PARECER JURÍDICO |
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"Garante ao cidadão o sigilo necessário quando apresentar denúncia no setor público municipal responsável pela fiscalização pertinente a cada caso." 1. Relatório:O Vereador Manoel Eletricista apresentou o Projeto de Lei nº 119/2017 à Câmara Municipal, objetivando garantir ao cidadão o sigilo necessário quando apresentar denúncia ao setor público municipal responsável pela fiscalização pertinente a cada caso. Encaminhado à Comissão de Justiça e Redação, o projeto de lei foi remetido a esta Procuradoria, para parecer jurídico. 2. Parecer:O artigo 18 da Constituição Federal de 1988, inaugurando o tema da organização do Estado, prevê que “A organização político-administrativa da República Federativa do Brasil compreende a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, todos autônomos, nos termos desta Constituição.” O termo “autonomia política”, sob o ponto de vista jurídico, congrega um conjunto de capacidades conferidas aos entes federados para instituir a sua organização, legislação, a administração e o governo próprios. A autoadministração e a autolegislação, contemplando o conjunto de competências materiais e legislativas previstas na Constituição Federal para os Municípios, é tratada no artigo 30 da Lei Maior, nos seguintes termos:
A medida que se pretende instituir no âmbito do Município de Guaíba se insere, efetivamente, na definição de interesse local. Isso porque a matéria veiculada na proposta diz respeito aos aspectos do funcionamento da administração municipal quanto ao recebimento de denúncias sobre transgressões locais, o que tem repercussão meramente local, com predominância de interesse municipal. Porém, embora louvável o seu objeto, o PL 119/17 contém vício de iniciativa. O sistema constitucional brasileiro se estruturou no princípio da tripartição dos poderes, na forma do artigo 2º da CF/88, de observância obrigatória pelos Estados, Distrito Federal e Municípios, tendo sido distribuídas funções típicas e atípicas aos poderes Legislativo, Executivo e Judiciário, os quais, entre si, são independentes e harmônicos. A mesma norma que institui a separação dos poderes proíbe ingerências indevidas de um poder sobre outro, de forma a garantir a já referida harmonia, motivo pelo qual a Constituição Federal estabeleceu determinadas matérias para as quais há reserva de iniciativa ao Chefe do Poder Executivo, por dizerem respeito a questões de organização administrativa e, especialmente, que estão sob o controle e gerenciamento do titular desse poder. Na CF/88, a reserva de iniciativa está prevista no artigo 61, § 1º, repetida na CE/RS pelo artigo 60, os quais preveem os inúmeros casos em que apenas o Chefe do Poder Executivo poderá deflagrar o processo legislativo. Por serem normas restritivas, tão somente essas hipóteses são reservadas ao Executivo; os demais casos são de iniciativa concorrente, garantindo-se a legitimidade das propostas por parte de membros do Legislativo. Ocorre que essas normas são demasiadamente amplas e carregam conceitos genéricos (“organização administrativa”, “servidores públicos”, “criação, estruturação e atribuições das Secretarias e órgãos da administração pública”, “serviços públicos”), tornando-se quase impossível, na prática, a atividade legislativa por iniciativa parlamentar para atribuir obrigações ao Poder Executivo, porque geralmente esbarram na reserva de iniciativa legitimada pelo princípio da separação dos poderes. No caso em análise, embora indiscutível o mérito, o objeto da proposta trata de medidas que devem ser tomadas pelo Poder Executivo quanto ao processamento de denúncias de infrações às posturas municipais, inclusive com ordem para providenciar formulário diferenciado para os casos de denúncia sigilosa. Caracteriza-se, por conta de tais determinações, interferência nos atos de organização administrativa, os quais competem apenas ao Chefe do Executivo. Nessa linha, é importante lembrar que, nos termos do artigo 61, § 1º, inc. II, alínea “b”, da CF/88, é privativa do Chefe do Executivo a iniciativa para projetos que disponham sobre organização administrativa, o mesmo se aplicando ao Estado e aos Municípios por força, também, do artigo 82, inc. III e VII, da CE/RS. Ainda, para os fins do direito municipal, relevante é a observância das normas previstas na Constituição Estadual no que diz respeito à iniciativa para o processo legislativo, uma vez que, em caso de eventual controle de constitucionalidade, o parâmetro para a análise da conformidade vertical se dá em relação ao disposto na Constituição Gaúcha, conforme preveem o artigo 125, § 2º, da CF e o artigo 95, XII, alínea “d”, da CE. Nesse caso, refere o artigo 60 da Constituição Estadual:
Na mesma linha, dispõe, ainda, a Lei Orgânica do Município de Guaíba sobre as hipóteses de competência privativa do Prefeito:
Destarte, apesar de ser honrosa sob o ponto de vista material, a proposta não poderia ter sido apresentada por membro do Poder Legislativo, uma vez que a iniciativa para projetos dessa natureza é privativa do Chefe do Executivo, enquanto responsável pela organização administrativa municipal, podendo ser ordenado o resguardo do sigilo, pelo Prefeito, até mesmo por ato administrativo de efeitos internos, sem necessidade de aprovação de lei. A propósito da matéria, destaca-se a jurisprudência:
Assim, embora sejam admiráveis a justificativa e os termos da proposta, o Projeto de Lei nº 119/17 contém vício de iniciativa, por dispor sobre questão atinente à organização administrativa própria do Executivo, matéria de iniciativa reservada ao Prefeito, nos termos do artigo 61, § 1º, II, “b”, da CF/88 e do artigo 82, inc. III e VII, da CE/RS. Nada impede, contudo, que a proposta seja remetida ao Executivo sob a forma de indicação, com base no artigo 114 do Regimento Interno da Câmara Municipal de Guaíba, para que, pela via política, o Prefeito apresente o mesmo projeto ao Legislativo, afastando, assim, a ocorrência do vício de iniciativa, ou implemente a medida através de decreto. Conclusão:Diante do exposto, seguindo as linhas da orientação técnica nº 28.092/2017 do IGAM, a Procuradoria opina pela inviabilidade jurídica do Projeto de Lei nº 119/2017, pela ocorrência de vício de iniciativa, nada impedindo, contudo, que seja remetido ao Executivo sob a forma de indicação (artigo 114 do RI). Guaíba, 22 de dezembro de 2017. GUSTAVO DOBLER Procurador Jurídico O Documento ainda não recebeu assinaturas digitais no padrão ICP-Brasil. |
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