PARECER JURÍDICO |
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"Acrescenta o artigo 140-F ao Título VII-A da Lei Municipal nº 1.027/1990 – Código de Posturas de Guaíba" 1. Relatório:A Vereadora Fernanda Garcia apresentou o Projeto de Lei nº 010/2018 à Câmara Municipal, objetivando tornar obrigatória a disponibilidade de cadeiras de rodas motorizadas com cesto acondicionador de compras em supermercados com área igual ou superior a 1.000m². A proposta foi encaminhada à Procuradoria para análise nos termos do artigo 105 do Regimento Interno da Câmara Municipal. 2. Parecer:O artigo 18 da Constituição Federal de 1988, inaugurando o tema da organização do Estado, prevê que “A organização político-administrativa da República Federativa do Brasil compreende a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, todos autônomos, nos termos desta Constituição.” O termo “autonomia política”, sob o ponto de vista jurídico, congrega um conjunto de capacidades conferidas aos entes federados para instituir a sua organização, legislação, a administração e o governo próprios. A auto-organização dos Municípios está disciplinada, originariamente, no artigo 29, caput, da Constituição Federal, que prevê: “O Município reger-se-á por lei orgânica, votada em dois turnos, com o interstício mínimo de dez dias, e aprovada por dois terços dos membros da Câmara Municipal, que a promulgará, atendidos os princípios estabelecidos na Constituição, na Constituição do respectivo Estado e os seguintes preceitos”. O autogoverno se expressa na existência de representantes próprios dos Poderes Executivo e Legislativo em âmbito municipal – Prefeito, Vice-Prefeito e Vereadores –, que são eleitos diretamente pelo povo. A autoadministração e a autolegislação contemplam o conjunto de competências materiais e legislativas previstas na Constituição Federal. A respeito da autoadministração e da autolegislação, transcreve-se o artigo 30 da Constituição Federal, que enumera algumas das competências dos Municípios:
A garantia trazida na proposta se insere na definição de interesse local. Isso porque o Projeto de Lei nº 010/2018, além de veicular matéria de relevância para o Município, não atrelada às competências privativas da União (CF, art. 22), estabelece um meio de garantia do conforto e da segurança de pessoas com condição física específica, o que se encontra no âmbito do direito à acessibilidade, dever de todos os entes federados. Além disso, a CE/RS, no artigo 13, I, já estabelece um rol de competências deferidas aos Municípios, entre as quais está a de “exercer o poder de polícia administrativa nas matérias de interesse local, tais como proteção à saúde, aí incluídas a vigilância e a fiscalização sanitárias, e proteção ao meio-ambiente, ao sossego, à higiene e à funcionalidade, bem como dispor sobre as penalidades por infração às leis e regulamentos locais.” No presente caso, a medida está inserida no âmbito das posturas municipais, cuja competência para definição é do Município. No que diz respeito à iniciativa para deflagrar o processo legislativo, mais relevante ainda é a observância das normas previstas na Constituição Estadual, uma vez que, em caso de eventual controle de constitucionalidade, o parâmetro para a análise da conformidade vertical se dá em relação ao disposto na Constituição Gaúcha, conforme preveem o artigo 125, § 2º, da CF/88 e o artigo 95, XII, alínea “d”, da CE/RS. Apenas excepcionalmente o parâmetro da constitucionalidade será a Constituição Federal, desde que se trate de normas constitucionais de reprodução obrigatória (STF, RE nº 650.898/RS). Nesse caso, refere o artigo 60 da Constituição Estadual:
Verifica-se, no caso, que não há qualquer limitação constitucional à propositura de projeto de lei por vereador versando sobre a matéria, tendo em vista que os dispositivos constitucionais não estabelecem a reserva de iniciativa para o tema tratado. Quanto à matéria de fundo, também não há qualquer óbice à proposta. Convém lembrar que o objetivo primordial do Projeto de Lei nº 010/2018 é garantir, através da legislação local, o direito à acessibilidade dos portadores de deficiência física nos supermercados, permitindo-lhes efetuar compras e conduzir as mercadorias como qualquer outra pessoa. O Decreto nº 6.949, de 25 de agosto de 2009, que promulgou a Convenção internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e seu Protocolo Facultativo – norma que, aliás, possui o status de emenda constitucional –, prevê, no artigo 4º, 1, que “Os Estados Partes se comprometem a assegurar e promover o pleno exercício de todos os direitos humanos e liberdades fundamentais por todas as pessoas com deficiência, sem qualquer tipo de discriminação por causa de sua deficiência”, comprometendo-se a: “a) Adotar todas as medidas legislativas, administrativas e de qualquer outra natureza, necessárias para a realização dos direitos reconhecidos na presente Convenção.” No âmbito infraconstitucional, a Lei nº 13.146/2015, que instituiu a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência, estabelece, no artigo 2º: “Considera-se pessoa com deficiência aquele que tem impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, o qual, em interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas.” Sobre a garantia da acessibilidade, importante destacar o disposto no artigo 8º da Lei Federal nº 13.146/2015, que prevê o dever do Estado, em sentido amplo, de concretizar esse direito às pessoas portadoras de deficiência:
Assim, embora haja, na legislação federal, o dever genérico estatal de garantir a acessibilidade às pessoas portadoras de deficiência, a intenção da legisladora, nesse caso, é instituir verdadeira obrigação concreta às empresas que possuem estabelecimentos de supermercado com área igual ou superior a 1000m², de modo a tornar efetivos os direitos fundamentais já relacionados, o que, como se vê, é juridicamente viável. Quanto ao ponto levantado pelo IGAM no sentido de ser inadequado o projeto de lei por não assumir a forma que lhe é exigida – de lei complementar –, percebe-se equívoco manifesto do órgão de assessoramento técnico, visto ter sido claramente adotada a espécie legislativa exigida para a hipótese (fl. 3). Inclusive, lembra-se que, para a tramitação regular do Projeto de Lei nº 010/2018 sob a forma de alteração do Código de Posturas, são necessárias a ampla divulgação, que pode ser feita no site da Câmara de Vereadores e/ou em jornal local, para o recebimento de sugestões da comunidade, e a aprovação por maioria absoluta, nos termos do artigo 46 da Lei Orgânica Municipal. Por fim, quanto ao aspecto da técnica legislativa, embora o IGAM tenha sugerido algumas alterações, tais mudanças em nada afetam o entendimento da proposta e também não configuram erro na formulação, tratando-se de mero estilo. A Lei Complementar Federal nº 95/98 não traz qualquer dispositivo que contrarie a forma utilizada para a redação. Conclusão:Diante do exposto, a Procuradoria opina pela legalidade e pela regular tramitação do Projeto de Lei nº 010/2018, desde que respeitadas as exigências do artigo 46 da Lei Orgânica Municipal: ampla divulgação para o recebimento de sugestões e aprovação por maioria absoluta dos membros da Câmara Municipal. Guaíba, 27 de fevereiro de 2018. GUSTAVO DOBLER Procurador OAB/RS nº 110.114B O Documento ainda não recebeu assinaturas digitais no padrão ICP-Brasil. |
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