PARECER JURÍDICO |
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"Dispõe sobre a criação do cartão de vacinação eletrônico no município de Guaíba e dá outras providências" 1. Relatório:O Vereador Manoel Eletricista apresentou o Projeto de Lei nº 018/2018 à Câmara Municipal, objetivando instituir, no Município de Guaíba, o cartão eletrônico de vacinação. A proposta foi encaminhada à Procuradoria pela Presidência da Câmara para análise nos termos do artigo 105 do Regimento Interno. 2. Parecer:O artigo 18 da Constituição Federal de 1988, inaugurando o tema da organização do Estado, prevê que “A organização político-administrativa da República Federativa do Brasil compreende a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, todos autônomos, nos termos desta Constituição.” O termo “autonomia política”, sob o ponto de vista jurídico, congrega um conjunto de capacidades conferidas aos entes federados para instituir a sua organização, legislação, a administração e o governo próprios. A autoadministração e a autolegislação, contemplando o conjunto de competências materiais e legislativas previstas na Constituição Federal para os Municípios, é tratada no artigo 30 da Lei Maior, nos seguintes termos:
O cartão eletrônico de vacinação que se pretende instituir no âmbito do Município de Guaíba se insere, efetivamente, na definição de interesse local, eis que o Projeto de Lei nº 018/2018 objetiva estabelecer mecanismo mais moderno e seguro de controle da saúde da população local, restringindo-se ao estrito âmbito local. Quanto à matéria de fundo, também não há óbices. A Constituição Federal, no artigo 196, prevê: “A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.” O artigo 198, por sua vez, estabelece que os serviços de saúde se desenvolvem por meio de um sistema público organizado e mantido com recursos do Poder Público, nos seguintes termos:
Percebe-se, pois, que o Projeto de Lei nº 018/18 está em consonância com o regramento constitucional a respeito do direito à saúde, especialmente consagrado no artigo 6º como direito fundamental e, como tal, possui aplicabilidade imediata, nos termos do § 1º do artigo 5º da CF. Ocorre que a proposta, embora louvável no seu objeto, contém vício de iniciativa. Para os fins do direito municipal, relevante é a observância das normas previstas na Constituição Estadual no que diz respeito à iniciativa para o processo legislativo, uma vez que, em caso de eventual controle de constitucionalidade, o parâmetro para a análise da conformidade vertical se dá em relação ao disposto na Constituição Gaúcha, conforme preveem o artigo 125, § 2º, da CF/88 e o artigo 95, XII, alínea “d”, da CE/RS. Nesse caso, refere o artigo 60 da Constituição Estadual:
Na mesma linha, dispõe, ainda, a Lei Orgânica do Município de Guaíba sobre as hipóteses de competência privativa do Prefeito:
Vale destacar que o mero fato de gerar novas despesas ao Poder Executivo não obstaculiza a tramitação de projetos de lei, desde que haja previsão do programa na lei orçamentária anual, na forma do artigo 154, I, da CE/RS e do artigo 167, I, da CF/88. Inclusive, como bem já sustentou o IGAM, o Supremo Tribunal Federal estabeleceu o entendimento de que “Não usurpa a competência privativa do chefe do Poder Executivo lei que, embora crie despesa para a Administração Pública, não trata da sua estrutura ou da atribuição de seus órgãos nem do regime jurídico de servidores públicos.” (ARE nº 878.911/RJ, Relator: Min. Gilmar Mendes, publicado em 11/10/2016). Sucede-se que, muito além de apenas criar novas despesas ao Executivo, o Projeto de Lei nº 018/2018 objetiva a instituição de novas tarefas específicas para a Secretaria de Saúde, que consistem na implantação de um cartão eletrônico de vacinação aos cidadãos do Município de Guaíba, tendo sido previstas inúmeras atribuições ao referido órgão da Administração Pública, como se percebe a seguir:
Veja-se que em praticamente toda a proposta são feitas referências a obrigações que a Secretaria de Saúde deverá assumir para viabilizar o sistema eletrônico de controle da vacinação. A própria criação do cartão eletrônico de vacinação tornaria obrigatória a ação do Município em diversos campos e aspectos, como preparação do sistema informatizado para o público e para as unidades e saúde, treinamento de pessoal, convocação da população para comprovar, individualmente, as vacinas já feitas (permitindo a alimentação do sistema) e recolhimento gradual dos modelos tradicionais de carteira de vacinação. Todas essas providências, por se referirem à organização administrativa e à prestação de serviços públicos, só podem ser implementadas a juízo do próprio Poder Executivo, no momento em que decidir pela viabilidade e oportunidade de tal avanço, considerando os aspectos operacionais, financeiros e administrativos. Portanto, embora seja respeitável a intenção do proponente, a matéria ofende a chamada reserva de administração, insculpida no artigo 61, § 1º, da Constituição Federal e no artigo 60 da Constituição Estadual, decorrência do conteúdo nuclear do princípio da separação de poderes (CF, artigo 2º), ao dispor a respeito de serviço que, notadamente, envolve as atribuições dos órgãos da saúde, sobre o que cabe apenas ao Executivo providenciar. Não se pode esquecer, por fim, do previsto no artigo 119 da Lei Orgânica Municipal, que, à semelhança dos citados dispositivos constitucionais, faz reserva de iniciativa aos projetos de lei sobre determinadas matérias:
Destarte, apesar de ser honrosa sob o ponto de vista material, a proposta não poderia ter sido apresentada por membro do Poder Legislativo, uma vez que a iniciativa para projetos que atribuam obrigações até então inexistentes aos órgãos da Administração Pública cabe apenas ao Chefe do Executivo, responsável pela organização administrativa. A propósito, destaca-se a jurisprudência:
Nada impede, contudo, que a proposta seja remetida ao Executivo sob a forma de indicação, com base no artigo 114 do Regimento Interno da Câmara Municipal de Guaíba, para que, pela via política, o Prefeito apresente o projeto ao Legislativo, afastando, assim, a ocorrência do vício de iniciativa. Conclusão:Diante do exposto, a Procuradoria orienta pela possibilidade de o Presidente, por meio de despacho fundamentado, devolver ao autor a proposição em epígrafe, em razão de vício de iniciativa caracterizado com base no artigo 61, § 1º, da CF/88, no artigo 60, II, alínea “d”, da CE/RS e no artigo 119, II, da Lei Orgânica Municipal. Sugere-se ao autor, por outro lado, que a matéria seja proposta por meio de indicação ao Poder Executivo, nos termos do artigo 114 do Regimento Interno. Guaíba, 07 de março de 2018. GUSTAVO DOBLER Procurador OAB/RS nº 110.114B O Documento ainda não recebeu assinaturas digitais no padrão ICP-Brasil. |
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