PARECER JURÍDICO |
|||||||||||||||
"Dispõe sobre a disponibilização de cadeiras de rodas em todas as escolas de rede municipal de ensino" 1. Relatório:A Vereadora Claudinha Jardim apresentou o Projeto de Lei nº 114/2017 à Câmara Municipal, objetivando autorizar o Executivo a disponibilizar cadeiras de rodas em todas as escolas da rede municipal de ensino. Encaminhado à Comissão de Justiça e Redação, o projeto foi remetido a esta Procuradoria, para parecer jurídico. 2. Parecer:O artigo 18 da Constituição Federal de 1988, inaugurando o tema da organização do Estado, prevê que “A organização político-administrativa da República Federativa do Brasil compreende a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, todos autônomos, nos termos desta Constituição.” O termo “autonomia política”, sob o ponto de vista jurídico, congrega um conjunto de capacidades conferidas aos entes federados para instituir a sua organização, legislação, a administração e o governo próprios. A autoadministração e a autolegislação, contemplando o conjunto de competências materiais e legislativas previstas na Constituição Federal para os Municípios, é tratada no artigo 30 da Lei Maior, nos seguintes termos:
A medida que se pretende autorizar no âmbito do Município de Guaíba se insere, efetivamente, na definição de interesse local, eis que o Projeto de Lei nº 114/2017 visa estabelecer, no interior das escolas públicas municipais, melhoria da condição de mobilidade dos alunos portadores de deficiência ou que estejam impossibilitados temporariamente de caminhar, direito que também é alinhado ao espírito democrático e garantista da Constituição Federal e da Constituição Estadual Gaúcha. Quanto à matéria de fundo, também não há qualquer óbice à proposta. Convém lembrar que o objetivo primordial do Projeto de Lei nº 114/2017 é promover a proteção dos interesses das crianças e dos adolescentes, alunos das escolas públicas municipais, por meio da disponibilização de cadeiras de rodas que garantam o seu direito à locomoção. O artigo 227, caput, da Constituição Federal prevê que “É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.” A expressão “Estado”, obviamente, traduz-se em um conceito lato sensu, abrangendo União, Estados, Distrito Federal e Municípios. Mais especificamente, o Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei nº 8.069/90), atendendo às diretrizes constitucionais, estabeleceu um verdadeiro conjunto de normas destinadas à proteção integral e absoluta das crianças e dos adolescentes, que passaram a ser tratadas como efetivos sujeitos de direitos. Os artigos 3º, 4º e 5º do referido Estatuto indicam, resumidamente, todos os direitos garantidos às crianças e adolescentes. Veja-se:
É perceptível, portanto, que a medida pretendida no Projeto de Lei nº 114/2017 é compatível com os interesses defendidos na Constituição Federal e no Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei nº 8.069/90). Ocorre que o Projeto de Lei nº 114/2017, embora louvável o seu objeto, contém vício de iniciativa. O sistema constitucional brasileiro se estruturou no princípio da tripartição dos poderes, na forma do artigo 2º da CF/88, de observância obrigatória pelos Estados, Distrito Federal e Municípios, tendo sido distribuídas funções típicas e atípicas aos poderes Legislativo, Executivo e Judiciário, os quais, entre si, são independentes e harmônicos. A mesma norma que institui a separação dos poderes proíbe ingerências indevidas de um poder sobre outro, de forma a garantir a já referida harmonia, motivo pelo qual a Constituição Federal estabeleceu determinadas matérias para as quais há reserva de iniciativa ao Chefe do Poder Executivo, por dizerem respeito a questões de organização administrativa e, especialmente, que estão sob o controle e gerenciamento do titular desse poder. Na CF/88, a reserva de iniciativa está prevista no artigo 61, § 1º, repetida na CE/RS pelo artigo 60, os quais preveem os inúmeros casos em que apenas o Chefe do Poder Executivo poderá deflagrar o processo legislativo. Por serem normas restritivas, tão somente essas hipóteses são reservadas ao Executivo; os demais casos são de iniciativa concorrente, garantindo-se a legitimidade das propostas por parte de membros do Legislativo. Ocorre que essas normas são demasiadamente amplas e carregam conceitos genéricos (“organização administrativa”, “servidores públicos”, “criação, estruturação e atribuições das Secretarias e órgãos da administração pública”, “serviços públicos”), tornando-se quase impossível, na prática, a atividade legislativa por iniciativa parlamentar para atribuir obrigações ao Poder Executivo, porque geralmente esbarram na reserva de iniciativa legitimada pelo princípio da separação dos poderes. No caso em análise, embora indiscutível o mérito, a medida autoriza a disponibilização permanente de cadeiras de rodas em todas as escolas públicas da rede municipal de ensino, destinadas a facilitar a locomoção de alunos portadores de deficiência ou que estejam temporariamente impossibilitados de caminhar, o que transpõe os limites do princípio da separação dos poderes, visto que interfere em atos de organização administrativa que, inclusive, são capazes de gerar despesas de grande vulto não programadas pelo Executivo na lei orçamentária. Nessa linha, é importante lembrar que, nos termos do artigo 61, § 1º, inc. II, alínea “b”, da CF/88, é privativa do Chefe do Executivo a iniciativa para projetos que disponham sobre organização administrativa, o mesmo se aplicando ao Estado do Rio Grande do Sul e aos seus Municípios, por força, também, do artigo 82, inc. III e VII, da CE/RS. Destarte, apesar de ser honrosa sob o ponto de vista material, a proposta não poderia ter sido apresentada por membro do Poder Legislativo, uma vez que a iniciativa para projetos dessa natureza é privativa do Chefe do Executivo, enquanto responsável pela organização administrativa. A propósito da matéria, destaca-se a jurisprudência específica:
Assim, embora sejam admiráveis a justificativa e os termos da proposta, o Projeto de Lei nº 114/2017 contém vício de iniciativa, por dispor sobre a estruturação de órgãos públicos municipais (escolas públicas), matéria cuja iniciativa é reservada ao Chefe do Executivo, nos termos do artigo 61, § 1º, II, “b”, da CF, do artigo 60, II, “d”, e do artigo 82, inc. III e VII, da CE/RS. Nada impede, contudo, que a proposta seja remetida ao Executivo sob a forma de indicação, com base no artigo 114 do Regimento Interno da Câmara Municipal de Guaíba, para que, pela via política, o Prefeito apresente o mesmo projeto ao Legislativo, afastando, assim, a ocorrência do vício de iniciativa. Conclusão:Diante do exposto, a Procuradoria opina pela inviabilidade jurídica do Projeto de Lei nº 114/2017, pela ocorrência de vício de iniciativa, nada impedindo, contudo, que seja remetido ao Executivo sob a forma de indicação (artigo 114 do RI). Guaíba, 19 de dezembro de 2017. GUSTAVO DOBLER Procurador Jurídico O Documento ainda não recebeu assinaturas digitais no padrão ICP-Brasil. |
|||||||||||||||
Documento publicado digitalmente por GUSTAVO DOBLER em 19/12/2017 ás 15:16:10. Chave MD5 para verificação de integridade desta publicação b3964129a5c315874000e0e7ce392304.
A autenticidade deste poderá ser verificada em https://www.camaraguaiba.rs.gov.br/autenticidade, mediante código 47478. |