PARECER JURÍDICO |
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"Dispõe sobre a obrigatoriedade de cumprimento da reserva de empregos para beneficiários reabilitados ou para pessoas com deficiência, prevista na legislação federal, pelas empresas que contratarem com a Administração Pública Municipal." 1. Relatório:A Vereadora Fernanda Garcia apresentou o Projeto de Lei nº 142/2017 à Câmara Municipal, objetivando dispor sobre a obrigatoriedade de cumprimento da reserva de empregos para beneficiários reabilitados ou para pessoas com deficiência, prevista na legislação federal, pelas empresas que contratarem com a Administração Pública Municipal. Encaminhado à Comissão de Justiça e Redação, o projeto de lei foi remetido a esta Procuradoria, para parecer jurídico. 2. Parecer:O IGAM, na orientação técnica nº 30.639/2017, sustentou a inconstitucionalidade do Projeto de Lei nº 142/2017 em três pontos: a) violação da regra de competência prevista no artigo 22, inc. I, da CF/88, que defere a competência para legislar sobre direito do trabalho apenas à União; b) reserva de iniciativa ao Chefe do Executivo para a proposta, na medida em que se relaciona à organização e funcionamento dos serviços postos à população; c) inconstitucionalidade do artigo 5º, por consistir em ordem dirigida ao Executivo para regulamentar a lei local, ofendendo a independência e a harmonia entre os poderes. Com total respeito às informações do IGAM, a Procuradoria discorda da orientação técnica. a) Da competência legislativa suplementar do Município A forma federativa de Estado adotada pelo Brasil na CF/88 implica, entre outras consequências, a distribuição de competências materiais e legislativas a todos os entes que a compõem, de acordo com o critério da predominância do interesse: as matérias de interesse geral devem ser atribuídas à União; as de interesse regional devem ser entregues aos Estados e ao DF; as de interesse local, por fim, aos Municípios. No que concerne às competências legislativas, a CF/88 as divide em: a) privativa (artigo 22): atende ao interesse nacional, atribuída apenas à União, com possibilidade de outorga aos Estados para legislar sobre pontos específicos, desde que por lei complementar; b) concorrente (artigo 24, caput): atende ao interesse regional, atribuída à União, para legislar sobre normas gerais, e aos Estados e ao DF, para legislar sobre normas específicas; c) exclusiva (artigo 30, I): atende ao interesse local, atribuída aos Municípios; d) suplementar (artigo 24, § 2º, e artigo 30, II): garante aos Estados suplementar a legislação federal, no que couber, bem como aos Municípios fazer o mesmo em relação às leis federais e estaduais; e) remanescente estadual (artigo 25, § 1º): aos Estados são atribuídas as competências que não sejam vedadas pela Constituição; f) remanescente distrital (artigo 32, § 1º): ao DF são atribuídas as competências legislativas reservadas aos Estados e aos Municípios. Embora o IGAM entenda que o Projeto de Lei nº 142/2017 regulamente matéria afeta ao direito do trabalho, tem-se que, na realidade, a proposta dispõe sobre licitações e contratos administrativos, havendo permissivo constitucional para o Município legislar sobre tal assunto. Isso porque, da leitura atenta do projeto, é possível verificar que não se está instituindo a obrigatoriedade de reserva de empregos para beneficiários reabilitados ou pessoas portadoras de deficiências; esse mandamento já consta no artigo 93 da Lei Federal nº 8.213/91, criada pela União no exercício de sua competência legislativa. A proposta em análise, na verdade, dispõe complementarmente sobre licitações e contratos administrativos em âmbito local, criando mecanismo para que se torne efetiva a norma federal, que já institui o dever sobredito. Conforme dispõe o artigo 22, inc. XXVII, da CF/88, compete privativamente à União legislar sobre “normas gerais de licitação e contratação, em todas as modalidades, para as administrações públicas diretas, autárquicas e fundacionais da União, Estados, Distrito Federal e Municípios, obedecido o disposto no art. 37, XXI, e para as empresas públicas e sociedades de economia mista, nos termos do art. 173, § 1º, III”. Veja-se que a competência privativa, nesse caso, vincula-se apenas à edição de normas gerais, inexistindo qualquer impeditivo para que os Estados e Municípios suplementem a legislação federal já existente e que seja relacionada à matéria. Inclusive, a doutrina é pacífica no sentido de que os Estados, o Distrito Federal e os Municípios possuem competência para legislar, de modo suplementar, em relação à Lei Federal nº 8.666/93, desde que não contrariem o previsto nesse diploma. Nessa linha, destaca-se a opinião de Victor Aguiar Jardim de Amorim, autor na Revista Consultor Jurídico (O que "sobra" para estados e municípios na competência de licitações e contratos?):
Deve-se considerar, ainda, que o artigo 54, caput, da Lei Federal nº 8.666/93 dispõe que “Os contratos administrativos de que trata esta Lei regulam-se pelas suas cláusulas e pelos preceitos de direito público, aplicando-se-lhes, supletivamente, os princípios da teoria geral dos contratos e as disposições de direito privado.” Ou seja, a vinculação dos contratos administrativos não ocorre apenas com a Lei Federal nº 8.666/93, mas também a todos os preceitos de direito público – tais como os veiculados nessa proposta – e, subsidiariamente, ao direito privado. Ademais, a competência do Município para legislar, no presente caso, encontra base no artigo 30, inc. II, da CF/88, que lhe outorga poder para suplementar a legislação federal e a estadual no que couber. Portanto, considerando que, ao contrário do que expõe o IGAM, a proposta não institui a reserva de empregos para beneficiários reabilitados ou para pessoas portadoras de deficiência – isto foi criado pela Lei Federal nº 8.213/91, artigo 93 –, tem-se por competente o Município de Guaíba para legislar na hipótese, porque apenas suplementa, dentro dos limites constitucionais, as normas gerais de contratos administrativos e licitações constantes na Lei Federal nº 8.666/93. A propósito, veja-se a jurisprudência do STF sobre a matéria:
Portanto, não prospera a alegação de que o Município não dispõe de competência para legislar sobre a matéria posta no Projeto de Lei nº 142/2017, porque se trata de suplementação, em âmbito local, das normas gerais sobre contratos administrativos. b) Da iniciativa concorrente para legislar sobre a matéria O IGAM, na orientação técnica nº 30.639/2017, referiu que o processo legislativo deveria ter sido deflagrado pelo Chefe do Executivo, por dispor a proposta sobre atos relacionados “à organização e ao funcionamento dos serviços postos à população”, motivo pelo qual não caberia ao Legislativo determinar as medidas apresentadas. Para os fins do direito municipal, importa a observância das normas previstas na Constituição Estadual no que diz respeito à iniciativa para o processo legislativo, uma vez que, em caso de eventual controle de constitucionalidade, o parâmetro para a análise da conformidade vertical se dá em relação ao disposto na Constituição Gaúcha, conforme preveem o artigo 125, § 2º, da CF/88 e o artigo 95, XII, alínea “d”, da CE/RS. Nesse caso, refere o artigo 60 da Constituição Estadual:
Como já restou esclarecido em outros pareceres jurídicos desta Procuradoria, a interpretação do rol de iniciativas privativas do Chefe do Executivo expostas no artigo 60 da Constituição Estadual Gaúcha é estrita, não admitindo interpretação ampliativa, uma vez que, do contrário, ocorreria subversão do esquema de organização funcional da Constituição, o qual garante a iniciativa concorrente como regra geral, só estabelecendo a iniciativa privativa nos casos expressos. À luz de tal orientação, a análise dos termos do Projeto de Lei nº 142/2017 não permite concluir que haja iniciativa privativa do Chefe do Executivo para a matéria. Inicialmente, a proposição não está a tratar da criação de órgãos públicos, da sua estruturação ou das suas atribuições; pelo contrário, a norma é dirigida às empresas que desejem contratar com a Administração Pública Municipal, como deixam claros os dispositivos da proposta. Não há qualquer referência à organização ou ao funcionamento do Município, mas apenas de que cabe às empresas comprovar o cumprimento do artigo 93 da Lei Federal nº 8.213/91 antes e durante a contratação, periodicamente, mediante a entrega de documentação pertinente, estando sujeita à aplicação de multas, caso se verifique não atenderem à obrigação durante a vigência do contrato administrativo. Não há qualquer determinação, por outro lado, para que a Administração Pública adote certas providências quanto a essas empresas. Percebe-se, dessa forma, que a leitura atenta ao Projeto de Lei nº 142/2017 garante o entendimento de que a norma em momento algum se refere às atribuições de órgãos municipais, nem reflete interferência na organização e no funcionamento do Executivo Municipal em termos gerais. A regra, dirigida apenas às empresas interessadas na contratação pública, concretiza efetivamente o comando do artigo 93 da Lei Federal nº 8.213/91, sem usurpar a independência do Poder Executivo. Vale ressaltar, por fim, que recentemente o Município de Sorocaba aprovou projeto de lei nos mesmos termos propostos no PL 142/2017, sendo promulgada a Lei Municipal nº 11.537, de 21 de junho de 2017, em consideração aos mesmos fundamentos expostos no presente parecer jurídico. Assim, reitera-se a constitucionalidade da proposição. c) Da constitucionalidade do artigo 5º do PL 142/2017 Para defender a inconstitucionalidade do artigo 5º, o IGAM tomou por base acórdão do TJRS em que foi declarada a inconformidade de dispositivo legal que determinou prazo ao Executivo para a regulamentação da lei local: “Ainda, apresenta vício de inconstitucionalidade o artigo 2º da referida lei, que ‘determina’ prazo para o cumprimento da medida. Com tal expressão, a Câmara efetivamente emitiu uma ordem, criou uma obrigação ao Poder Executivo, o que não é aceitável em face do princípio da harmonia e independência entre os poderes, inscrito no art. 10 da Constituição Estadual.” Entretanto, a situação é diversa no caso. Não houve a estipulação de prazo para a regulamentação da norma pelo Poder Executivo; apenas foi ressaltada a possibilidade de que seja detalhada, em ato administrativo normativo (decreto), a aplicação das normas a serem instituídas, o que não revela qualquer inconstitucionalidade, porquanto preservada a independência do Poder Executivo para, havendo conveniência, disciplinar a lei local. Conclusão:Diante do exposto, em que pese a respeitável orientação técnica nº 30.639/2017 do IGAM, a Procuradoria opina pela legalidade e pela regular tramitação do Projeto de Lei nº 142/2017, por inexistirem vícios de natureza material ou formal que impeçam a sua deliberação em Plenário. É o parecer. Guaíba, 22 de dezembro de 2017. GUSTAVO DOBLER JULIA ZANATA DAL OSTO Procurador Jurídico Procuradora O Documento ainda não recebeu assinaturas digitais no padrão ICP-Brasil. |
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