Câmara de Vereadores de Guaíba

PARECER JURÍDICO

PROCESSO : Projeto de Lei do Legislativo n.º 011/2018
PROPONENTE : Ver. Dr. João Collares e Ver.ª Fernanda Garcia
     
PARECER : Nº 040/2018
REQUERENTE : Comissão de Constituição, Justiça e Redação

"Dispõe sobre a disponibilização de brinquedos adaptados para crianças com deficiência em locais de acesso públicos e privados de lazer"

1. Relatório:

Os Vereadores Dr. João Collares e Fernanda Garcia apresentaram o Projeto de Lei nº 011/2018 à Câmara Municipal, objetivando dispor sobre a disponibilização de brinquedos adaptados para crianças com deficiência em locais de acesso público e privados de lazer. A proposta foi encaminhada à Procuradoria pela Presidência da Câmara para análise nos termos do artigo 105 do Regimento Interno. 

2. Parecer:

O artigo 18 da Constituição Federal de 1988, inaugurando o tema da organização do Estado, prevê que “A organização político-administrativa da República Federativa do Brasil compreende a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, todos autônomos, nos termos desta Constituição.” O termo “autonomia política”, sob o ponto de vista jurídico, congrega um conjunto de capacidades conferidas aos entes federados para instituir a sua organização, legislação, a administração e o governo próprios.

A autoadministração e a autolegislação, contemplando o conjunto de competências materiais e legislativas previstas na Constituição Federal para os Municípios, é tratada no artigo 30 da Lei Maior, nos seguintes termos: 

Art. 30. Compete aos Municípios:

I - legislar sobre assuntos de interesse local;

II - suplementar a legislação federal e a estadual no que couber;

III - instituir e arrecadar os tributos de sua competência, bem como aplicar suas rendas, sem prejuízo da obrigatoriedade de prestar contas e publicar balancetes nos prazos fixados em lei;

IV - criar, organizar e suprimir distritos, observada a legislação estadual;

V - organizar e prestar, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, os serviços públicos de interesse local, incluído o de transporte coletivo, que tem caráter essencial;

VI - manter, com a cooperação técnica e financeira da União e do Estado, programas de educação infantil e de ensino fundamental; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 53, de 2006)

VII - prestar, com a cooperação técnica e financeira da União e do Estado, serviços de atendimento à saúde da população;

VIII - promover, no que couber, adequado ordenamento territorial, mediante planejamento e controle do uso, do parcelamento e da ocupação do solo urbano;

IX - promover a proteção do patrimônio histórico-cultural local, observada a legislação e a ação fiscalizadora federal e estadual.

A medida que se pretende autorizar no âmbito do Município de Guaíba se insere, efetivamente, na definição de interesse local, eis que o Projeto de Lei nº 011/2018 visa estabelecer, nos espaços públicos e privados de lazer, melhoria da condição de acessibilidade das crianças com deficiência ou mobilidade reduzida, direito que também é alinhado ao espírito democrático e garantista da Constituição Federal e da Constituição Estadual Gaúcha.

Quanto à matéria de fundo, também não há qualquer óbice à proposta. Convém lembrar que o objetivo primordial do Projeto de Lei nº 011/2018 é promover a proteção dos interesses das crianças e dos adolescentes com deficiência, enquanto sujeitos de direitos, para que tenham adequado acesso aos brinquedos em áreas públicas e privadas, de modo a garantir-lhes o direito ao lazer em condições de segurança.

O artigo 227, caput, da Constituição Federal prevê que “É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.” A expressão “Estado”, obviamente, traduz-se em um conceito lato sensu, abrangendo União, Estados, Distrito Federal e Municípios.

Mais especificamente, o Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei nº 8.069/90), atendendo às diretrizes constitucionais, estabeleceu um verdadeiro conjunto de normas destinadas à proteção integral e absoluta das crianças e dos adolescentes, que passaram a ser tratadas como efetivos sujeitos de direitos. Os artigos 3º, 4º e 5º do referido Estatuto indicam, resumidamente, todos os direitos garantidos às crianças e adolescentes. Veja-se: 

Art. 3º A criança e o adolescente gozam de todos os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, sem prejuízo da proteção integral de que trata esta Lei, assegurando-se-lhes, por lei ou por outros meios, todas as oportunidades e facilidades, a fim de lhes facultar o desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social, em condições de liberdade e de dignidade.

Art. 4º É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do poder público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária.

Art. 5º Nenhuma criança ou adolescente será objeto de qualquer forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão, punido na forma da lei qualquer atentado, por ação ou omissão, aos seus direitos fundamentais.

É perceptível, portanto, que a medida pretendida no Projeto de Lei nº 011/2018 é compatível com os interesses defendidos na Constituição Federal e no Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei nº 8.069/90).

Na linha do direito à acessibilidade, o Projeto de Lei nº 011/2018 também é materialmente constitucional. O Decreto nº 6.949, de 25 de agosto de 2009, que promulgou a Convenção internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e seu Protocolo Facultativo – norma que, aliás, possui o status de emenda constitucional –, prevê, no artigo 4º, 1, que “Os Estados Partes se comprometem a assegurar e promover o pleno exercício de todos os direitos humanos e liberdades fundamentais por todas as pessoas com deficiência, sem qualquer tipo de discriminação por causa de sua deficiência”, comprometendo-se a: “a) Adotar todas as medidas legislativas, administrativas e de qualquer outra natureza, necessárias para a realização dos direitos reconhecidos na presente Convenção.”

No âmbito infraconstitucional, a Lei nº 13.146/2015, que instituiu a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência, estabelece, no artigo 2º: “Considera-se pessoa com deficiência aquele que tem impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, o qual, em interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas.”

Sobre a garantia da acessibilidade, importante destacar o disposto no artigo 8º da Lei Federal nº 13.146/2015, que prevê o dever do Estado, em sentido amplo, de concretizar esse direito às pessoas portadoras de deficiência:

Art. 8º É dever do Estado, da sociedade e da família assegurar à pessoa com deficiência, com prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à sexualidade, à paternidade e à maternidade, à alimentação, à habitação, à educação, à profissionalização, ao trabalho, à previdência social, à habilitação e à reabilitação, ao transporte, à acessibilidade, à cultura, ao desporto, ao turismo, ao lazer, à informação, à comunicação, aos avanços científicos e tecnológicos, à dignidade, ao respeito, à liberdade, à convivência familiar e comunitária, entre outros decorrentes da Constituição Federal, da Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e seu Protocolo Facultativo e das leis e de outras normas que garantam seu bem-estar pessoal, social e econômico.

Assim, embora haja, na legislação federal, o dever genérico estatal de garantir a acessibilidade às pessoas com deficiência, a intenção dos legisladores, nesse caso, é instituir verdadeira obrigação concreta ao Poder Público e às empresas que possuam, entre as suas finalidades, o lazer de crianças e adolescentes com deficiência, de modo a tornar efetivos os direitos fundamentais já relacionados, o que, como se vê, é materialmente viável.

Ocorre que o Projeto de Lei nº 011/2018, embora louvável o seu objeto, contém vício de iniciativa em parte. O sistema constitucional brasileiro se estruturou no princípio da tripartição dos poderes, na forma do artigo 2º da CF/88, de observância obrigatória pelos Estados, Distrito Federal e Municípios, tendo sido distribuídas funções típicas e atípicas aos poderes Legislativo, Executivo e Judiciário, os quais, entre si, são independentes e harmônicos. A mesma norma que institui a separação dos poderes proíbe ingerências indevidas de um poder sobre outro, de forma a garantir a já referida harmonia, motivo pelo qual a Constituição Federal estabeleceu determinadas matérias para as quais há reserva de iniciativa ao Chefe do Poder Executivo, por dizerem respeito a questões de organização administrativa e, especialmente, que estão sob o controle e gerenciamento do titular desse poder.

Na CF/88, a reserva de iniciativa está prevista no artigo 61, § 1º, repetida na CE/RS pelo artigo 60, os quais preveem os inúmeros casos em que apenas o Chefe do Poder Executivo poderá deflagrar o processo legislativo. Por serem normas restritivas, tão somente essas hipóteses são reservadas ao Executivo; os demais casos são de iniciativa concorrente, garantindo-se a legitimidade das propostas por parte de membros do Legislativo.

Ocorre que essas normas são demasiadamente amplas e carregam conceitos genéricos (“organização administrativa”, “servidores públicos”, “criação, estruturação e atribuições das Secretarias e órgãos da administração pública”, “serviços públicos”), tornando-se quase impossível, na prática, a atividade legislativa por iniciativa parlamentar para atribuir obrigações ao Poder Executivo, porque geralmente esbarram na reserva de iniciativa legitimada pelo princípio da separação dos poderes.

No caso em análise, embora indiscutível o mérito, a medida determina a disponibilização de brinquedos adaptados, em todas as áreas de acesso público, conforme o porte da estrutura, para que as crianças e adolescentes com deficiência tenham a possibilidade de utilizá-los com segurança. Por mais meritória que seja, a proposta acabar por transpor os limites do princípio da separação dos poderes no que concerne aos espaços públicos, visto que interfere em atos de organização administrativa que gerarão despesas de grande vulto não programadas pelo Executivo na lei orçamentária, o que é vedado pelo artigo 167, inc. I, da CF/88 e pelo artigo 154, inc. I, da CE/RS. Nessa linha, é importante lembrar que, nos termos do artigo 61, § 1º, inc. II, alínea “b”, da CF/88, é privativa do Chefe do Executivo a iniciativa para projetos que disponham sobre organização administrativa, o mesmo se aplicando ao Estado do Rio Grande do Sul e aos seus Municípios, por força, também, do artigo 82, inc. III e VII, da CE/RS. Igualmente, o artigo 60, II, alínea “d”, da Constituição Estadual prevê iniciativa privativa do Chefe do Executivo para os projetos que disponham sobre as atribuições das secretarias e dos órgãos da administração pública, nisso se incluindo a criação de novas tarefas até então não estabelecidas por determinações anteriores.

Sobre o caso em específico, há precedente do TJRS no qual foi declarada a inconstitucionalidade formal, por vício de iniciativa, de lei do Município de Arroio Grande que, valendo-se da técnica “autorizativa”, criava deveres ao Executivo para instalar brinquedos adaptados em praças públicas:

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. MUNICÍPIO DE ARROIO GRANDE. LEI MUNICIPAL AUTORIZATIVA DISPONDO ACERCA DA INSTALAÇÃO DE BRINQUEDOS ACESSÍVEIS EM PRAÇAS PÚBLICAS PARA CRIANÇAS COM DEFICIÊNCIA OU MOBILIDADE REDUZIDA. COMPETÊNCIA PRIVATIVA DO CHEFE DO EXECUTIVO. VÍCIO DE INICIATIVA. 1. A Lei-Arroio Grande nº 2.781/14 padece de vício formal na medida em que o Poder Legislativo Municipal invadiu a seara de competência do Poder Executivo Municipal, pois afronta dispositivos constitucionais que alcançam ao Chefe do Poder Executivo a iniciativa privativa para editar leis que disponham sobre as atribuições da administração municipal. 2. Inconstitucionalidade declarada com efeitos ex tunc, uma vez que a legislação em comento colide frontalmente com a CE e CF-88, devendo ser retirada do ordenamento jurídico municipal. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE JULGADA PROCEDENTE. UNÂNIME. (Ação Direta de Inconstitucionalidade Nº 70062081419, Tribunal Pleno, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Nelson Antônio Monteiro Pacheco, Julgado em 01/12/2015).

Muito esclarecedor é o parecer lavrado pelo Procurador-Geral de Justiça na referida ação direta de inconstitucionalidade, através do qual sustenta o vício de iniciativa: 

(...)

De plano, verifica-se que a Câmara Municipal de Vereadores de Arroio Grande, por mais meritória que tenha sido as intenções dos Senhores Edis, invadiu competência privativa do Chefe do Poder Executivo local, ao regular matéria eminentemente administrativa, ao tratar da instalação de brinquedos acessíveis em praças públicas, para crianças com deficiência ou mobilidade reduzida.

Entretanto, importa referir que os dispositivos constantes do ordenamento jurídico constitucional que restaram violados com a edição da normativa analisada não foram apenas aqueles mencionados na exordial, como se verá no decorrer do presente parecer.

Como se sabe, o Poder Legislativo não pode, por expressa disposição constitucional, editar leis que confiram atribuições à administração ou que impliquem aumento de despesas.

Contudo, a norma atacada, no momento em que impõe ao Poder Executivo a instalação de brinquedos acessíveis em praças públicas no Município de Arroio Grande, dispõe sobre atribuições da administração municipal.

Mais ainda, a legislação em análise pode gerar um aumento significativo de despesa, uma vez que além de impor gastos não previstos na lei orçamentária municipal com a instalação de brinquedos especiais às crianças com deficiência ou mobilidade reduzida, exige, também, que se invista em um estudo aprofundado sobre a viabilidade de tal instalação, pois, a título de complementação, além da diversão, o objetivo é oferecer as crianças brinquedos diferenciados e seguros adaptados especialmente a condição especial de cada criança, o que torna grandiosa tal iniciativa, mas, cabe reforçar que é indispensável neste caso o estudo prévio com relação à segurança dos referidos brinquedos, não se pode negligenciar em absoluto.

Ademais, não havia espaço para a iniciativa do Poder Legislativo, pois, conforme expressamente disposto nos artigos 60, inciso II, alínea “d”, 82, incisos III e VII, ambos da Constituição Estadual, aplicáveis aos Municípios por força do artigo 8º, caput, da Carta referida, incumbe ao Chefe do Poder Executivo, privativamente, a iniciativa de leis que versem sobre a organização e o funcionamento da administração, in verbis:

Art. 8º - O Município, dotado de autonomia política, administrativa e financeira, reger-se-á por lei orgânica e pela legislação que adotar, observados os princípios estabelecidos na Constituição Federal e nesta Constituição.

Art. 60 - São de iniciativa privativa do Governador do Estado as leis que:

(...)

II - disponham sobre:

(...)

d) criação, estruturação e atribuições das Secretarias e órgãos da administração pública.

(...)

Art. 82 - Compete ao Governador, privativamente:

(...)

III - iniciar o processo legislativo, na forma e nos casos previstos nesta Constituição;

(...)

VII - dispor sobre a organização e o funcionamento da administração estadual;

(...)

No caso, a norma legal questionada importa em considerável aumento de despesa para a administração pública municipal, face à necessidade de instalação de brinquedos em praças públicas do Município de Arroio Grande para crianças com deficiência ou mobilidade reduzida, por tudo que já foi dito, implica em investimentos diversos com estudo de caso, instalações, equipamentos, mão de obra adequada, já que os destinatários finais são as crianças. E o faz sem a devida previsão orçamentária, o que também é vedado, modo expresso, por meio do disposto nos artigos 149, incisos I, II e III, e 154, inciso I, ambos da Carta Estadual, “in verbis”.

Art. 149 – A receita e a despesa públicas obedecerão às seguintes leis, de iniciativa do Poder Executivo:

I – do plano plurianual;

II – de diretrizes orçamentárias;

III – dos orçamentos anuais.

Art. 154 – São vedados:

I – o início de programas ou projetos não incluídos nas leis orçamentárias anuais;

(...)

Trata-se, assim, de iniciativa reservada ao Chefe do Executivo, não podendo, a Câmara de Vereadores, tomar a iniciativa de projetos que visem dispor sobre essa matéria, inclusive com aumento de despesas, sob pena de, em caso de usurpação da iniciativa, eivar de inconstitucionalidade o texto legal daí decorrente.

Este é o entendimento de Hely Lopes Meirelles:

A iniciativa reservada ou privativa assegura o privilégio do projeto ao seu titular, possibilita-lhe a retirada a qualquer momento antes da votação e limita qualitativa e quantitativamente o poder de emenda, para que não se desfigure nem se amplie o projeto original; só o autor pode oferecer modificações substanciais, através de mensagem aditiva. No mais, sujeita-se a tramitação regimental em situação idêntica a dos outros projetos, advertindo-se, porém, que a usurpação de iniciativa conduz à irremediável nulidade da lei, insanável mesmo pela sanção ou promulgação de quem poderia oferecer o projeto.

Destarte, evidente a inconstitucionalidade da norma impugnada, a qual dispõe sobre matéria administrativa própria do Poder Executivo, tema reservado à iniciativa do Prefeito Municipal.

Necessário ressaltar, ainda, que a lei objurgada positiva flagrante desrespeito ao princípio da harmonia e independência entre os poderes, consignado no artigo 10 da Constituição Estadual. Quis o constituinte estadual, nos moldes do regramento constitucional federal, permitir, por meio de reserva expressa, quanto à deflagração do processo legislativo em certas matérias, a própria materialização do princípio da independência e da harmonia entre os poderes.

Portanto, ao legislador municipal inexiste liberdade absoluta ou plenitude legislativa, face às limitações impostas pelo ordenamento constitucional. A iniciativa para o processo legislativo – transposta, no caso em exame, ao Prefeito Municipal – é condição de validade do próprio processo legislativo, do que resulta uma vez não observada, a ocorrência de inconstitucionalidade formal, nos termos do já realçado.

Assim, a Lei Municipal nº 2.781, de 02 de outubro de 2014, de iniciativa parlamentar, ao impor ao Poder Executivo a instalação de brinquedos acessíveis em praças públicas, para crianças com deficiência ou mobilidade reduzida, não apenas se constitui em indevida ingerência nos serviços prestados pela Administração, como também implica a transgressão ao princípio da harmonia, separação e independência dos Poderes (artigos 8º e 10 da CE).

Nesse sentido:

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEI Nº 2.774/14 DO MUNICÍPIO DE ARROIO GRANDE, DE INICIATIVA DA CÂMARA DE VEREADORES. LEI AUTORIZATIVA À INSTITUIÇÃO DE ESTACIONAMENTO OBLÍQUO EM DETERMINADAS VIAS URBANAS. COMPETÊNCIA PRIVATIVA DO CHEFE DO EXECUTIVO. VÍCIO DE INICIATIVA. É inconstitucional a Lei 2.774, de 28.08.14, do Município de Arroio Grande, que autoriza a instituição de estacionamento oblíquo em determinadas vias urbanas daquele município, porque padece de vício de origem. O simples fato de se tratar de lei autorizativa não afasta o vício de iniciativa. Estratégia de membros do Legislativo, para afastar o vício de iniciativa, visando angariar simpatia do eleitorado, mesmo sabendo não se tratar de matéria de sua competência. A referida lei, de iniciativa do Poder Legislativo, fere a harmonia e a independência entre os Poderes, porquanto dispõe sobre o sistema viário municipal, cuja competência é exclusiva e privativa do Chefe do Poder Executivo local. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE JULGADA PROCEDENTE. UNÂNIME. (Ação Direta de Inconstitucionalidade Nº 70061698494, Tribunal Pleno, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Eugênio Facchini Neto, Julgado em 15/12/2014).

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. MUNICÍPIO DE ESTÂNCIA VELHA. LEI Nº 1.598, DE 07 DE OUTUBRO DE 2010. LEI AUTORIZATIVA SOBRE MATÉRIA DE INICIATIVA PRIVATIVA DO CHEFE DO EXECUTIVO. VÍCIO FORMAL. AUMENTO DE DESPESA SEM PRÉVIA PREVISÃO ORÇAMENTÁRIA. VÍCIO MATERIAL. Inegável a inconstitucionalidade formal da Lei nº 1.598/10 do Município de Estância Velha, ao versar sobre matéria de iniciativa privativa do Chefe do Executivo, na forma dos artigos 60, II, d, e 82, II, III e VII, CE, aplicáveis aos Municípios por força do artigo 8º, também da Carta Estadual, submetendo à prévia autorização do Legislativo a execução dos serviços e autorizando a sua regulamentação pelo Poder Executivo, violado, ainda, o princípio da Separação dos Poderes (artigo 10, CE), flagrada, de outro lado, em razão de a disposição implicar aumento de despesa, sem a correspondente previsão orçamentária, inconstitucionalidade material, forte nos artigos 61, I, 149 e 154, I, todos da Constituição Estadual. (Ação Direta de Inconstitucionalidade Nº 70042619148, Tribunal Pleno, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Armínio José Abreu Lima da Rosa, Julgado em 22/08/2011).

Na esteira da argumentação expendida, impõe-se o acolhimento do pedido, a fim de ver declarada a inconstitucionalidade da Lei n.º 2.781, de 02 de outubro de 2014, do Município de Arroio Grande.

(...)

Assim, embora sejam admiráveis a justificativa e os termos da proposta, o Projeto de Lei nº 011/2018, quanto aos espaços de acesso público (bens de uso comum do povo ou bens de uso especial – artigo 99 do Código Civil), contém vício de iniciativa, por dispor sobre obrigações ao Executivo não previstas na lei orçamentária anual (artigo 167, I, CF/88 e artigo 154, I, CE/RS), sobre planejamento de serviços públicos e organização administrativa (artigo 52, VI e X, Lei Orgânica Municipal) e sobre as atribuições dos órgãos municipais (artigo 60, II, “d”, e artigo 82, VII, CE/RS).

Nada impede, contudo, que a proposta seja remetida ao Executivo sob a forma de indicação, com base no artigo 114 do Regimento Interno, para que, pela via política, o Prefeito apresente o projeto ao Legislativo, afastando a ocorrência do vício de iniciativa.

Quanto aos locais estritamente de acesso privado, entende-se não haver inconstitucionalidade manifesta, visto que a limitação à iniciativa se relaciona apenas aos espaços públicos enquanto de responsabilidade do Executivo, promotor dos serviços e das políticas públicas. Assim, considerando, em especial, que a proposta estabelece prazo razoável para adaptação pelos estabelecimentos privados (um ano – art. 1º, § 4º) e balizas quanto ao número de brinquedos a serem instalados (art. 1º, § 2º), visando proporcionar condições de acessibilidade às crianças e adolescentes, opina-se pela adequação da proposta para prosseguir voltada apenas aos estabelecimentos privados. 

Conclusão:

Diante do exposto, a Procuradoria orienta pela possibilidade de o Presidente, por meio de despacho fundamentado, devolver aos autores a proposição em epígrafe, em razão de vício de iniciativa caracterizado com base no artigo 60, II, “d”, e artigo 82, VII, da CE/RS, artigo 61, § 1º, II, da CF/88, artigo 167, I, CF/88 e artigo 154, I, da CE/RS e artigo 52, VI e X, da Lei Orgânica Municipal.

Sugere-se aos autores, por outro lado, a adequação do Projeto de Lei nº 011/18, por meio da retirada de todas as obrigações voltadas aos espaços públicos ou de acesso público, como as previstas no caput e no § 3º do art. 1º, eliminando o vício de iniciativa.

Guaíba, 05 de março de 2018.

GUSTAVO DOBLER

Procurador

OAB/RS nº 110.114B



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