Câmara de Vereadores de Guaíba

PARECER JURÍDICO

PROCESSO : Projeto de Lei do Legislativo n.º 111/2017
PROPONENTE : Ver.ª Claudinha Jardim
     
PARECER : Nº 401/2017
REQUERENTE : Comissão de Constituição, Justiça e Redação

"Dispõe sobre os critérios de destinação de recursos de programas habitacionais para mulheres chefes da família"

1. Relatório:

A Vereadora Claudinha Jardim apresentou o Projeto de Lei nº 111/2017 à Câmara Municipal, objetivando dispor sobre os critérios de destinação de recursos de programas habitacionais para mulheres chefes de família. Encaminhado à Comissão de Justiça e Redação, o projeto foi remetido a esta Procuradoria, para parecer jurídico. 

2. Parecer:

O artigo 18 da Constituição Federal de 1988, inaugurando o tema da organização do Estado, prevê que “A organização político-administrativa da República Federativa do Brasil compreende a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, todos autônomos, nos termos desta Constituição.” O termo “autonomia política”, sob o ponto de vista jurídico, congrega um conjunto de capacidades conferidas aos entes federados para instituir a sua organização, legislação, a administração e o governo próprios.

A autoadministração e a autolegislação, contemplando o conjunto de competências materiais e legislativas previstas na Constituição Federal para os Municípios, é tratada no artigo 30 da Lei Maior, nos seguintes termos:

Art. 30. Compete aos Municípios:

I - legislar sobre assuntos de interesse local;

II - suplementar a legislação federal e a estadual no que couber;

III - instituir e arrecadar os tributos de sua competência, bem como aplicar suas rendas, sem prejuízo da obrigatoriedade de prestar contas e publicar balancetes nos prazos fixados em lei;

IV - criar, organizar e suprimir distritos, observada a legislação estadual;

V - organizar e prestar, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, os serviços públicos de interesse local, incluído o de transporte coletivo, que tem caráter essencial;

VI - manter, com a cooperação técnica e financeira da União e do Estado, programas de educação infantil e de ensino fundamental; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 53, de 2006)

VII - prestar, com a cooperação técnica e financeira da União e do Estado, serviços de atendimento à saúde da população;

VIII - promover, no que couber, adequado ordenamento territorial, mediante planejamento e controle do uso, do parcelamento e da ocupação do solo urbano;

IX - promover a proteção do patrimônio histórico-cultural local, observada a legislação e a ação fiscalizadora federal e estadual.

A medida que se pretende instituir no âmbito do Município de Guaíba se insere, efetivamente, na definição de interesse local, eis que o Projeto de Lei nº 111/2017 tem repercussão municipal e objetiva garantir condições favorecidas de aquisição de imóveis por mulheres chefes de família através de programas habitacionais públicos.

Ocorre que o Projeto de Lei nº 111/2017, embora louvável o seu objeto, contém vício de iniciativa. Para os fins do direito municipal, relevante é a observância das normas previstas na Constituição Estadual no que diz respeito à iniciativa para o processo legislativo, uma vez que, em caso de eventual controle de constitucionalidade, o parâmetro para a análise da conformidade vertical se dá em relação ao disposto na Constituição Gaúcha, conforme prevê o artigo 125, § 2º, da CF e artigo 95, XII, alínea “d”, da CE. Nesse caso, refere o artigo 60 da Constituição Estadual:

Art. 60.  São de iniciativa privativa do Governador do Estado as leis que:

I - fixem ou modifiquem os efetivos da Brigada Militar e do Corpo de Bombeiros Militar; (Redação dada pela Emenda Constitucional n.º 67, de 17/06/14)

II - disponham sobre:

a) criação e aumento da remuneração de cargos, funções ou empregos públicos na administração direta ou autárquica;

b) servidores públicos do Estado, seu regime jurídico, provimento de cargos, estabilidade e aposentadoria de civis, e reforma ou transferência de militares para a inatividade;

c) organização da Defensoria Pública do Estado;

d) criação, estruturação e atribuições das Secretarias e órgãos da administração pública.

Na mesma linha, dispõe, ainda, a Lei Orgânica do Município de Guaíba sobre as hipóteses de competência privativa do Prefeito:

Art. 52 - Compete privativamente ao Prefeito:

(...)

VI – dispor sobre a organização e o funcionamento da Administração Municipal, na forma da Lei;

(...)

X – planejar e promover a execução dos serviços públicos municipais;

Vale destacar que o mero fato de gerar novas despesas ao Poder Executivo não obstaculiza a tramitação de projetos de lei, desde que haja previsão do programa na lei orçamentária anual, na forma do artigo 154, I, da CE/RS e do artigo 167, I, da CF/88. Inclusive, como bem referiu o IGAM na orientação técnica nº 26.556/2017, o Supremo Tribunal Federal já estabeleceu o entendimento de que “Não usurpa a competência privativa do chefe do Poder Executivo lei que, embora crie despesa para a Administração Pública, não trata da sua estrutura ou da atribuição de seus órgãos nem do regime jurídico de servidores públicos.” (ARE nº 878.911/RJ, Relator: Min. Gilmar Mendes, publicado em 11/10/2016).

Sucede-se que o Projeto de Lei nº 111/2017 objetiva a instituição de novos critérios aos programas habitacionais promovidos, administrados ou gerenciados pelos órgãos da administração municipal. Por ser vedada a iniciativa parlamentar para os projetos que criem ou alterem a estrutura ou as atribuições de órgãos municipais, tem-se como formalmente inconstitucional a proposta, porquanto deveria ter sido protocolada pelo Chefe do Executivo, nos exatos termos do artigo 60, II, “d”, da CE/RS.

Destarte, apesar de ser honrosa sob o ponto de vista material, a proposta não poderia ter sido apresentada por membro do Poder Legislativo, uma vez que a iniciativa para projetos que criem ou estruturem órgãos da Administração Pública, ou que lhe atribuam obrigações até então inexistentes, compete apenas ao Chefe do Executivo, enquanto responsável pela organização administrativa e pela execução dos serviços públicos municipais.

A propósito, destaca-se a jurisprudência do TJRS:

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEI MUNICIPAL N.º 1.646/2011 DO MUNICÍPIO DE ESTÂNCIA VELHA. PROGRAMAS DE HABITAÇÃO. RESERVA DE 25% DAS MORADIAS PARA JOVENS DE ATÉ 30 ANOS RESIDENTES EM ESTÂNCIA VELHA. LEI DE INICIATIVA DO PODER LEGISLATIVO. VÍCIO FORMAL. MATÉRIA RESERVADA AO CHEFE DO PODER EXECUTIVO. VIOLAÇÃO AOS PRINCÍPIOS DA SIMETRIA E DA HARMONIA E INDEPENDÊNCIA ENTRE OS PODERES. JULGARAM PROCEDENTE A AÇÃO. UNÂNIME. (Ação Direta de Inconstitucionalidade Nº 70042617589, Tribunal Pleno, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Alexandre Mussoi Moreira, Julgado em 15/08/2011).

Assim, embora sejam admiráveis a justificativa e os termos da proposta, o Projeto de Lei nº 111/2017 contém vício de iniciativa, por dispor sobre as atribuições dos órgãos públicos municipais e sobre a execução dos programas habitacionais, matérias cuja iniciativa é reservada ao Chefe do Executivo, nos termos do artigo 60, II, “d”, da CE/RS.

Nada impede, contudo, que a proposta seja remetida ao Executivo sob a forma de indicação, com base no artigo 114 do Regimento Interno da Câmara Municipal de Guaíba, para que, pela via política, o Prefeito apresente o mesmo projeto ao Legislativo, afastando, assim, a ocorrência do vício de iniciativa. 

Conclusão:

Diante do exposto, a Procuradoria opina pela inviabilidade jurídica do Projeto de Lei nº 111/2017, pela ocorrência de vício de iniciativa, nada impedindo, contudo, que seja remetido ao Executivo sob a forma de indicação (artigo 114 do RI).

Guaíba, 12 de dezembro de 2017.

GUSTAVO DOBLER

Procurador Jurídico



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