Câmara de Vereadores de Guaíba

PARECER JURÍDICO

PROCESSO : Projeto de Lei do Legislativo n.º 152/2017
PROPONENTE : Ver. Alex Medeiros e Ver. Miguel Crizel
     
PARECER : Nº 024/2018
REQUERENTE : Comissão de Constituição, Justiça e Redação

"Altera o Art. 1º da Lei nº 3.583 de 07 de novembro de 2017 que "Institui o Dia da Marcha para Jesus""

1. Relatório:

Os Vereadores Miguel Crizel e Alex Medeiros apresentaram o Projeto de Lei nº 152/17 à Câmara Municipal, objetivando alterar o artigo 1º da Lei Municipal nº 3.583, de 07 de novembro de 2017, que instituiu o Dia da Marcha para Jesus. A proposta foi encaminhada à Procuradoria pela Presidência da Câmara para análise nos termos do artigo 105 do Regimento Interno. 

2. Parecer:

Quanto à competência, não há qualquer óbice à proposta. Conforme dispõe o artigo 30, I, da Constituição Federal de 1988, “Compete aos Municípios legislar sobre assuntos de interesse local.” No mesmo sentido, o artigo 6º, I, da Lei Orgânica do Município de Guaíba refere que “Ao Município compete prover a tudo quanto diga respeito ao seu peculiar interesse e ao bem estar de sua população, cabendo-lhe privativamente, dentre outras, as seguintes atribuições: legislar sobre assunto de interesse local.”

O Projeto de Lei nº 152/2017 se insere, efetivamente, na definição de interesse local, na medida em que apenas altera dispositivo da Lei Municipal nº 3.583/17, modificando a data de comemoração da festividade. Como se sabe, a fixação de datas festivas em âmbito municipal atende ao interesse local porque busca homenagear setores, grupos ou atividades relevantes para a comunidade, incentivando a reflexão.

O IGAM, na orientação técnica nº 16.677/2017, referiu que a proposta afronta o princípio da laicidade da República Federativa do Brasil, uma vez que, por imposição do artigo 19 da Constituição Federal de 1988, é vedado ao Estado praticar atos de fundo religioso, promovendo e incentivando determinados cultos em detrimento dos demais, exceto quando tais ações forem justificáveis sob o ponto de vista cultural.

Ocorre que, renovando os argumentos do parecer jurídico lavrado por ocasião do Projeto de Lei nº 105/2017, não se pode confundir os conceitos de laicidade e laicismo. O primeiro é a característica de determinados Estados adotarem uma posição de neutralidade em relação às manifestações religiosas, ou seja, embora estejam proibidos de subvencionar financeiramente os atos religiosos, devem respeitá-los em função da liberdade de crença. O segundo conceito, mais radical, legitima posturas de intolerância pelo Estado, que vê as manifestações religiosas de forma negativa, proibindo-as completamente.

A República Federativa do Brasil, alinhada à teoria dos direitos fundamentais de primeira dimensão, é neutra em relação aos atos religiosos, não adotando religião oficial, porém não vedando que se realizem essas manifestações. Resumidamente, nos termos do artigo 5º, VI, da CF, “é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias.”

Portanto, a laicidade do Estado brasileiro não se confunde com laicismo, não havendo qualquer óbice à realização de atos religiosos. O limite da garantia da liberdade religiosa pelo Estado encontra previsão no artigo 19, I, da CF, o qual estabelece ser vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios “estabelecer cultos religiosos ou igrejas, subvencioná-los, embaraçar-lhes o funcionamento ou manter com eles ou seus representantes relações de dependência ou aliança, ressalvada, na forma da lei, a colaboração de interesse público.” Veda-se, assim, a aplicação de recursos públicos para a promoção de atos religiosos, ressalvado o caso de colaboração de interesse público, mas não há proibição a que se institua mera data comemorativa em âmbito local, desde que não sejam impostos encargos ao Município, que adota posição inerte quanto aos atos religiosos. O Poder Público poderia, por mera liberalidade, apoiar a realização do evento através da organização das vias públicas ou da segurança em geral, evitando que ocorram tumultos, mas desde que não assuma o papel de promotor da festividade, com subvenções públicas.

A laicidade da República Federativa do Brasil – que, como visto, nada tem a ver com intolerância religiosa – convive harmoniosamente com outros dispositivos constitucionais que se referem à religião. Inicialmente, o preâmbulo invoca a proteção de Deus para a promulgação da Constituição Federal. O artigo 5º, nos incisos VI, VII e VIII, por sua vez, assegura a liberdade de crença, a prestação de assistência religiosa nas entidades de internação coletiva e a vedação à privação de direitos por motivo de crença religiosa.

O artigo 143, nos § 1º e § 2º, estabelece isenção do serviço militar obrigatório em tempo de paz aos eclesiásticos e a obrigatoriedade de atribuir serviço alternativo aos que, em tempo de paz, alegarem “imperativo de consciência”, entendendo-se como tal o decorrente de crença religiosa ou de convicção filosófica ou política.

Além disso, o artigo 150, VI, “b”, como forma de garantir a liberdade de crença, assegurou imunidade tributária de impostos aos templos de qualquer culto. O artigo 210, por sua vez, prevê o ensino religioso como disciplina de matrícula facultativa e o artigo 226, § 2º, afirma a produção de efeitos civis ao casamento religioso.

Deve-se lembrar, ainda, que o artigo 23, III, da CF/88 prevê a competência material comum entre todos os entes federados para “proteger os documentos, as obras e outros bens de valor histórico, artístico e cultural, os monumentos, as paisagens naturais notáveis e os sítios arqueológicos.”

É inegável que a formação cultural do povo brasileiro e de praticamente todas as comunidades em âmbito internacional sofreu forte influência religiosa, tratando-se de um fruto do processo histórico de constituição dos povos. Além do caráter religioso, a proposta analisada tem um cunho marcadamente cultural, por dizer respeito a um sujeito que integra a identidade do povo brasileiro, enquanto nação predominantemente católica. É com base em tais fundamentos que já foram promulgadas, em âmbito nacional, as Leis nº 11.532/07 e 12.025/09, que instituíram, respectivamente, o “Dia Nacional do Frei Sant’Anna Galvão” e o “Dia Nacional da Marcha para Jesus”, figuras que, embora possuam um fundo religioso, revelam-se muito mais como protagonistas de manifestações culturais, já que referenciadas como “datas comemorativas”. No Estado do Rio Grande do Sul, a data comemorativa “Marcha para Jesus” foi instituída por meio da Lei Estadual nº 14.848, de 30 de março de 2016.

Desse modo, não vejo obstáculos para que sejam reconhecidas, como datas comemorativas, manifestações ou objetos que, apesar de possuírem fundo religioso, façam parte da identidade cultural e do processo de formação histórica do povo brasileiro, independentemente da religião a que se refiram, desde que não haja subvenção desses atos pelo Estado, considerando a vedação do artigo 19, I, da CF/88.

Como o objeto específico do Projeto de Lei nº 152/2017 é a simples alteração do dia em que se comemora a festividade, sem qualquer referência a atos de subvenção pelo Poder Público, não há qualquer vício que impeça a sua aprovação. 

Conclusão:

Diante do exposto, a Procuradoria opina pela legalidade e pela regular tramitação do Projeto de Lei nº 152/2017, por inexistirem vícios de natureza material ou formal que impeçam a sua deliberação em Plenário.

É o parecer.

Guaíba, 27 de fevereiro de 2018.

GUSTAVO DOBLER

Procurador

OAB/RS nº 110.114B



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