Câmara de Vereadores de Guaíba

PARECER JURÍDICO

PROCESSO : Projeto de Lei do Legislativo n.º 145/2017
PROPONENTE : Ver. Manoel Eletricista
     
PARECER : Nº 423/2017
REQUERENTE : Comissão de Constituição, Justiça e Redação

"Institui a FICHA LIMPA para o exercício das atividades dos profissionais que exerçam a profissão de taxistas no âmbito do Município"

1. Relatório:

O Vereador Manoel Eletricista apresentou o Projeto de Lei nº 145/2017 à Câmara Municipal, objetivando instituir a “Ficha Limpa” para o exercício das atividades dos profissionais que desempenhem a profissão de taxista no âmbito do Município. Encaminhado à Comissão de Justiça e Redação, o projeto foi remetido a esta Procuradoria, para parecer. 

2. Parecer:

O artigo 18 da Constituição Federal de 1988, inaugurando o tema da organização do Estado, prevê que “A organização político-administrativa da República Federativa do Brasil compreende a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, todos autônomos, nos termos desta Constituição.” O termo “autonomia política”, sob o ponto de vista jurídico, congrega um conjunto de capacidades conferidas aos entes federados para instituir a sua organização, legislação, a administração e o governo próprios.

A autoadministração e a autolegislação, contemplando o conjunto de competências materiais e legislativas previstas na Constituição Federal para os municípios, é tratada no artigo 30 da Lei Maior, nos seguintes termos:

Art. 30. Compete aos Municípios:

I - legislar sobre assuntos de interesse local;

II - suplementar a legislação federal e a estadual no que couber;

III - instituir e arrecadar os tributos de sua competência, bem como aplicar suas rendas, sem prejuízo da obrigatoriedade de prestar contas e publicar balancetes nos prazos fixados em lei;

IV - criar, organizar e suprimir distritos, observada a legislação estadual;

V - organizar e prestar, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, os serviços públicos de interesse local, incluído o de transporte coletivo, que tem caráter essencial;

VI - manter, com a cooperação técnica e financeira da União e do Estado, programas de educação infantil e de ensino fundamental; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 53, de 2006)

VII - prestar, com a cooperação técnica e financeira da União e do Estado, serviços de atendimento à saúde da população;

VIII - promover, no que couber, adequado ordenamento territorial, mediante planejamento e controle do uso, do parcelamento e da ocupação do solo urbano;

IX - promover a proteção do patrimônio histórico-cultural local, observada a legislação e a ação fiscalizadora federal e estadual.

A medida que se pretende instituir no âmbito do Município de Guaíba se insere, efetivamente, na definição de interesse local. Isso porque a matéria veiculada na proposta é expressamente de competência do Município, conforme preceitua o artigo 30, inc. V, da CF/88, nos mesmos termos em que preceitua o artigo 6º, inc. XVIII, da Lei Orgânica, cabendo ao Município “conceder, permitir, autorizar e disciplinar os serviços de transporte coletivo e de táxis, fixando as respectivas tarifas.” Ainda, a proposta tem repercussão meramente local, pois se vincula apenas ao serviço de táxi no estrito âmbito de Guaíba.

Quanto à matéria de fundo, não há qualquer óbice à proposta. Convém lembrar que o objetivo primordial do Projeto de Lei nº 145/2017 é garantir a segurança dos usuários dos serviços de táxis enquanto passageiros de veículos sob a condução de motoristas cuja vida pregressa é avaliada pelo Poder Público, o que encontra amparo especialmente na Lei Federal nº 8.987/95, que, ao regulamentar o regime de concessão e de permissão de serviços públicos, conceitua o serviço adequado como aquele que “satisfaz as condições de regularidade, continuidade, eficiência, segurança, atualidade, generalidade, cortesia na sua prestação e modicidade das tarifas.”

No que concerne à iniciativa para o processo legislativo, para os fins do direito municipal, relevante é a observância das normas previstas na Constituição Estadual, uma vez que, em caso de eventual controle de constitucionalidade, o parâmetro para a análise da conformidade vertical se dá em relação ao disposto na Constituição Gaúcha, conforme preveem o artigo 125, § 2º, da CF e artigo 95, XII, alínea “d”, da CE/RS. Nesse caso, refere o artigo 60 da Constituição Estadual:

Art. 60.  São de iniciativa privativa do Governador do Estado as leis que:

I - fixem ou modifiquem os efetivos da Brigada Militar e do Corpo de Bombeiros Militar; (Redação dada pela Emenda Constitucional n.º 67, de 17/06/14)

II - disponham sobre:

a) criação e aumento da remuneração de cargos, funções ou empregos públicos na administração direta ou autárquica;

b) servidores públicos do Estado, seu regime jurídico, provimento de cargos, estabilidade e aposentadoria de civis, e reforma ou transferência de militares para a inatividade;

c) organização da Defensoria Pública do Estado;

d) criação, estruturação e atribuições das Secretarias e órgãos da administração pública.

À luz da interpretação das normas jurídicas, é clássica a lição de que as exceções devem ser interpretadas de forma restritiva. Ou seja, quando a norma jurídica excepciona uma regra geral, estabelecendo requisitos que limitam o exercício de uma prerrogativa, não se pode adotar a técnica da interpretação ampliativa para atingir outros casos não previstos na norma analisada.

O rol de iniciativas privativas do Chefe do Executivo, portanto, é estrito e não admite interpretação ampliativa; do contrário, ocorreria subversão e/ou perturbação do esquema organizatório funcional estabelecido na CF, base do princípio da conformidade funcional, que rege a interpretação dos dispositivos constitucionais. Em palavras mais simples, o intérprete da Constituição não pode chegar a uma conclusão que altere “a repartição de funções constitucionalmente estabelecidas pelo constituinte originário, como é o caso da separação de poderes” (LENZA, 2011, p. 148).

Inclusive, o Supremo Tribunal Federal fez história ao julgar o Recurso Extraordinário com Agravo nº 878.911/RJ, reconhecendo repercussão geral no tema nº 917: “Competência para iniciativa de lei municipal que preveja a obrigatoriedade de instalação de câmeras de segurança em escolas públicas municipais e cercanias”. No acórdão, o STF registrou que as hipóteses de restrição previstas no artigo 61, § 1º, da CF – e, portanto, as correspondentes nas Constituições Estaduais – são taxativas, não admitindo interpretação extensiva por consistirem em normas de exceção ao poder de iniciativa:

O Supremo Tribunal Federal firmou o entendimento no sentido de que as hipóteses de limitação da iniciativa parlamentar estão taxativamente previstas no art. 61 da Constituição, que trata da reserva de iniciativa de lei do Chefe do Poder Executivo. Não se permite, assim, interpretação ampliativa do citado dispositivo constitucional, para abarcar matérias além daquelas relativas ao funcionamento e estruturação da Administração Pública, mais especificamente, a servidores e órgãos do Poder Executivo. Nesse sentido, cito o julgamento da ADI 2.672, Rel. Min. Ellen Gracie, Redator p/ acórdão Min. Ayres Britto, Tribunal Pleno, DJ 10.11.2006; da ADI 2.072, Rel. Min. Cármen Lúcia, Tribunal Pleno, DJe 2.3.2015; e da ADI 3.394, Rel. Min. Eros Grau, DJe 215.8.2008.

[...]

Assim, somente nas hipóteses previstas no art. 61, § 1º, da Constituição, ou seja, nos projetos de lei cujas matérias sejam de iniciativa reservada ao Poder Executivo, é que o Poder Legislativo não poderá criar despesa. [...] No caso em exame, a lei municipal que prevê a obrigatoriedade de instalação de câmeras de segurança em escolas públicas municipais e cercanias não cria ou altera a estrutura ou a atribuição de órgãos da Administração Pública local nem trata do regime jurídico de servidores públicos, motivo pelo qual não vislumbro nenhum vício de inconstitucionalidade formal na legislação impugnada.

O entendimento recente do Supremo Tribunal Federal, órgão responsável pela guarda da Constituição (artigo 102, caput, CF), sem dúvidas ecoa por todos os tribunais brasileiros, especialmente porque manifestado em julgamento de recurso constitucional extraordinário, com o reconhecimento da repercussão geral (existência de questão relevante do ponto de vista econômico, político, social ou jurídico que ultrapassa os interesses subjetivos do processo – artigo 1.035, § 1º, NCPC).

Na situação, o artigo 60 da CE/RS não prevê restrição expressa à deflagração de projeto de lei, por parlamentar, estabelecendo requisitos para a obtenção de licença ao exercício de atividade dependente de outorga do Poder Público. Como bem sustentou o IGAM na orientação técnica nº 31.271/2017, é necessária a correção da técnica legislativa, para que se inclua o dispositivo como um parágrafo único do artigo 12 da Lei Municipal nº 1.558/00, porque a norma já estabelece alguns requisitos para a obtenção da licença, entre eles a apresentação de folha corrida judicial e policial expedida há menos de sessenta dias. Trata-se, portanto, de mero detalhamento da exigência já prevista no inc. II do artigo 12, não havendo vício de iniciativa na proposta apresentada. Confira-se a jurisprudência:

CONSTITUCIONAL. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEI ESTADUAL SOBRE PUBLICIDADE NO TRANSPORTE COLETIVO. INEXISTÊNCIA DE VÍCIO FORMAL OU MATERIAL. 1. Não é de competência privativa do Chefe do Executivo, à luz do art. 60, II, d e 82, III e VII, da CE/89, lei dispondo acerca da publicidade no transporte coletivo. Por outro lado, não há como entender que a lei altere o equilíbrio econômico-financeiro da concessão. 2. AÇÃO JULGADA IMPROCEDENTE. (TJRS, Tribunal Pleno, ADIn 70004730792, rel. Des. Araken de Assis, j. em 02-12-02).

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. MUNICÍPIO DE PORTO ALEGRE. PUBLICIDADE EM TÁXIS. Ação direta de inconstitucionalidade proposta pelo Sindicato dos Taxistas de Porto Alegre em relação à Lei Municipal n. 10.465/08, que incluiu o parágrafo único no art. 1º da Lei n. 5.090/82, alterada pela Lei Complementar n.º 364/1995, regulamentando a utilização e exploração de publicidade em táxis. Reconhecimento da legitimidade ativa do sindicato para a propositura da ação direta de inconstitucionalidade. Desacolhimento da alegação de inconstitucionalidade por vício de iniciativa, que não é privativa do Prefeito Municipal. Precedentes deste Órgão Especial. IMPROCEDÊNCIA DO PEDIDO DE DECLARAÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE. UNÂNIME. (Ação Direta de Inconstitucionalidade Nº 70025061839, Tribunal Pleno, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Paulo de Tarso Vieira Sanseverino, Julgado em 03/11/2008).

Vale destacar, apenas, que é correta a restrição ao exercício da profissão em consideração aos crimes de natureza grave constantes na redação do PL 145/2017, embora o IGAM tenha sugerido prever a vedação à prática de todo e qualquer crime. O objetivo da norma, no caso, não é impossibilitar o exercício da profissão pelo simples histórico de algum crime qualquer, mas proteger o cidadão, usuário do serviço de táxi, contra os que tenham praticado crimes graves, incompatíveis com o exercício da atividade dependente de outorga do Poder Público, e que estejam no curso do cumprimento da pena, usufruindo de algum benefício de natureza penal.

Deve-se considerar, entretanto, que o artigo 5º, inc. LVII, da CF/88 refere que “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”, pelo que não se afigura possível impossibilitar o exercício da atividade por quem tenha sido condenado em órgão judicial colegiado sem o trânsito em julgado da sentença. A Lei Complementar Federal nº 135/10, que alterou a Lei Complementar Federal nº 64/90, instituindo a “Ficha Limpa” para os políticos e prevendo a inelegibilidade desde a condenação pelo órgão colegiado, é exceção à previsão constitucional que até hoje é questionada nos Tribunais Superiores.

Portanto, seguindo as linhas gerais da orientação técnica do IGAM, a viabilidade jurídica do PL 145/2017 fica condicionada à adaptação da proposta como um detalhamento do inc. II do artigo 12 da Lei Municipal nº 1.558/00, sugerindo-se a seguinte emenda:

SUBSTITUTIVO AO PROJETO DE LEI 145/2017

Art. 1º Acrescenta o parágrafo único ao artigo 12 da Lei Municipal nº 1.558, de 25 de setembro de 2000, que passa a vigorar com a seguinte redação:

“Art. 12...............................................................................................................................

I – ..............................................................................................................................

II – .............................................................................................................................

III – ...........................................................................................................................

IV – ...........................................................................................................................

Parágrafo único. É vedada a emissão de licença ou autorização para o exercício da profissão de motorista de táxi, em atenção ao disposto no inciso II, desde o trânsito em julgado da decisão condenatória até a total extinção da pena, aos que forem condenados pelos crimes:

I – de tráfico de entorpecentes e drogas afins, racismo, tortura, terrorismo e hediondos;

II – de lavagem ou ocultação de bens, direitos e valores;

III – de redução à condição análoga à de escravo;

IV – contra a vida e a dignidade sexual;

V – praticados por organização criminosa, quadrilha ou bando. (NR)

 Art. 2º Esta lei entra em vigor na data da sua publicação.

Conclusão:

Diante do exposto, a Procuradoria opina que a viabilidade jurídica do Projeto de Lei nº 145/2017 está condicionada ao atendimento da recomendação apresentada.

Guaíba, 21 de dezembro de 2017.

GUSTAVO DOBLER

Procurador Jurídico



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