sobre a notificação dos casos de violência contra o idoso”, foi encaminhado a esta Procuradoria Jurídica pelo Presidente da Câmara Municipal para análise com fulcro no art. 105 do Regimento Interno. 

2. Parecer:

Preliminarmente, verifica-se que a norma inscrita no artigo 105 do Regimento Interno da Câmara Municipal de Guaíba outorga ao Presidente do Legislativo a possibilidade de devolução ao autor de proposições maculadas por manifesta inconstitucionalidade (art. 105, II), alheias à competência da Câmara (art. 105, I) ou de caráter pessoal (art. 105, III). Solução similar é encontrada no Regimento Interno da Câmara dos Deputados (art. 137, §1º) - parlamento em que o controle vem sendo exercido, e no Regimento Interno do Senado Federal (art. 48, XI – em que a solução é o arquivamento) e em diversos outros regimentos de casas legislativas pátrias.

A doutrina trata do sentido da norma jurídica inscrita no art. 105 do Regimento Interno, caracterizando-o como o instituto do controle de constitucionalidade político ou preventivo, sendo tal controle exercido dentro do Parlamento, através de exame perfunctório pela Presidência da Mesa Diretora, considerado controle preventivo de constitucionalidade interno, antes que a proposição possa percorrer todo o trâmite legislativo. Via de regra, a devolução é efetuada mediante despacho fundamentado da Presidência, indicando o artigo constitucional violado, podendo o autor recorrer da decisão ao Plenário (art. 105, parágrafo único).

Constata-se que o objeto constante na proposição em exame, não obstante ser matéria afeita à competência local do município nos termos da CF/88, ofende a chamada reserva de administração, insculpida no art. 61, § 1º da Constituição Federal e decorrência do conteúdo nuclear do princípio da separação de poderes (CF, art. 2º), ao dispor a respeito da organização da administração pública municipal, disciplina a qual cabe exclusivamente ao Poder Executivo legislar e administrar:

“(...) I. - As regras básicas do processo legislativo federal são de observância obrigatória pelos Estados-membros e Municípios. (...)” (STF, ADI 2.731-ES, Tribunal Pleno, Rel. Min. Carlos Velloso, 02-03-2003, v.u., DJ 25-04-2003, p. 33). 

“(...) 2. A Constituição do Brasil, ao conferir aos Estados-membros a capacidade de auto-organização e de autogoverno --- artigo 25, caput ---, impõe a obrigatória observância de vários princípios, entre os quais o pertinente ao processo legislativo. O legislador estadual não pode usurpar a iniciativa legislativa do Chefe do Executivo, dispondo sobre as matérias reservadas a essa iniciativa privativa. (...)” (STF, ADI 1.594-RN, Tribunal Pleno, Rel. Min. Eros Grau, 04-06-2008, v.u., DJe 22-08-2008). 

“(...) I. - A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal é no sentido de que as regras básicas do processo legislativo da Constituição Federal, entre as quais as que estabelecem reserva de iniciativa legislativa, são de observância obrigatória pelos estados-membros. (...)” (RT 850/180)." 

(...) 1. A Constituição do Brasil, ao conferir aos Estados-membros a capacidade de auto-organização e de autogoverno (artigo 25, caput), impõe a obrigatória observância de vários princípios, entre os quais o pertinente ao processo legislativo, de modo que o legislador estadual não pode validamente dispor sobre as matérias reservadas à iniciativa privativa do Chefe do Executivo. (...)” (RTJ 193/832).

Em que pese o proposto no projeto de lei consistir em matéria meritória, padece de inconstitucionalidade enquanto visa estabelecer obrigações ao Poder Executivo Municipal configurando-se invasão indevida de competência de iniciativa privativa do Chefe do Poder Executivo Municipal prevista no referido artigo 61, § 1º da Constituição Federal, aplicável por simetria aos demais entes federados.

Nesse sentido vai a jurisprudência colecionada do Supremo Tribunal Federal, lecionando que padece de vício de iniciativa, em ofensa aos arts. 61, § 1º e 2º da Constituição Federal, ao dispor sobre políticas públicas de competência privativa do Chefe do Poder Executivo:

O desrespeito à prerrogativa de iniciar o processo de positivação do Direito, gerado pela usurpação do poder sujeito à cláusula de reserva, traduz vício jurídico de gravidade inquestionável, cuja ocorrência reflete típica hipótese de inconstitucionalidade formal, apta a infirmar, de modo irremissível, a própria integridade do ato legislativo eventualmente editado" (STF - Pleno, ADln 1.391-2/SP - ReI. Ministro Celso de Mello)

"RESERVA DE ADMINISTRAÇÃO E SEPARAÇÃO DE PODERES. - O princípio constitucional da reserva de administração impede a ingerência normativa do Poder Legislativo em matérias sujeitas à exclusiva competência administrativa do Poder Executivo. (...) transgride o princípio da divisão funcional do poder, representa comportamento heterodoxo da instituição parlamentar e importa em atuação ultra vires do Poder Legislativo, que não pode, em sua atuação político-jurídica, exorbitar dos limites que definem o exercício de suas prerrogativas institucionais” (STF, ADI-MC 2.364-AL, Tribunal Pleno, Rel. Min. Celso de Mello, 01-08-2001, DJ 14-12-2001, p. 23).

O ordenamento jurídico estadual também reserva ao Chefe do Poder Executivo a iniciativa legislativa em matéria de administração pública e organização administrativa em seu artigo 60, inciso II, da, bem como no art. 82, inciso II:

Art. 60 - São de iniciativa privativa do Governador do Estado as leis que:

[...]

II - disponham sobre:

a) criação e aumento da remuneração de cargos, funções ou empregos públicos na administração direta ou autárquica;

b) servidores públicos do Estado, seu regime jurídico, provimento de cargos, estabilidade e aposentadoria de civis, e reforma ou transferência de militares para a inatividade;

c) organização da Defensoria Pública do Estado;

d) criação, estruturação e atribuições das Secretarias e órgãos da administração pública.

Art. 82 - Compete ao Governador, privativamente:

[...]

VII - dispor sobre a organização e o funcionamento da administração estadual;

[...]

Em respeito ao princípio da simetria constitucional, a Lei Orgânica Municipal de Guaíba traz, da mesma forma, em seu artigo 119, a previsão de reserva de competência exclusiva do Prefeito Municipal nos projetos de lei que tratem da organização administrativa municipal:

Art. 119 É competência exclusiva do Prefeito a iniciativa dos projetos de lei que disponham sobre:

I - criação de cargos, funções ou empregos públicos na administração direta e autárquica ou aumento de sua remuneração;

II - organização administrativa, matéria orçamentária e serviços públicos;

III - servidores públicos, seu regime jurídico, provimento de cargos, estabilidade e aposentadoria;

IV - criação e extinção de Secretarias e órgãos da administração pública. (Redação dada pela Emenda à Lei Orgânica nº 2/2017)

As orientações técnicas do IGAM vão no mesmo sentido, apresentando vasta jurisprudência do TJRS alertando para a inconstitucionalidade da matéria, como se pode depreender das OT’s n.º 23.662/2017 e da OT n.º 1.265/2018.

Verifica-se ainda que o projeto em epígrafe pretende criar obrigações e deveres a agentes públicos, dentre estes, servidores públicos no âmbito da administração municipal, matéria de iniciativa exclusiva do Chefe do Poder Executivo, nos termos do art. 61 § 1º, c) da CF/88, do art. 60, b) da Constituição Estadual e art. 119, III da LOM, padecendo de vício de inconstitucionalidade formal e alheia à competência da iniciativa parlamentar. 

Conclusão:

Diante do exposto, a Procuradoria, com base nos esclarecimentos acima expostos, orienta pela possibilidade de o Presidente, por meio de despacho fundamentado, devolver ao autor a proposição em epígrafe, em razão de tratar-se de matéria inconstitucional em afronta aos arts. 61, § 1º e 2º da Constituição Federal, bem como caracterizada por vício de iniciativa frente ao art. 119 da Lei Orgânica Municipal, cabendo recurso fundamentado ao Plenário.

Guaíba, 28 de fevereiro de 2018.

JULIA ZANATA DAL OSTO

Procuradora



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