Câmara de Vereadores de Guaíba

PARECER JURÍDICO

PROCESSO : Projeto de Lei do Legislativo n.º 146/2017
PROPONENTE : Ver. Manoel Eletricista
     
PARECER : Nº 420/2017
REQUERENTE : Comissão de Constituição, Justiça e Redação

"Institui a Política de Mobilidade Sustentável e incentivo ao uso de bicicleta no âmbito do Município de Guaíba e dá outras providências"

1. Relatório:

O Vereador Manoel Eletricista apresentou o Projeto de Lei nº 146/2017 à Câmara Municipal, objetivando instituir a Política de Mobilidade Sustentável e incentivo ao uso da bicicleta no âmbito do Município de Guaíba. Encaminhado à Comissão de Justiça e Redação, o projeto foi remetido a esta Procuradoria, para parecer jurídico. 

2. Parecer:

O artigo 18 da Constituição Federal de 1988, inaugurando o tema da organização do Estado, prevê que “A organização político-administrativa da República Federativa do Brasil compreende a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, todos autônomos, nos termos desta Constituição.” O termo “autonomia política”, sob o ponto de vista jurídico, congrega um conjunto de capacidades conferidas aos entes federados para instituir a sua organização, legislação, a administração e o governo próprios.

A autoadministração e a autolegislação, contemplando o conjunto de competências materiais e legislativas previstas na Constituição Federal para os municípios, é tratada no artigo 30 da Lei Maior, nos seguintes termos:

Art. 30. Compete aos Municípios:

I - legislar sobre assuntos de interesse local;

II - suplementar a legislação federal e a estadual no que couber;

III - instituir e arrecadar os tributos de sua competência, bem como aplicar suas rendas, sem prejuízo da obrigatoriedade de prestar contas e publicar balancetes nos prazos fixados em lei;

IV - criar, organizar e suprimir distritos, observada a legislação estadual;

V - organizar e prestar, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, os serviços públicos de interesse local, incluído o de transporte coletivo, que tem caráter essencial;

VI - manter, com a cooperação técnica e financeira da União e do Estado, programas de educação infantil e de ensino fundamental; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 53, de 2006)

VII - prestar, com a cooperação técnica e financeira da União e do Estado, serviços de atendimento à saúde da população;

VIII - promover, no que couber, adequado ordenamento territorial, mediante planejamento e controle do uso, do parcelamento e da ocupação do solo urbano;

IX - promover a proteção do patrimônio histórico-cultural local, observada a legislação e a ação fiscalizadora federal e estadual.

A medida que se pretende instituir se insere, efetivamente, na definição de interesse local, porque diz respeito aos aspectos de mobilidade urbana, para o qual o Município é competente, nos termos do artigo 30, inc. VIII, da CF/88, nos seguintes termos: “promover, no que couber, adequado ordenamento territorial, mediante planejamento e controle do uso, do parcelamento e da ocupação do solo urbano”. Quanto à matéria de fundo, não há qualquer óbice à proposta. Convém lembrar que o objetivo primordial do Projeto de Lei nº 146/2017 é incentivar o uso da bicicleta como meio de mobilidade urbana sustentável, o que não afronta o texto constitucional e a legislação respectiva.

Ocorre que o Projeto de Lei nº 146/2017, da forma como elaborada a sua redação, contém vício de iniciativa. O sistema constitucional brasileiro se estruturou no princípio da tripartição dos poderes, na forma do artigo 2º da CF/88, de observância obrigatória pelos Estados, Distrito Federal e Municípios, tendo sido distribuídas funções típicas e atípicas aos Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário, os quais, entre si, são independentes e harmônicos. A mesma norma que institui a separação dos poderes proíbe ingerências indevidas de um poder sobre outro, de forma a garantir a já referida harmonia, motivo pelo qual a Constituição Federal estabeleceu determinadas matérias para as quais há reserva de iniciativa ao Chefe do Poder Executivo, por dizerem respeito a questões de organização administrativa e, especialmente, que estão sob o controle e gerenciamento do titular desse poder.

Na CF/88, a reserva de iniciativa está prevista no artigo 61, § 1º, repetida na CE/RS pelo artigo 60, os quais preveem os inúmeros casos em que apenas o Chefe do Poder Executivo poderá deflagrar o processo legislativo. Por serem normas restritivas, tão somente essas hipóteses são reservadas ao Executivo; os demais casos são de iniciativa concorrente, garantindo-se a legitimidade das propostas por parte de membros do Legislativo.

Ocorre que essas normas são demasiadamente amplas e carregam conceitos genéricos (“organização administrativa”, “servidores públicos”, “criação, estruturação e atribuições das Secretarias e órgãos da administração pública”, “serviços públicos”), tornando-se quase impossível, na prática, a atividade legislativa por iniciativa parlamentar para atribuir obrigações ao Poder Executivo, porque geralmente esbarram na reserva de iniciativa legitimada pelo princípio da separação dos poderes.

No caso em análise, embora seja indiscutível o mérito, o projeto de lei institui uma política pública a cargo do Poder Executivo, o qual, para atingir os objetivos previstos, realizará campanhas publicitárias de conscientização do povo, o que ultrapassa os limites do princípio da separação dos poderes na medida em que outorga ao Executivo a realização de tarefas que lhe são próprias, com invasão da sua esfera de competências.

Para que não haja violação à reserva de iniciativa do Chefe do Poder Executivo, de modo a não interferir na organização administrativa e nos atos de gestão do Prefeito, é preciso reformular a redação do Projeto de Lei nº 146/2017, estabelecendo as medidas previstas não como uma política pública a ser implementada pelo Executivo, mas como uma lei de incentivo ao uso da bicicleta, facultando a adoção de ações de conscientização por todos os setores. Para tanto, sugere-se a seguinte redação, já adaptada conforme as diretrizes de técnica legislativa previstas na LC nº 95/98:

SUBSTITUTIVO AO PROJETO DE LEI Nº 146/2017

Reconhece e incentiva o uso da bicicleta como meio efetivo de mobilidade urbana sustentável.

Art. 1º Fica reconhecido e incentivado, no âmbito do Município de Guaíba, o uso da bicicleta como meio efetivo de mobilidade urbana sustentável.

Art. 2º O incentivo ao uso da bicicleta ocorrerá por meio de:

I – promoção de ações e projetos em favor de ciclistas, a fim de aprimorar as condições para o seu deslocamento;

II – integração da bicicleta ao sistema de transporte público existente.

Art. 3º São objetivos desta Lei:

I – possibilitar a redução do uso do automóvel nos trajetos de curta e longa distância;

II – estimular o uso da bicicleta como meio de transporte alternativo e sustentável;

III – promover a bicicleta como modalidade de deslocamento urbano eficiente, saudável e ecologicamente correto;

IV – incentivar o associativismo entre os ciclistas e usuários dessa modalidade de transporte;

V – estimular a conexão entre cidades, por meio de rotas seguras para o deslocamento cicloviário, voltadas para o turismo e o lazer.

Art. 4º Para incentivar o uso da bicicleta como meio de mobilidade sustentável, poderão ser realizadas campanhas publicitárias de educação e de conscientização, com ênfase nas normas de segurança no trânsito que envolvam os ciclistas.

Art. 5º Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.

Veja-se que, na redação acima proposta, deixarão de ser estabelecidas quaisquer atribuições aos órgãos públicos municipais, nem haverá interferência nos atos de organização administrativa, porquanto a norma sequer é dirigida diretamente ao Poder Público. Caso este planeje, na medida de suas possibilidades, a realização de ações de incentivo ao uso da bicicleta, a norma trará as diretrizes e os objetivos, além de reconhecer a importância desse meio alternativo de deslocamento urbano, sem deturpar, por outro lado, a independência e a harmonia entre os poderes.

Assim, para que o Projeto de Lei nº 146/17 se torne viável juridicamente, nos termos do artigo 60, inc. II, alínea “d”, da CE/RS, é imprescindível realizar as alterações acima indicadas na redação, retirando a previsão das medidas como uma política pública a cargo do Executivo e instituindo as normas sob o aspecto do reconhecimento e do incentivo ao uso da bicicleta em âmbito local, sem criar atribuições aos órgãos municipais. 

Conclusão:

Diante do exposto, a Procuradoria opina que a viabilidade jurídica do Projeto de Lei nº 146/2017 está condicionada ao atendimento da recomendação apresentada.

Guaíba, 20 de dezembro de 2017.

GUSTAVO DOBLER                                                                              JULIA ZANATA DAL OSTO

 Procurador Jurídico                                                                                           Procuradora



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