PARECER JURÍDICO |
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"Autoriza o Município de Guaíba a criar reserva de vagas ma educação infantil da rede pública municipal de ensino para filhos de agentes de segurança pública" 1. Relatório:O Vereador Dr. João Collares apresentou o Projeto de Lei nº 025/2018 à Câmara Municipal, objetivando “autorizar” o Município de Guaíba a criar reserva de vagas na educação infantil da rede pública municipal de ensino para filhos de agentes da segurança pública. A proposta foi encaminhada à Procuradoria pela Presidência da Câmara para análise nos termos do artigo 105 do Regimento Interno. 2. Parecer:O artigo 18 da Constituição Federal de 1988, inaugurando o tema da organização do Estado, prevê que “A organização político-administrativa da República Federativa do Brasil compreende a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, todos autônomos, nos termos desta Constituição.” O termo “autonomia política”, sob o ponto de vista jurídico, congrega um conjunto de capacidades conferidas aos entes federados para instituir a sua organização, legislação, a administração e o governo próprios. A autoadministração e a autolegislação, contemplando o conjunto de competências materiais e legislativas previstas na Constituição Federal para os Municípios, é tratada no artigo 30 da Lei Maior, nos seguintes termos:
A medida que se pretende instituir no âmbito do Município de Guaíba se insere, efetivamente, na definição de interesse local, eis que o Projeto de Lei nº 025/2018 concerne à reserva de vagas na educação infantil municipal, o que diz respeito ao estrito âmbito local, atendendo à competência do artigo 30, I, da Constituição Federal. Quanto à matéria de fundo, também não há óbices. Isso porque o objetivo do projeto é, sobretudo, garantir o acesso à educação infantil aos filhos de agentes da segurança pública, o que vai ao encontro das normas constitucionais que tratam direito à educação. De acordo com o artigo 208, inc. I, da CF/88, o dever do Estado com a educação será efetivado mediante a garantia de educação básica obrigatória e gratuita dos 4 (quatro) aos 17 (dezessete) anos de idade, assegurada inclusive sua oferta gratuita para todos os que a ela não tiveram acesso na idade própria. Na mesma linha está o regramento do artigo 199 da Constituição Estadual. Ainda, o artigo 227, caput, da Constituição Federal prevê que “É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.” A expressão “Estado”, obviamente, traduz-se em um conceito lato sensu, abrangendo União, Estados, Distrito Federal e Municípios. Portanto, sob os aspectos da competência e material, não há óbices à tramitação do Projeto de Lei nº 025/2018. No entanto, embora louvável o seu objeto, a proposta contém vício de iniciativa. Para os fins do direito municipal, relevante é a observância das normas previstas na Constituição Estadual no que diz respeito à iniciativa para o processo legislativo, uma vez que, em caso de eventual controle de constitucionalidade, o parâmetro para a análise da conformidade vertical se dá em relação ao disposto na Constituição Gaúcha, conforme preveem o artigo 125, § 2º, da CF/88 e o artigo 95, XII, alínea “d”, da CE/RS. Nesse caso, refere o artigo 60 da Constituição Estadual:
Igualmente, dispõe a Lei Orgânica do Município de Guaíba sobre as hipóteses de competência privativa do Prefeito:
A Lei Orgânica Municipal também reserva a iniciativa da matéria ao Prefeito, em seu artigo 119, II, configurando-se caso de violação formal subjetiva do processo legislativo, por interferir na organização e nas obrigações do Poder Executivo:
Verifica-se que a matéria ofende a chamada reserva de administração, insculpida no artigo 61, § 1º, da Constituição Federal e no artigo 60 da Constituição Estadual, decorrência do conteúdo nuclear do princípio da separação de poderes (CF, artigo 2º), ao dispor a respeito da organização dos serviços públicos educacionais, o que cabe ao Executivo legislar. O propósito do Projeto de Lei nº 025/2018, de autoria do Vereador Dr. João Collares, apesar de ser digna de lauda quanto ao mérito, visa estabelecer obrigações ao Poder Executivo quanto à organização dos seus serviços de educação, invadindo a iniciativa privativa do Chefe do Executivo Municipal, prevista no referido artigo 61, § 1º, da Constituição Federal, aplicável por simetria aos demais entes federados. Veja-se a jurisprudência do STF:
Ademais, destaca-se que a fórmula das típicas leis autorizativas (“Fica o Poder Executivo autorizado a...”), quando veicule matéria para a qual haja competência privativa de outra autoridade, também é contaminada por inconstitucionalidade formal, porque a lei, enquanto norma genérica, abstrata, imperativa e coercitiva, não admite simples concessões. Assim, mesmo quando meramente autorizativa, a lei transmite uma ordem a ser necessariamente cumprida:
Desse modo, o Projeto de Lei nº 025/2018, de autoria parlamentar, invade a esfera de competências do Poder Executivo, eis que o “autoriza” a reservar vagas da educação infantil aos filhos de agentes da segurança pública, decisão que lhe é própria por interferir diretamente na organização da educação municipal. Conclusão:Diante do exposto, a Procuradoria orienta pela possibilidade de o Presidente, por meio de despacho fundamentado, devolver ao autor a proposição em epígrafe, em razão de vício de iniciativa caracterizado com base no artigo 61, § 1º, da Constituição Federal, no artigo 60, II, alínea “d”, da Constituição Estadual, e nos artigos 52, VI e X, e 119, II, da Lei Orgânica Municipal. Guaíba, 06 de março de 2018. GUSTAVO DOBLER Procurador OAB/RS nº 110.114B O Documento ainda não recebeu assinaturas digitais no padrão ICP-Brasil. |
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