Câmara de Vereadores de Guaíba

PARECER JURÍDICO

PROCESSO : Projeto de Lei do Legislativo n.º 017/2018
PROPONENTE : Ver. Dr. João Collares e Ver.ª Claudinha Jardim
     
PARECER : Nº 039/2018
REQUERENTE : Comissão de Constituição, Justiça e Redação

"Institui a meia entrada para professores da rede municipal, estadual e federal de instituições públicas e privadas que exerçam docência no Município de Guaíba"

1. Relatório:

O Projeto de Lei nº 017/18, de autoria dos Vereadores Dr. João Collares e Claudinha Jardim, que “Institui a meia-entrada para professores da rede municipal, estadual e federal de instituições públicas e privadas que exerçam docência no Município de Guaíba”, foi encaminhado a esta Procuradoria Jurídica pelo Presidente da Câmara Municipal para análise com fulcro no art. 105 do Regimento Interno, a fim de que seja efetivado o exercício de controle quanto à constitucionalidade, à competência e ao caráter pessoal das proposições. 

2. Parecer:

De fato, a norma inscrita no art. 105 do Regimento Interno da Câmara Municipal outorga ao Presidente do Legislativo a possibilidade de devolução ao autor de proposições maculadas por manifesta inconstitucionalidade (art. 105, II), alheias à competência da Câmara (art. 105, I) ou de caráter pessoal (art. 105, III). Solução similar é encontrada no Regimento Interno da Câmara dos Deputados (art. 137, § 1º) – parlamento em que o controle vem sendo exercido –, no Regimento Interno do Senado Federal (art. 48, XI – em que a solução é o arquivamento) e em diversos outros regimentos de casas legislativas pátrias.

A doutrina trata do sentido da norma jurídica inscrita no art. 105 do Regimento Interno caracterizando-o como o instituto do controle de constitucionalidade político ou preventivo, sendo tal controle exercido dentro do Parlamento, através de exame superficial pela Presidência da Mesa Diretora, considerado controle preventivo de constitucionalidade interno, antes que a proposição possa percorrer o trâmite legislativo. Via de regra, a devolução se perfaz por despacho fundamentado da Presidência, indicando o artigo constitucional violado, podendo o autor recorrer da decisão ao Plenário (art. 105, parágrafo único).

No que concerne às competências legislativas, a CF/88 as divide em: a) privativa (artigo 22): atende ao interesse nacional, atribuída apenas à União, com possibilidade de outorga aos Estados para legislar sobre pontos específicos, desde que por lei complementar; b) concorrente (artigo 24, caput): atende ao interesse regional, atribuída à União, para legislar sobre normas gerais, e aos Estados e ao DF, para legislar sobre normas específicas; c) exclusiva (artigo 30, I): atende ao interesse local, atribuída aos Municípios; d) suplementar (artigo 24, § 2º, e artigo 30, II): garante aos Estados suplementar a legislação federal, no que couber, bem como aos Municípios fazer o mesmo em relação às leis federais e estaduais; e) remanescente estadual (artigo 25, § 1º): aos Estados são atribuídas as competências que não sejam vedadas pela Constituição; f) remanescente distrital (artigo 32, § 1º): ao DF são atribuídas as competências legislativas reservadas aos Estados e aos Municípios.

As matérias de direito econômico, consumo, educação, cultura e ensino, na estrutura constitucional, estão previstas como competências concorrentes, atribuídas à União, aos Estados e ao Distrito Federal, como se vê:

Art. 24 Compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre:

I - direito tributário, financeiro, penitenciário, econômico e urbanístico; (...)

V - produção e consumo; (...)

IX – educação, cultura, ensino, desporto, ciência, tecnologia, pesquisa, desenvolvimento e inovação;

Na competência concorrente, a União tem por tarefa estabelecer normas gerais sobre as matérias especificadas no artigo 24, cabendo aos Estados e ao Distrito Federal suplementá-las de acordo com as suas peculiaridades regionais (§§ 1º e 2º). Os Estados e o Distrito Federal só possuem autorização constitucional para legislar plenamente caso a União não tenha editado normas gerais; do contrário, deverão obrigatoriamente respeitá-las, especificando suas regras à luz do ordenamento federal.

Os Municípios, por sua vez, sob a ótica do artigo 24 da CF/88, não estão legitimados a legislar concorrentemente sobre esses temas. Sua competência legislativa está adstrita ao previsto no artigo 30 da CF/88, limitando-se, basicamente, aos assuntos de interesse especificamente local e à suplementação da legislação federal e estadual, no que couber.

No campo da competência suplementar dos Municípios, estes estão legitimados a complementar as normas editadas com base no artigo 24 da CF/88, desde que respeitados os aspectos gerais do regramento objeto da suplementação. Resumidamente, os Municípios só podem legislar na competência suplementar caso existam, de fato, normas federais ou estaduais sobre a matéria e se respeite o campo de abrangência das leis complementadas.

A respeito da meia-entrada, a Lei Federal nº 12.933, de 26 de dezembro de 2013, dispõe sobre o benefício do pagamento de meia-entrada para estudantes, idosos, pessoas com deficiência e jovens de 15 a 29 anos comprovadamente carentes. Na esfera estadual, a matéria é tratada pela Lei Estadual nº 13.104, de 22 de dezembro de 2008, assegurando o benefício a estudantes, adolescentes com até 15 anos e aos jovens entre 16 e 29 anos pertencentes a famílias de baixa renda. Nenhuma das normas prevê a concessão do direito à meia-entrada a professores.

Portanto, a legislação local não poderia, a pretexto da competência suplementar do artigo 30, II, da CF/88, ampliar as categorias de beneficiários da meia-entrada, pois, do contrário, estaria usurpando as competências do artigo 24 da CF/88 e, sobretudo, o princípio federativo, que distribui matérias específicas à atuação de cada ente federado.

A obrigatoriedade de respeito aos princípios constitucionais – dentre eles o princípio federativo – pelos Municípios decorre não apenas do artigo 8º da Constituição Estadual, mas também do artigo 29, caput, da Constituição Federal, como se observa:

Art. 8º O Município, dotado de autonomia política, administrativa e financeira, reger-se-á por lei orgânica e pela legislação que adotar, observados os princípios estabelecidos na Constituição Federal e nesta Constituição.

Art. 29. O Município reger-se-á por lei orgânica, votada em dois turnos, com o interstício mínimo de dez dias, e aprovada por dois terços dos membros da Câmara Municipal, que a promulgará, atendidos os princípios estabelecidos nesta Constituição, na Constituição do respectivo Estado e os seguintes preceitos:

No que concerne à competência legislativa para legislar sobre assuntos de interesse local, adverte-se que “deve haver razoabilidade na análise da situação concreta porque o interesse que é local será também regional e também nacional, mas, no caso específico da norma em questão, será predominantemente (primeiramente) local. Em linhas gerais, essas atividades de interesse predominantemente local dizem respeito ao transporte coletivo municipal, coleta de lixo, ordenação do solo urbano, fiscalização das condições de higiene de bares e restaurantes, além de outras competências que guardem relação com as competências administrativas que são afetas aos Municípios.” (FERNANDES, Bernardo Gonçalves. Curso de Direito Constitucional, 9. ed., rev., ampl. e atual. Salvador: JusPODIVM, 2017, p. 890).

Da análise da proposição, por mais meritória que seja, não se constata predominância do interesse local em detrimento dos interesses regional e nacional. Pelo contrário, a matéria já foi posta como lei federal e lei estadual, estabelecendo quais serão os beneficiários da meia-entrada no Brasil e no Estado do Rio Grande do Sul. Como dito anteriormente, a concessão do benefício não é justificável por alguma peculiaridade específica dos professores do Município de Guaíba que os coloque em desvantagem em relação aos profissionais de outras localidades; o interesse é de toda a classe, fundamentando a competência apenas do Estado e da União para legislar sobre tal matéria.

Desse modo, é patente que a proposição ultrapassa os limites da competência legislativa municipal. O exemplo apresentado pelo IGAM na orientação técnica nº 3.691/18 é de julgado do STF sobre lei estadual, não havendo qualquer questionamento sobre a competência nesse caso, pois fundada no artigo 24, inc. I, da CF/88. Diferentemente, na presente hipótese a lei a ser editada é municipal, não se vislumbrando causa caracterizadora de interesse predominantemente local ou de suplementação de norma federal ou estadual, até porque, conforme já referido, as leis dos demais entes federados não incluem os professores como destinatários do benefício, não podendo a lei local ampliar esse campo de abrangência sob o argumento do interesse local. Inclusive, veja-se na jurisprudência:

ARGUIÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEI MUNICIPAL QUE DISPÕE ACERCA DOS ESTUDANTES BENEFICIÁRIOS DE MEIA-ENTRADA PARA INGRESSO EM EVENTOS ESPORTIVOS. QUALIFICAÇÃO DA SITUAÇÃO JURÍDICA DE ESTUDANTE. MEDIDA PROVISÓRIA. COMPETÊNCIA DA UNIÃO E DOS ESTADOS-MEMBROS. Compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre educação, cultura, ensino e desporto (art. 24, IX da CF). O Município não detém competência para legislar sobre essas matérias, e se detivesse, não podia, utilizando-se do argumento do interesse local, restringir ou ampliar determinações contidas em regramento de âmbito nacional. Precedentes do STF. Inconstitucionalidade do art. 4º Lei Municipal n. 9.989/2006 que restringe a qualificação da situação jurídica de estudante para ingresso em eventos esportivos, com o pagamento de meia-entrada. Confronto com a Medida Provisória n. 2.208/2008. INCIDENTE JULGADO PROCEDENTE. UNÂNIME. (TJ-RS - IIN: 70048987044 RS, Relator: Marco Aurélio Heinz, Data de Julgamento: 06/08/2012, Tribunal Pleno, Data de Publicação: Diário da Justiça do dia 13/08/2012).

É inconstitucional lei municipal que, na competência legislativa concorrente, utilize-se do argumento do interesse local para restringir ou ampliar as determinações contidas em texto normativo de âmbito nacional” (RE n. 596.489-AgR/RS, rel. Min. Eros Grau, 2ª Turma, DJe 20.11.2009).

Assim, pelos fundamentos apresentados, a proposição em análise não é de interesse predominantemente local nem suplementa a Lei Federal nº 12.933/13 ou a Lei Estadual nº 13.104/08, por ampliar o objeto central dessas normas e, com isso, acabar usurpando a competência legislativa concorrente entre a União e os Estados (artigo 24, inc. I, CF/88). 

Conclusão:

Diante do exposto, a Procuradoria orienta pela possibilidade de o Presidente, por meio de despacho fundamentado, devolver aos autores a proposição em epígrafe, em razão de incompetência do Município para legislar sobre a matéria específica, com fundamento no artigo 24, inc. I, da CF/88.

Guaíba, 02 de março de 2018.

GUSTAVO DOBLER

Procurador

OAB/RS nº 110.114B



O Documento ainda não recebeu assinaturas digitais no padrão ICP-Brasil.
Documento publicado digitalmente por GUSTAVO DOBLER em 07/03/2018 ás 14:26:17. Chave MD5 para verificação de integridade desta publicação a2c2e394517b6349a2e127bc4d489538.
A autenticidade deste poderá ser verificada em https://www.camaraguaiba.rs.gov.br/autenticidade, mediante código 49246.