Câmara de Vereadores de Guaíba

PARECER JURÍDICO

PROCESSO : Projeto de Lei do Legislativo n.º 126/2017
PROPONENTE : Ver. Manoel Eletricista
     
PARECER : Nº 412/2017
REQUERENTE : Comissão de Constituição, Justiça e Redação

"Dispõe sobre a criação de calçada ecológica e dá outras providências"

1. Relatório:

O Vereador Manoel Eletricista apresentou o Projeto de Lei nº 126/2017 à Câmara Municipal, objetivando dispor sobre as regras atinentes à construção de calçadas ecológicas no Município de Guaíba. Encaminhado à Comissão de Justiça e Redação, o projeto foi remetido a esta Procuradoria, para parecer jurídico. 

2. Parecer:

O artigo 18 da Constituição Federal de 1988, inaugurando o tema da organização do Estado, prevê que “A organização político-administrativa da República Federativa do Brasil compreende a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, todos autônomos, nos termos desta Constituição.” O termo “autonomia política”, sob o ponto de vista jurídico, congrega um conjunto de capacidades conferidas aos entes federados para instituir a sua organização, legislação, a administração e o governo próprios.

A autoadministração e a autolegislação, contemplando o conjunto de competências materiais e legislativas previstas na Constituição Federal para os Municípios, é tratada no artigo 30 da Lei Maior, nos seguintes termos:

Art. 30. Compete aos Municípios:

I - legislar sobre assuntos de interesse local;

II - suplementar a legislação federal e a estadual no que couber;

III - instituir e arrecadar os tributos de sua competência, bem como aplicar suas rendas, sem prejuízo da obrigatoriedade de prestar contas e publicar balancetes nos prazos fixados em lei;

IV - criar, organizar e suprimir distritos, observada a legislação estadual;

V - organizar e prestar, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, os serviços públicos de interesse local, incluído o de transporte coletivo, que tem caráter essencial;

VI - manter, com a cooperação técnica e financeira da União e do Estado, programas de educação infantil e de ensino fundamental; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 53, de 2006)

VII - prestar, com a cooperação técnica e financeira da União e do Estado, serviços de atendimento à saúde da população;

VIII - promover, no que couber, adequado ordenamento territorial, mediante planejamento e controle do uso, do parcelamento e da ocupação do solo urbano;

IX - promover a proteção do patrimônio histórico-cultural local, observada a legislação e a ação fiscalizadora federal e estadual.

A regulamentação que se pretende instituir se insere, efetivamente, na definição de interesse local. Isso porque o Projeto de Lei nº 126/2017 veicula matéria atinente à construção de calçadas ecológicas, o que diz respeito ao uso da propriedade privada em prol do interesse coletivo, da segurança e do equilíbrio ambiental, como prevê genericamente o Estatuto da Cidade no artigo 1º, parágrafo único. De fato, as calçadas ecológicas, além do aspecto estético, possuem funções muito importantes, como o controle do volume de água das chuvas e a manutenção da capacidade de infiltração do solo, fatores relevantes à luz do interesse local (artigo 30, inc. I, CF/88).

Importante lembrar, ainda, que a Constituição Federal de 1988 foi inovadora no tratamento do direito ao meio ambiente, trazendo-o de forma autônoma e, portanto, destacada das demais garantias que lhe constituem o fundamento (direito à vida, direito à saúde, dignidade da pessoa humana etc.), sendo então disciplinado pelo artigo 225, o qual prevê: “Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.”

Assim, considerando o dever de os Municípios promoverem a qualidade ambiental, presente a competência do Município de Guaíba para legislar sobre a matéria. Inclusive, a respeito da competência suplementar dos Municípios para legislar sobre a proteção e defesa do meio ambiente, transcreve-se a esclarecedora lição de Paulo de Bessa Antunes, um dos maiores expoentes em Direito Ambiental:

Na forma do artigo 23 da Lei Fundamental, os Municípios têm competência administrativa para defender o meio ambiente e combater a poluição. Contudo, os Municípios não estão arrolados entre as pessoas jurídicas de direito público interno encarregadas de legislar sobre meio ambiente. No entanto, seria incorreto e insensato dizer-se que os Municípios não têm competência legislativa em matéria ambiental. O artigo 30 da Constituição Federal atribui aos Municípios competência para legislar sobre: assuntos de interesse local; suplementar a legislação federal e estadual no que couber, promover, no que couber, adequado ordenamento territorial, mediante planejamento e controle do uso, do parcelamento e da ocupação do solo urbano; promover a proteção do patrimônio histórico-cultural local, observada a legislação e a ação fiscalizadora federal e estadual. Está claro que o meio ambiente está incluído no conjunto de atribuições legislativas e administrativas municipais e, em realidade, os Municípios formam um elo fundamental na complexa cadeia de proteção ambiental. A importância dos Municípios é evidente por si mesma, pois as populações e as autoridades locais reúnem amplas condições de bem conhecer os problemas e mazelas ambientais de cada localidade, sendo certo que são as primeiras a localizar e identificar o problema. É através dos Municípios que se pode implementar o princípio ecológico de agir localmente, pensar globalmente.” (‘Direito ambiental’. 8ª ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005, pp. 77-8).

Para sanar quaisquer dúvidas remanescentes, relevante destacar o entendimento firmado no STF (RE nº 586.224/SP, j. 5/3/2015), publicado no Informativo nº 776:

O Município é competente para legislar sobre o meio ambiente, juntamente com a União e o Estado-membro/DF, no limite do seu interesse local e desde que esse regramento seja harmônico com a disciplina estabelecida pelos demais entes federados (art. 24, VI, c/c o art. 30, I e II, da CF/88).

No que diz respeito à iniciativa para deflagrar o processo legislativo, relevante é a observância das normas previstas na Constituição Estadual, uma vez que, em caso de eventual controle de constitucionalidade, o parâmetro para a análise da conformidade vertical se dá em relação ao disposto na Constituição Gaúcha, conforme preveem o artigo 125, § 2º, da CF e artigo 95, XII, alínea “d”, da CE. Nesse caso, refere o artigo 60 da CE/RS:

Art. 60.  São de iniciativa privativa do Governador do Estado as leis que:

I - fixem ou modifiquem os efetivos da Brigada Militar e do Corpo de Bombeiros Militar; (Redação dada pela Emenda Constitucional n.º 67, de 17/06/14)

II - disponham sobre:

a) criação e aumento da remuneração de cargos, funções ou empregos públicos na administração direta ou autárquica;

b) servidores públicos do Estado, seu regime jurídico, provimento de cargos, estabilidade e aposentadoria de civis, e reforma ou transferência de militares para a inatividade;

c) organização da Defensoria Pública do Estado;

d) criação, estruturação e atribuições das Secretarias e órgãos da administração pública.

Para que não haja vício de iniciativa no PL 126/2017, é necessário ficar claro que a proposta se revela como uma regulamentação da construção de calçadas ecológicas, de adesão por interesse dos cidadãos, sem que sejam criadas novas atribuições aos órgãos da administração pública, até porque a responsabilidade pela manutenção das calçadas é, em regra, do proprietário do imóvel, por consistir em “pavimentação do terreno dentro do lote”, de acordo com o item 30 das definições constantes no Código de Obras (Lei Municipal nº 194/73). Assim, sugere-se a retirada dos trechos que fazem referência aos trabalhos dos órgãos municipais e a inclusão de dispositivo que esclareça, mais precisamente, que a responsabilidade pela construção das calçadas ecológicas é do proprietário do imóvel, o qual deverá respeitar as regras previstas na proposta, caso tenha interesse por tal sistema.

Quanto à matéria de fundo, não há qualquer óbice à proposta. Convém lembrar que o objetivo primordial do Projeto de Lei nº 126/2017 é promover a maior qualidade ambiental e o aprimoramento da função social da cidade a partir da previsão de regras para a construção de calçadas ecológicas, matérias que vão ao encontro do interesse local.

A respeito, especificamente, do projeto de lei em análise, realizou-se pesquisa na jurisprudência para encontrar precedentes que pudessem informar a constitucionalidade da regulamentação. No Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, único precedente encontrado, foi julgada constitucional a Lei Municipal nº 8.153/13, do Município de Presidente Prudente, que dispõe sobre a criação do sistema de calçadas ecológicas no âmbito local, exceto no que se referia a certas obrigações criadas para a administração pública, julgadas inconstitucionais em razão do vício de iniciativa. Veja-se a ementa do acórdão:

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE - LEI MUNICIPAL QUE DISPÕE SOBRE SISTEMA DE CALÇADAS ECOLÓGICAS - LEI DE INICIATIVA DO LEGISLATIVO - MATÉRIA AMBIENTAL - AUSÊNCIA DE VÍCIO DE INICIATIVA - INCONSTITUCIONALIDADE APENAS DA IMPOSIÇÃO DA CRIAÇÃO DE BANCO DE DADOS PELA SECRETARIA MUNICIPAL DO MEIO AMBIENTE, POIS SE TRATA DE ATO DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA (ARI. 47, II, XIV o XIX, a, da CE) - JULGA-SE PARCIALMENTE PROCEDENTE O PEDIDO. (TJ-SP - ADI: 01407587820138260000 SP 0140758-78.2013.8.26.0000, Relator: Antonio Vilenilson, Data de Julgamento: 27/11/2013, Órgão Especial, Data de Publicação: 05/12/2013).

A lei julgada constitucional, a propósito, é praticamente idêntica ao PL 126/17, motivo pelo qual se defende a viabilidade jurídica da proposta, exceto quanto ao previsto nos artigos 2º, caput, e artigo 11, que veiculam atribuições que envolvem os órgãos da administração pública, o que, como visto, acarreta vício de iniciativa.

No acórdão do TJSP, salientou-se que a matéria, em geral, não é de iniciativa privativa do Chefe do Executivo, sendo que “os dispositivos da lei regulam a forma, o uso e a finalidade do ‘sistema de calçadas ecológicas’ e se aplicam a todos os cidadãos do município.” Não há, portanto, vício de iniciativa em todos os dispositivos do PL 126/17, mas apenas no caput dos artigos 2º e 11, recomendando-se a sua retirada e, ainda, a inclusão de um artigo tornando mais claro que as normas são dirigidas aos proprietários de imóveis privados, de observância obrigatória no caso de interesse na construção das calçadas ecológicas. Para tanto, sugere-se a apresentação do substitutivo que segue anexo, adequado à técnica legislativa prevista na Lei Complementar nº 95/98. 

Conclusão:

Diante do exposto, considerando o acórdão da ação direta de inconstitucionalidade julgada no TJSP e tomada como paradigma, a Procuradoria opina que a viabilidade jurídica do Projeto de Lei nº 126/17 está condicionada ao atendimento da recomendação, na forma do modelo de substitutivo que segue em anexo.

É o parecer.

Guaíba, 15 de dezembro de 2017.

GUSTAVO DOBLER                                                                              JULIA ZANATA DAL OSTO

 Procurador Jurídico                                                                                           Procuradora

SUBSTITUTIVO AO PROJETO DE LEI Nº 126/17

Dispõe sobre a criação do sistema de calçada ecológica e dá outras providências

Art. 1º Fica criado o sistema alternativo de calçada ecológica no Município de Guaíba, opcional aos proprietários e moradores de imóveis situados na área urbana.

§ 1º Entende-se por calçada ecológica a área regular do passeio público, em frente a cada casa ou edifício, composta de faixa paralela livre permeável, com plantação de gramíneas em 80% do seu comprimento, e de faixa paralela revestida.

§ 2º A faixa paralela livre permeável, medida a partir da guia, não poderá ultrapassar cinquenta centímetros, de maneira a facilitar a circulação e deslocamento de pessoas.

§ 3º A faixa paralela revestida deve ser pavimentada com piso regular e seguro, mantendo a superfície contínua e firme, vedado o emprego de material escorregadio, e as rampas para cadeirantes devem ser construídas, sempre que possível, na direção do fluxo de pedestres, as bordas devem ser afuniladas, eliminando-se mudanças abruptas de nível de superfície da rampa em relação ao passeio, e deve-se evitar as espécies vegetais que causem interferências na circulação e acesso de pessoas portadoras de deficiência.

Art. 2º A calçada ecológica tem por finalidade:

I - manter a capacidade de infiltração do solo;

II - reduzir a velocidade das águas de chuva em direção aos córregos;

III - reter em média cem litros de água pluvial a cada metro quadrado de grama plantado;

IV - evitar que raízes de árvores futuras danifiquem o piso das calçadas;

V - garantir o crescimento adequado das raízes das árvores existentes nas calçadas;

VI - proporcionar o embelezamento do espaço urbano;

VII - aumentar a porcentagem de área verde por habitante.

Art. 3º A calçada ecológica poderá ter faixa ajardinada, seguindo as medidas mínimas indicadas para os seguintes tipos:

I - TIPO I: Passeios com até um metro e meio de largura:

a) faixa paralela revestida de um metro a partir do alinhamento do imóvel, pavimentada conforme o § 3º do art. 1º, e faixa paralela livre permeável até a guia, a ser coberta com vegetação de forma a não atrapalhar o pedestre;

b) faixa paralela livre permeável de vinte centímetros a partir do alinhamento do imóvel, a ser coberta com vegetação de forma a não atrapalhar o pedestre, e faixa paralela revestida que deverá ser pavimentada conforme o § 3º do art. 1º.

II – TIPO II: Passeios com mais de um metro e meio de largura até dois metros e meio de largura:

a) faixa paralela livre permeável de cinquenta centímetros medidos a partir da guia, a ser coberta com vegetação de forma a não atrapalhar o pedestre, mais uma faixa paralela revestida de pelo menos um metro na parte imediatamente seguinte, pavimentada conforme o § 3º do art. 1º, e uma faixa paralela livre permeável até o alinhamento do imóvel, a ser coberta com vegetação de forma a não atrapalhar o pedestre;

b) faixa paralela livre permeável de cinquenta centímetros a partir do alinhamento do imóvel, a ser coberta com vegetação de forma a não atrapalhar o pedestre, mais uma faixa paralela revestida que deverá ser pavimentada conforme o § 3º do art. 1º;

c) faixa paralela livre permeável de cinquenta centímetros a partir da guia, a ser coberta com vegetação de forma a não atrapalhar o pedestre, e uma faixa paralela revestida até o alinhamento do imóvel, pavimentada conforme o § 3º do art. 1º;

III – TIPO III: Passeios com mais de dois metros e meio de largura:

a) faixa paralela livre permeável de cinquenta centímetros a partir da guia, a ser coberta com vegetação de forma a não atrapalhar o pedestre, uma faixa paralela revestida de, pelo menos, um metro na parte imediatamente seguinte, pavimentada conforme o § 3º do art. 1º, uma faixa paralela livre permeável até o alinhamento do imóvel, a ser coberta com vegetação de forma a não atrapalhar o pedestre;

b) faixa paralela revestida, de um metro do alinhamento do imóvel, pavimentada conforme o § 3º do art. 1º, uma faixa paralela livre permeável até a guia, a ser coberta com vegetação de forma a não atrapalhar o pedestre;

c) faixa paralela revestida de um metro e meio a partir da guia, pavimentada conforme o § 3º do art. 1º, uma faixa paralela permeável até o alinhamento do imóvel, a ser coberta com vegetação de forma a não atrapalhar o pedestre.

Art. 4º O alinhamento do imóvel poderá ser feito com construção de muro ou gradil ou cerca viva.

Art. 5º Os proprietários de terrenos particulares ficam responsáveis pela execução e conservação de suas calçadas, que, se não estiverem pavimentadas, deverão receber plantio de gramíneas.

Art. 6º A responsabilidade pela construção das calçadas ecológicas é única e exclusiva do proprietário do imóvel.

Art. 7º Nas calçadas com plantio de árvores, é necessário garantir, ao redor da árvore, uma faixa permeável paralela à guia de um metro por setenta centímetros, a fim de permitir o oxigênio e umidade necessários às raízes.

Art. 8º As árvores adequadas para calçadas ecológicas com fiação aérea são das seguintes espécies:

I – falsa-murta;

II – resedá;

III – hibisco;

IV – escova-de-garrafa;

V – manacá-da-serra-anão;

VI – aroeira-salsa;

VII – ipê-amarelo-cascudo.

Art. 9º Nos canteiros junto às testadas ou divisas com imóveis, será permitido o plantio de grama, vegetações rasteiras, herbáceas ou subarbustos, com porte máximo de um metro, desde que não interfiram nas estruturas e utilização de imóveis lindeiros.

Parágrafo único. Não é permitido o plantio de:

I – plantas venenosas ou com espinhos;

II – trepadeiras, plantas rasteiras ou outras formas invasivas ou que necessitem de constante manutenção;

III – plantas cujas raízes possam danificar o pavimento;

IV – plantas que possam causar prejuízos ao movimento das cadeiras de rodas ou aos elementos de drenagem, tornando o piso escorregadio;

V – plantas com ramos pendentes, de forma a garantir altura livre mínima nas áreas de circulação com dois metros a partir do piso.

Art. 10. As árvores adequadas para calçadas ecológicas sem fiação aérea são as seguintes:

I – pata-de-vaca;

II – ipê amarelo;

III – ipê branco;

IV – oiti;

V – cássia-imperial;

VI – manacá-da-serra.

Art. 11. Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.

Guaíba, ___ de ___________ de ______.

JOSÉ SPEROTTO

Prefeito Municipal

Registre-se e publique-se.



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