Câmara de Vereadores de Guaíba

PARECER JURÍDICO

PROCESSO : Projeto de Lei do Legislativo n.º 122/2017
PROPONENTE : Ver.ª Claudinha Jardim
     
PARECER : Nº 425/2017
REQUERENTE : Comissão de Constituição, Justiça e Redação

"Cria o Programa de Prevenção e Combate ao Bullying nas Escolas Municipais"

1. Relatório:

A Vereadora Claudinha Jardim apresentou o Projeto de Lei nº 122/2017 à Câmara Municipal, dispondo sobre a criação do Programa de Prevenção e Combate ao Bullying nas Escolas Municipais. Encaminhado à Comissão de Justiça e Redação, o projeto foi remetido a esta Procuradoria, para parecer jurídico. 

2. Parecer:

O artigo 18 da Constituição Federal de 1988, inaugurando o tema da organização do Estado, prevê que “A organização político-administrativa da República Federativa do Brasil compreende a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, todos autônomos, nos termos desta Constituição.” O termo “autonomia política”, sob o ponto de vista jurídico, congrega um conjunto de capacidades conferidas aos entes federados para instituir a sua organização, legislação, a administração e o governo próprios.

A autoadministração e a autolegislação, contemplando o conjunto de competências materiais e legislativas previstas na Constituição Federal para os Municípios, é tratada no artigo 30 da Lei Maior, nos seguintes termos:

Art. 30. Compete aos Municípios:

I - legislar sobre assuntos de interesse local;

II - suplementar a legislação federal e a estadual no que couber;

III - instituir e arrecadar os tributos de sua competência, bem como aplicar suas rendas, sem prejuízo da obrigatoriedade de prestar contas e publicar balancetes nos prazos fixados em lei;

IV - criar, organizar e suprimir distritos, observada a legislação estadual;

V - organizar e prestar, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, os serviços públicos de interesse local, incluído o de transporte coletivo, que tem caráter essencial;

VI - manter, com a cooperação técnica e financeira da União e do Estado, programas de educação infantil e de ensino fundamental; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 53, de 2006)

VII - prestar, com a cooperação técnica e financeira da União e do Estado, serviços de atendimento à saúde da população;

VIII - promover, no que couber, adequado ordenamento territorial, mediante planejamento e controle do uso, do parcelamento e da ocupação do solo urbano;

IX - promover a proteção do patrimônio histórico-cultural local, observada a legislação e a ação fiscalizadora federal e estadual.

As medidas de prevenção e de combate que se pretendem instituir no âmbito do Município de Guaíba se inserem, efetivamente, na definição de interesse local. Isso porque, além de veicular matéria de competência material do Município (artigo 227, CF), não atrelada às competências legislativas privativas da União (artigo 22, CF), o Projeto de Lei nº 122/17 estabelece meios de proteção à infância e à juventude contra a prática de atos de violência física ou psicológica intencionais e repetitivos, cabendo ao Estado, à família e à sociedade coibir tais condutas de modo absolutamente prioritário.

Quanto à matéria de fundo, também não há qualquer óbice à proposta. Convém lembrar que o objetivo primordial do Projeto de Lei nº 122/2017 é promover a proteção dos interesses das crianças e dos adolescentes, por meio de medidas de prevenção e de combate ao bullying, o que se alinha aos deveres estabelecidos na Constituição.

O artigo 227, caput, da Constituição Federal prevê que “É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.” A expressão “Estado”, obviamente, traduz-se em um conceito lato sensu, abrangendo União, Estados, Distrito Federal e Municípios.

Mais especificamente, o Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei nº 8.069/90), atendendo às diretrizes constitucionais, estabeleceu um verdadeiro conjunto de normas destinadas à proteção integral e absoluta das crianças e dos adolescentes, que passaram a ser tratadas como efetivos sujeitos de direitos. Os artigos 3º, 4º e 5º do referido Estatuto indicam, resumidamente, todos os direitos garantidos às crianças e adolescentes. Veja-se:

Art. 3º A criança e o adolescente gozam de todos os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, sem prejuízo da proteção integral de que trata esta Lei, assegurando-se-lhes, por lei ou por outros meios, todas as oportunidades e facilidades, a fim de lhes facultar o desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social, em condições de liberdade e de dignidade.

Art. 4º É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do poder público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária.

Art. 5º Nenhuma criança ou adolescente será objeto de qualquer forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão, punido na forma da lei qualquer atentado, por ação ou omissão, aos seus direitos fundamentais.

É perceptível, pois, que as medidas pretendidas no Projeto de Lei nº 122/2017 são compatíveis com os interesses defendidos na Constituição Federal e no Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei nº 8.069/90).

Ocorre que o Projeto de Lei nº 122/2017, para não conter vício de iniciativa, precisa ser ajustado em parte. Para os fins do direito municipal, relevante é a observância das normas previstas na Constituição Estadual no que diz respeito à iniciativa para o processo legislativo, uma vez que, em caso de eventual controle de constitucionalidade, o parâmetro para a análise da conformidade vertical se dá em relação ao disposto na Constituição Gaúcha, conforme preveem o artigo 125, § 2º, da CF/88 e o artigo 95, XII, alínea “d”, da CE/RS. Nesse caso, refere o artigo 60 da Constituição Estadual:

Art. 60.  São de iniciativa privativa do Governador do Estado as leis que:

I - fixem ou modifiquem os efetivos da Brigada Militar e do Corpo de Bombeiros Militar; (Redação dada pela Emenda Constitucional n.º 67, de 17/06/14)

II - disponham sobre:

a) criação e aumento da remuneração de cargos, funções ou empregos públicos na administração direta ou autárquica;

b) servidores públicos do Estado, seu regime jurídico, provimento de cargos, estabilidade e aposentadoria de civis, e reforma ou transferência de militares para a inatividade;

c) organização da Defensoria Pública do Estado;

d) criação, estruturação e atribuições das Secretarias e órgãos da administração pública.

Vale destacar que o mero fato de gerar novas despesas ao Poder Executivo não obstaculiza a tramitação de projetos de lei, desde que haja previsão do programa na lei orçamentária anual, na forma do artigo 154, I, da CE/RS e do artigo 167, I, da CF/88. Inclusive, o Supremo Tribunal Federal já pacificou o entendimento de que “Não usurpa a competência privativa do chefe do Poder Executivo lei que, embora crie despesa para a Administração Pública, não trata da sua estrutura ou da atribuição de seus órgãos nem do regime jurídico de servidores públicos.” (ARE nº 878.911/RJ, Rel.: Min. Gilmar Mendes, p. em 11/10/2016).

Contudo, conforme bem destacou o IGAM na orientação técnica nº 28.561/17, “no caso concreto, encontram-se presentes atribuições criadas para órgão do Poder Executivo, precisamente a Secretaria Municipal de Educação, verificando-se o vício de iniciativa...” Na análise da Procuradoria, há previsão de atribuições aos órgãos do Executivo nos artigos 7º e 9º, uma vez que está sendo determinada a criação de um serviço de atendimento telefônico para o recebimento de denúncia de atos que caracterizem bullying, o que demandará a movimentação de servidores, de equipamentos ou, porventura, até a criação de um setor específico, o que cabe apenas ao Executivo decidir, dentro de suas possibilidades financeiras e de pessoal. Ademais, a ordem para que o Regimento Escolar, ato próprio de regulamentação das atividades escolares, defina ações preventivas, medidas disciplinares e responsabilidades da direção da escola em relação às ocorrências revela interferência na organização das escolas, as quais possuem natureza de órgãos públicos, cujas estruturação e criação de regras não competem ao Poder Legislativo.

No âmbito municipal, cabe lembrar, ainda, que a Lei Orgânica de Guaíba estabelece as hipóteses de competência privativa do Prefeito, nos seguintes termos:

Art. 52 - Compete privativamente ao Prefeito:

(...)

VI – dispor sobre a organização e o funcionamento da Administração Municipal, na forma da Lei;

Em âmbito federal, a Lei nº 13.185, de 06 de novembro de 2015, institui o Programa de Combate à Intimidação Sistemática (Bullying), prevendo diretrizes e estabelecendo regras para a prevenção e o combate dessa prática. Por se tratar de norma federal, o seu alcance atinge todo o território nacional, sendo possível, no caso de Guaíba, aliar a norma local que se pretende aprovar com o programa nacional, garantindo maior efetividade.

Portanto, para que não haja violação à reserva de iniciativa do Chefe do Poder Executivo, sugere-se a apresentação do substitutivo que segue, também adequado à técnica legislativa prevista na Lei Complementar Federal nº 95/98:

SUBSTITUTIVO AO PROJETO DE LEI Nº 122/2017

Cria o Programa de Prevenção e Combate ao Bullying nas Escolas Municipais.

Art. 1º Fica estabelecida a criação do Programa de Prevenção e Combate ao Bullying, de ação multidisciplinar e participação comunitária, nas escolas da rede municipal de educação.

Parágrafo único. Entende-se por bullying as atitudes de violência física ou psicológica intencionais e repetitivas, presenciais ou virtuais, manifestadas por um indivíduo, ou grupos de indivíduos, contra uma ou mais pessoas, com o objetivo de intimidar ou agredir, causando dor e angústia à vítima, em uma relação de desequilíbrio de poder entre as partes envolvidas.

Art. 2º Para os efeitos desta Lei, o bullying classifica-se em:

I - agressão psicológica;

II - exclusão social;

III - agressão física;

IV - agressão sexual.

Art. 3º O bullying evidencia-se nos seguintes atos de intimidação, humilhação e discriminação, entre outros:

I - insultos pessoais;

II - comentários pejorativos;

III - ataques físicos;

IV - grafitagens depreciativas;

V - expressões ameaçadoras, preconceituosas, homofóbicas e intolerantes;

VI - isolamento social;

VII - ameaças;

VIII - submissão, pela força, a condição humilhante;

IX - destruição proposital de bens alheios;

X - utilização de recursos tecnológicos que provoque sofrimento psicológico a outrem, dando origem ao cyberbullying.

Art. 4º São objetivos do Programa de que trata esta Lei:

I - organizar atividades, eventos ou gestos de solidariedade para com pessoas físicas e entidades assistenciais ou filantrópicas;

II - evitar tanto quanto possível a punição dos agressores, privilegiando mecanismos alternativos como, por exemplo, os "círculos restaurativos", a fim de promover sua efetiva responsabilização e mudança de comportamento;

III - prevenir e combater a prática de bullying nas escolas;

IV - capacitar docentes e equipe pedagógica para a implementação das ações de discussão, prevenção, orientação, conciliação e solução dos casos de bullying;

V - incluir, no projeto político-pedagógico da escola, após ampla discussão, medidas de conscientização, prevenção e combate ao bullying;

VI - observar, analisar e identificar eventuais praticantes e vítimas de bullying nas escolas;

VII - desenvolver campanhas educativas, informativas e de conscientização, inclusive esclarecendo sobre os aspectos éticos e legais que envolvem o bullying;

VIII - valorizar as individualidades, canalizando as diferenças para a melhora da autoestima dos estudantes;

IX - integrar a comunidade, as organizações da sociedade e os meios de comunicação nas ações multidisciplinares de combate ao bullying;

X - realizar palestras, debates e reflexões a respeito do bullying, com ensinamentos que visem à convivência harmônica na escola;

XI - promover um ambiente escolar seguro e sadio, incentivando a tolerância e o respeito mútuo;

XII - propor dinâmicas de integração entre alunos e professores;

XIII - estimular a amizade, a solidariedade, a cooperação e o companheirismo no ambiente escolar;

XIV - orientar pais e familiares sobre como proceder diante da prática de bullying;

XV - auxiliar vítimas, agressores e seus familiares, a partir de levantamentos específicos, sobre os valores, as condições e as experiências prévias correlacionadas à prática do bullying, de modo a conscientizá-los a respeito das consequências de seus atos e a garantir um convívio respeitoso e solidário com seus pares;

XVI - envolver as famílias no processo de percepção, acompanhamento e formulação de soluções concretas;

XVII - disponibilizar informações na rede mundial de computadores para prevenir e combater o bullying, buscando orientar e conscientizar sobre os malefícios da agressão do cyberbullying.

Art. 5º Fica autorizada a celebração de convênios e parcerias para a garantia do cumprimento dos objetivos do Programa de que se trata esta Lei.

Art. 6º Fica autorizada a criação de grupo de estudos, a ser formado por professores e pesquisadores, para produção de conhecimento e reflexão sobre o fenômeno do bullying na escola, com o apoio e a coordenação dos órgãos de direção da educação do Município.

Art. 7º Para a implementação do Programa de que trata esta Lei, cada escola poderá criar uma equipe multidisciplinar, com a participação da comunidade escolar, no intuito de promover atividades didáticas, informativas, de orientação e prevenção.

Art. 8º Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.

Gabinete do Prefeito Municipal de Guaíba, em XXXXX.

OSÉ FRANCISCO SOARES SPEROTTO,

PREFEITO MUNICIPAL

Registre-se e Publique-se:

Leandro Wurdig Jardim,

Secretário de Administração, Finanças e Recursos Humanos 

Conclusão:

Diante do exposto, a Procuradoria opina que a viabilidade jurídica do Projeto de Lei nº 122/2017 está condicionada ao atendimento da recomendação apresentada.

É o parecer.

Guaíba, 22 de dezembro de 2017.

GUSTAVO DOBLER                                                                              JULIA ZANATA DAL OSTO

 Procurador Jurídico                                                                                           Procuradora



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