PARECER JURÍDICO |
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"Dispõe sobre a obrigatoriedade de disposição de cadeiras de rodas motorizadas dotadas de cesto acondicionador de compras em supermercados com área superior a 1000 m² e dá outras providências" 1. Relatório:A Vereadora Fernanda Garcia apresentou o Projeto de Lei nº 148/2017 à Câmara Municipal, objetivando tornar obrigatória a disponibilidade de cadeiras de rodas motorizadas com cesto acondicionador de compras em supermercados com área igual ou superior a 1000m². Encaminhado à Comissão de Justiça e Redação, o projeto foi remetido a esta Procuradoria, para parecer jurídico. 2. Parecer:O artigo 18 da Constituição Federal de 1988, inaugurando o tema da organização do Estado, prevê que “A organização político-administrativa da República Federativa do Brasil compreende a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, todos autônomos, nos termos desta Constituição.” O termo “autonomia política”, sob o ponto de vista jurídico, congrega um conjunto de capacidades conferidas aos entes federados para instituir a sua organização, legislação, a administração e o governo próprios. A auto-organização dos Municípios está disciplinada, originariamente, no artigo 29, caput, da Constituição Federal, que prevê: “O Município reger-se-á por lei orgânica, votada em dois turnos, com o interstício mínimo de dez dias, e aprovada por dois terços dos membros da Câmara Municipal, que a promulgará, atendidos os princípios estabelecidos na Constituição, na Constituição do respectivo Estado e os seguintes preceitos”. O autogoverno se expressa na existência de representantes próprios dos Poderes Executivo e Legislativo em âmbito municipal – Prefeito, Vice-Prefeito e Vereadores –, que são eleitos diretamente pelo povo. A autoadministração e a autolegislação contemplam o conjunto de competências materiais e legislativas previstas na Constituição Federal. A respeito da autoadministração e da autolegislação, transcreve-se o artigo 30 da Constituição Federal, que enumera as competências materiais e legislativas dos Municípios:
A garantia trazida na proposta se insere na definição de interesse local. Isso porque o Projeto de Lei nº 148/2017, além de veicular matéria de relevância para o Município, não atrelada às competências privativas da União (CF, art. 22), estabelece um meio de garantia do conforto e da segurança de pessoas com condição física específica, o que se encontra no âmbito do direito à acessibilidade, dever de todos os entes federados. Além disso, a CE/RS, no artigo 13, I, já estabelece um rol de competências deferidas aos Municípios, entre as quais está a de “exercer o poder de polícia administrativa nas matérias de interesse local, tais como proteção à saúde, aí incluídas a vigilância e a fiscalização sanitárias, e proteção ao meio-ambiente, ao sossego, à higiene e à funcionalidade, bem como dispor sobre as penalidades por infração às leis e regulamentos locais.” Como bem referiu o IGAM na orientação técnica nº 31.947/2017, a medida está inserida no âmbito das posturas municipais, cuja competência para definição é do Município. No que diz respeito à iniciativa para deflagrar o processo legislativo, mais relevante ainda é a observância das normas previstas na Constituição Estadual, uma vez que, em caso de eventual controle de constitucionalidade, o parâmetro para a análise da conformidade vertical se dá em relação ao disposto na Constituição Gaúcha, conforme preveem o artigo 125, § 2º, da CF/88 e o artigo 95, XII, alínea “d”, da CE/RS. Apenas excepcionalmente o parâmetro da constitucionalidade será a Constituição Federal, desde que se trate de normas constitucionais de reprodução obrigatória (STF, RE nº 650.898/RS). Nesse caso, refere o artigo 60 da Constituição Estadual:
Verifica-se, no caso, que não há qualquer limitação constitucional à propositura de projeto de lei por vereador versando sobre a matéria, tendo em vista que os dispositivos constitucionais não estabelecem a reserva de iniciativa para o tema tratado. Quanto à matéria de fundo, também não há qualquer óbice à proposta. Convém lembrar que o objetivo primordial do Projeto de Lei nº 148/2017 é garantir, através da legislação local, o direito à acessibilidade dos portadores de deficiência física aos supermercados, permitindo-lhes efetuar compras e conduzir as mercadorias como qualquer outra pessoa. O Decreto nº 6.949, de 25 de agosto de 2009, que promulgou a Convenção internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e seu Protocolo Facultativo – norma que, aliás, possui o status de emenda constitucional –, prevê, no artigo 4º, 1, que “Os Estados Partes se comprometem a assegurar e promover o pleno exercício de todos os direitos humanos e liberdades fundamentais por todas as pessoas com deficiência, sem qualquer tipo de discriminação por causa de sua deficiência”, comprometendo-se a: “a) Adotar todas as medidas legislativas, administrativas e de qualquer outra natureza, necessárias para a realização dos direitos reconhecidos na presente Convenção.” No âmbito infraconstitucional, a Lei nº 13.146/2015, que instituiu a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência, estabelece, no artigo 2º: “Considera-se pessoa com deficiência aquele que tem impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, o qual, em interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas.” Sobre a garantia da acessibilidade, importante destacar o disposto no artigo 8º da Lei Federal nº 13.146/2015, que prevê o dever do Estado, em sentido amplo, de concretizar esse direito às pessoas portadoras de deficiência:
Assim, embora haja, na legislação federal, o dever genérico estatal de garantir a acessibilidade às pessoas portadoras de deficiência, a intenção da legisladora, nesse caso, é instituir verdadeira obrigação concreta às empresas que possuem estabelecimentos de supermercado com área igual ou superior a 1000m², de modo a tornar efetivos os direitos fundamentais já relacionados, o que, como se vê, é juridicamente viável. Por fim, quanto ao ponto levantado pelo IGAM no sentido de ser mais adequada a inclusão do dever no Código de Posturas do Município de Guaíba, embora não haja qualquer dispositivo da Lei Orgânica impondo a inclusão da matéria nessa lei complementar, sugere-se a apresentação do seguinte substitutivo, diante da maior visibilidade do Código de Posturas no âmbito da legislação municipal:
No entanto, lembra-se que, para a tramitação do Projeto de Lei nº 148/2017 sob a forma de alteração do Código de Posturas ser regular, são necessárias a ampla publicação da proposta, que pode ser feita no site da Câmara de Vereadores, convocando entidades da sociedade civil para apresentar emendas, e a aprovação por maioria absoluta, nos termos do artigo 46 da Lei Orgânica Municipal. Conclusão:Diante do exposto, a Procuradoria opina pela legalidade e pela regular tramitação do Projeto de Lei nº 148/2017, mas sugere a conversão em projeto de lei complementar, caso seja de interesse da proponente, diante da maior visibilidade da medida caso seja incluída no Código de Posturas, sendo necessário, nessa situação, que ocorra a ampla divulgação do projeto e da exposição de motivos, bem como haja aprovação por maioria absoluta, conforme prevê o artigo 46 da Lei Orgânica Municipal. Guaíba, 14 de dezembro de 2017. GUSTAVO DOBLER Procurador Jurídico O Documento ainda não recebeu assinaturas digitais no padrão ICP-Brasil. |
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