Câmara de Vereadores de Guaíba

PARECER JURÍDICO

PROCESSO : Projeto de Lei do Legislativo n.º 127/2017
PROPONENTE : Ver. Manoel Eletricista
     
PARECER : Nº 399/2017
REQUERENTE : Comissão de Constituição, Justiça e Redação

"Dispõe sobre a criação da Creche Domiciliar, sobre a responsabilidade da Mãe Crecheira, para atendimento alternativo de crianças entre 6 meses e 5 anos incompletos"

1. Relatório:

O Vereador Manoel Eletricista apresentou o Projeto de Lei nº 127/2017 à Câmara Municipal, o qual dispõe sobre a criação de creche domiciliar, sob a responsabilidade da “mãe crecheira”, para atendimento alternativo de crianças entre seis meses a cinco anos incompletos. Encaminhado à Comissão de Justiça e Redação, o projeto foi remetido a esta Procuradoria, para parecer jurídico. 

2. Parecer:

A proposta aqui analisada pretende autorizar o funcionamento de creches domiciliares para o atendimento de crianças de seis meses a cinco anos de idade incompletos, à medida que os planos municipais de educação criarem espaços permanentes para o exercício da atividade pelo Município de Guaíba, através de seus servidores públicos.

Ocorre que, apesar da boa intenção do proponente e da existência de leis nesse sentido em alguns locais, a atividade de creche domiciliar vem sendo declarada como ilegal pelo Tribunal de Justiça dos Estados do Rio Grande do Sul e de Santa Catarina. Isso porque, resumidamente, o artigo 208, inc. IV, da CF/88 assegura o direito à educação infantil por meio de creches e pré-escolas, cuja competência foi cometida aos Municípios através da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei nº 9.394/96, artigo 11, inc. V). Assim, não se afigura lícita a instalação de creches domiciliares, até porque estas não compõem os sistemas municipais de ensino, conforme prevê o artigo 18 da Lei Federal nº 9.394/96.

Veja-se a jurisprudência do TJRS:

AÇÃO CIVIL PÚBLICA. DECISÃO QUE DETERMINA QUE O ENTE MUNICIPAL PROVIDENCIE A REMOÇÃO DAS CRIANÇAS QUE SE ENCONTRAM FREQÜENTANDO ESCOLA DE EDUCAÇÃO INFANTIL DE ATIVIDADE IRREGULAR, VULGARMENTE CONHECIDA DE MÃE CRECHEIRA, NO PRAZO DE 72 HORAS. DIREITO À EDUCAÇÃO. DEVER DO MUNICÍPIO DE ASSEGURAR VAGA EM CRECHE OU PRÉ-ESCOLA EM ESTABELECIMENTO PÚBLICO DE ENSINO. ANTECIPAÇÃO DA TUTELA. CABIMENTO. MULTA. CABIMENTO. 1. A antecipação de tutela consiste na concessão imediata da tutela reclamada na petição inicial, desde que haja prova inequívoca capaz de convencer da verossimilhança da alegação e, ainda, que haja fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação, o que vem demonstrado nos autos. Inteligência do art. 273 do CPC. 2. Constitui dever do Município assegurar às crianças o acesso à educação, cabendo-lhe garantir vaga na rede pública ou, então, na rede privada, às suas expensas. 3. Não se mostra exíguo o prazo de 72 horas para que o ente municipal providencie na remoção das crianças que freqüentam escola de educação infantil de atividade irregular, vulgarmente conhecida como mãe crecheira, diante do dever do Município de assegurar às crianças o acesso à educação. 4. É adequada a imposição da pena pecuniária contra o ente estatal quando a determinação judicial demanda apenas providências de ordem administrativa, não necessitando destinação de verbas orçamentárias e empenho de valores, a fim de compeli-lo ao cumprimento. 5. Sendo exagerado o valor da multa pecuniária, cabível a redefinição do valor. Recurso provido em parte. (Agravo de Instrumento Nº 70062105291, Sétima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Sérgio Fernando de Vasconcellos Chaves, Julgado em 17/12/2014).

AÇÃO CIVIL PÚBLICA. DECISÃO QUE DETERMINA A INTERDIÇÃO DO LOCAL ONDE FUNCIONA DE FORMA IRREGULAR A CRECHE, VULGARMENTE CONHECIDA DE MÃE CRECHEIRA. ANTECIPAÇÃO DA TUTELA. CABIMENTO. 1. A antecipação de tutela consiste na concessão imediata da tutela reclamada na petição inicial, desde que haja prova inequívoca capaz de convencer da verossimilhança da alegação e, ainda, que haja fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação, o que vem demonstrado nos autos. Inteligência do art. 273 do CPC. 2. É adequada a interdição do local de funcionamento de creche, vulgarmente conhecida de mãe crecheira, quando esta além de funcionar de forma irregular, ainda não apresenta condições adequadas de higiene e segurança às crianças. Recurso desprovido. (Agravo de Instrumento Nº 70062707245, Sétima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Sérgio Fernando de Vasconcellos Chaves, Julgado em 11/02/2015).

A regulamentação do direito à educação infantil, apresentada pela Lei Federal nº 9.394/96, permite extrair o entendimento de que essa fase inicial da educação básica possui como finalidade o desenvolvimento integral da criança de até cinco anos em todos os aspectos (físico, psicológico, intelectual e social), exigindo-se a aplicação de certos critérios, como controle de frequência pela instituição, expedição de documentação que ateste os processos de desenvolvimento e aprendizagem e avaliação do comportamento dos infantes. Veja-se, portanto, que o exercício da educação infantil se subsume a critérios rígidos de controle, considerando ser etapa essencial do desenvolvimento cognitivo das crianças, para o que apenas as instituições mantidas ou devidamente autorizadas pelo Poder Público detêm as condições necessárias ao atendimento dessas exigências.

Seguem as exigências previstas na Lei nº 9.394/96 para a educação infantil:

Art. 29. A educação infantil, primeira etapa da educação básica, tem como finalidade o desenvolvimento integral da criança de até 5 (cinco) anos, em seus aspectos físico, psicológico, intelectual e social, complementando a ação da família e da comunidade. (Redação dada pela Lei nº 12.796, de 2013)

Art. 30. A educação infantil será oferecida em:

I - creches, ou entidades equivalentes, para crianças de até três anos de idade;

II - pré-escolas, para as crianças de 4 (quatro) a 5 (cinco) anos de idade. (Redação dada pela Lei nº 12.796, de 2013)

Art. 31. A educação infantil será organizada de acordo com as seguintes regras comuns: (Redação dada pela Lei nº 12.796, de 2013)

I - avaliação mediante acompanhamento e registro do desenvolvimento das crianças, sem o objetivo de promoção, mesmo para o acesso ao ensino fundamental; (Incluído pela Lei nº 12.796, de 2013)

II - carga horária mínima anual de 800 (oitocentas) horas, distribuída por um mínimo de 200 (duzentos) dias de trabalho educacional; (Incluído pela Lei nº 12.796, de 2013)

III - atendimento à criança de, no mínimo, 4 (quatro) horas diárias para o turno parcial e de 7 (sete) horas para a jornada integral; (Incluído pela Lei nº 12.796, de 2013)

IV - controle de frequência pela instituição de educação pré-escolar, exigida a frequência mínima de 60% (sessenta por cento) do total de horas; (Incluído pela Lei nº 12.796, de 2013)

V - expedição de documentação que permita atestar os processos de desenvolvimento e aprendizagem da criança. (Incluído pela Lei nº 12.796, de 2013)

No âmbito do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, foi declarada inconstitucional a Lei Municipal nº 3.784/12, de Tubarão, que autorizava a criação de creches domiciliares com o apoio do Poder Público. Os fundamentos da decisão se resumiram dessa forma: a) a lei, no caso em específico, atribuiu despesas ao Executivo em matéria de organização e funcionamento da administração local, o que viola o princípio da separação de poderes; b) o direito à educação é responsabilidade estatal, sendo inconstitucional norma local que delegue a atribuição a terceiros. Importante, neste momento, apresentar a ementa do acórdão do Tribunal de Justiça:

INCONSTITUCIONALIDADE. Ação declaratória. Lei municipal. Creches domiciliares. Aumento de despesas. Iniciativa da Câmara de Vereadores. Princípios constitucionais. Separação dos poderes. Educação. Afronta. Demanda procedente. A lei de iniciativa parlamentar que cria creches domiciliares, atribuindo despesas ao Município, adentra em matéria sobre organização e funcionamento da administração local, afeta ao Executivo, ferindo a independência dos poderes. A educação, nela englobado o ensino infantil, é de competência do Estado, razão pela qual a norma que delega essa responsabilidade a terceiros é inconstitucional. (TJ-SC - ADI: 20130175170 SC 2013.017517-0 (Acórdão), Relator: José Inacio Schaefer, Data de Julgamento: 20/08/2013, Órgão Especial).

O entendimento que se extrai em relação ao direito à educação é o de que cabe ao Poder Público efetivá-lo a todos aqueles que necessitem, de preferência na rede pública de ensino; não sendo possível assegurar vagas a todos em creches, pré-escolas e escolas públicas, deve o ente federado custear a manutenção do aluno na rede privada, até o surgimento da respectiva vaga. Não cabe às “mães crecheiras” a responsabilidade pela oferta da educação infantil, até porque esta se submete a critérios específicos de controle, o qual é exercido pelo Poder Público enquanto ente que licencia o desempenho da atividade privada. Ademais, o funcionamento da educação infantil implica a organização da prestadora do serviço na forma de pessoa jurídica, até mesmo para fins tributários, sendo incompatível com a formação das creches domiciliares, as quais constituem meros núcleos familiares sem a devida e formal personalidade jurídica. 

Conclusão:

Diante do exposto, seguindo as linhas gerais da orientação técnica nº 28.567/17, do IGAM, a Procuradoria opina pela inviabilidade jurídica do Projeto de Lei nº 127/2017.

É o parecer.

Guaíba, 11 de dezembro de 2017.

 

GUSTAVO DOBLER

Procurador Jurídico



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