Câmara de Vereadores de Guaíba

PARECER JURÍDICO

PROCESSO : Projeto de Lei do Legislativo n.º 132/2017
PROPONENTE : Ver. Alex Medeiros
     
PARECER : Nº 395/2017
REQUERENTE : Comissão de Constituição, Justiça e Redação

"Acrescenta o Art. 44-C na Lei N°1.027/1990 – Código de Posturas Do Município de Guaíba "

1. Relatório:

O Vereador Alex Medeiros apresentou o Projeto de Lei nº 132/2017 à Câmara Municipal, objetivando acrescentar o artigo 44-C à Lei Municipal nº 1.027/90 – Código de Posturas. Encaminhado à Comissão de Justiça e Redação, o projeto foi remetido a esta Procuradoria, para parecer jurídico. 

2. Parecer:

O artigo 18 da Constituição Federal de 1988, inaugurando o tema da organização do Estado, prevê que “A organização político-administrativa da República Federativa do Brasil compreende a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, todos autônomos, nos termos desta Constituição.” O termo “autonomia política”, sob o ponto de vista jurídico, congrega um conjunto de capacidades conferidas aos entes federados para instituir a sua organização, legislação, a administração e o governo próprios.

A autoadministração e a autolegislação, contemplando o conjunto de competências materiais e legislativas previstas na Constituição Federal para os municípios, é tratada no artigo 30 da Lei Maior, nos seguintes termos:

Art. 30. Compete aos Municípios:

I - legislar sobre assuntos de interesse local;

II - suplementar a legislação federal e a estadual no que couber;

III - instituir e arrecadar os tributos de sua competência, bem como aplicar suas rendas, sem prejuízo da obrigatoriedade de prestar contas e publicar balancetes nos prazos fixados em lei;

IV - criar, organizar e suprimir distritos, observada a legislação estadual;

V - organizar e prestar, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, os serviços públicos de interesse local, incluído o de transporte coletivo, que tem caráter essencial;

VI - manter, com a cooperação técnica e financeira da União e do Estado, programas de educação infantil e de ensino fundamental; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 53, de 2006)

VII - prestar, com a cooperação técnica e financeira da União e do Estado, serviços de atendimento à saúde da população;

VIII - promover, no que couber, adequado ordenamento territorial, mediante planejamento e controle do uso, do parcelamento e da ocupação do solo urbano;

IX - promover a proteção do patrimônio histórico-cultural local, observada a legislação e a ação fiscalizadora federal e estadual.

Assim, não há dúvidas de que ao Município se conferem diversas possibilidades no que diz respeito à atividade legislativa, estando este legitimado a legislar sobre assuntos diversos de interesse local e a suplementar a legislação federal e estadual no que couber, desde que a matéria não adentre o rol de competências privativas da União (CF, artigo 22).

Quanto ao caso em análise, o IGAM, na orientação técnica nº 29.290/2017, reconheceu que o Município tem competência para legislar sobre medidas que garantam a segurança, o conforto e a rapidez no atendimento dos usuários dos serviços de agências bancárias, conforme jurisprudência pacífica. No entanto, considerou que, por estar determinando a obrigação de instituir um setor específico dentro dos bancos, o projeto estaria interferindo na competência privativa da União para organizar o funcionamento dos serviços bancários, além do que, em relação à matéria de fundo, haveria afronta à livre iniciativa da atividade privada, reconhecida pelo artigo 170 da CF/88.

Ocorre que a livre iniciativa, princípio geral da atividade econômica, não existe solitariamente no texto constitucional; pelo contrário, convive com diversos outros princípios que determinam o respeito aos consumidores no exercício das atividades privadas. O mesmo artigo 170 da CF/88, que assegura a livre iniciativa e a livre concorrência, impõe que a ordem econômica tenha por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observando-se os princípios de defesa do consumidor, defesa do meio ambiente e redução das desigualdades regionais e sociais (inc. V, VI e VII).

Como todo e qualquer princípio constitucional, não há absolutismos. Embora a livre iniciativa seja uma garantia ligada à liberdade, isto é, um direito fundamental de primeira dimensão que obriga o Estado a adotar uma posição de inércia em relação aos cidadãos, existem outros princípios igualmente relevantes que determinam um condicionamento no exercício das atividades privadas, destacando-se, neste ponto, a defesa do consumidor, reconhecida expressamente como um direito fundamental na CF/88 (artigo 5º, inc. XXXII).

Portanto, o mero fato de o projeto de lei estar determinando medidas às agências bancárias não o torna materialmente inconstitucional por uma suposta interferência na livre iniciativa. Pelo contrário, o próprio Superior Tribunal de Justiça já sedimentou o entendimento de que “O Código de Defesa do Consumidor é aplicável às instituições financeiras” (Súmula 297), o que legitima as inúmeras propostas que garantam a efetivação dos direitos básicos do consumidor, como a vida, a saúde e a segurança.

Aliás, o condicionamento das atividades privadas ao atendimento do interesse público é o fundamento de base do poder de polícia administrativa, que serve justamente para limitar direitos até então vistos como absolutos, como a propriedade e a liberdade. O poder de polícia se apresenta no ordenamento jurídico a partir do artigo 78 do Código Tributário Nacional, por meio da seguinte definição: “Considera-se poder de polícia atividade da administração pública que, limitando ou disciplinando direito, interesse ou liberdade, regula a prática de ato ou abstenção de fato, em razão de interesse público concernente à segurança, à higiene, à ordem, aos costumes, à disciplina da produção e do mercado, ao exercício de atividades econômicas dependentes de concessão ou autorização do Poder Público, à tranqüilidade pública ou ao respeito à propriedade e aos direitos individuais ou coletivos.”

Portanto, é perfeitamente limitável o modo de exercício das atividades privadas para obrigar a observância de preceitos de ordem pública, tais como os trazidos pelo Código de Defesa do Consumidor (artigo 1º). Inclusive, sobre a matéria em questão, o STJ já decidiu pela competência dos Municípios para fazer exigências quanto ao funcionamento das agências bancárias, desde que não se interfira na atividade financeira:

ADMINISTRATIVO - FUNCIONAMENTO DOS BANCOS – EXIGÊNCIAS CONTIDAS EM LEI ESTADUAL E MUNICIPAL - LEGALIDADE. 1. A jurisprudência do STF e do STJ reconheceu como possível lei estadual e municipal fazerem exigências quanto ao funcionamento das agências bancárias, em tudo que não houver interferência com a atividade financeira do estabelecimento (precedentes). 2. Leis estadual e municipal cuja arguição de inconstitucionalidade não logrou êxito perante o Tribunal de Justiça do Estado do RJ. 3. Em processo administrativo não se observa o princípio da "non reformatio in pejus" como corolário do poder de auto tutela da administração, traduzido no princípio de que a administração pode anular os seus próprios atos. As exceções devem vir expressas em lei. 4. Recurso ordinário desprovido. STJ. RMS Nº 21.981 - RJ (2006/0101729-2). Rel. Min. Eliana Calmon.

Na mesma linha, o STF já julgou constitucional lei municipal que determina às agências bancárias a instalação de divisórias entre os caixas e o espaço reservado para os clientes que aguardam o atendimento, para a garantia da sua segurança:

Agravo regimental no recurso extraordinário com agravo. Representação por inconstitucionalidade. Lei nº 4.344, de 29 de abril de 2010, do Município de Contagem/MG, que obriga agências bancárias a instalarem divisórias entre os caixas e o espaço reservado para os clientes que aguardam atendimento. Lei de iniciativa parlamentar. Ausência de vício formal de iniciativa. Matéria de interesse local. Competência municipal. Precedentes. 1. A lei impugnada não dispõe sobre nenhuma das matérias sujeitas à iniciativa legislativa reservada do chefe do Poder Executivo previstas no art. 61, § 1º, da Constituição Federal, cuidando, tão somente, de impor obrigações a entidades privadas, quais sejam, as agências bancárias do município, que deverão observar os padrões estabelecidos na lei para a segurança e o conforto no atendimento aos usuários dos serviços bancários, de modo que o diploma em questão não incorre em vício formal de iniciativa. 2. A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal firmou-se no sentido de que os municípios detêm competência legislativa para dispor sobre segurança, rapidez e conforto no atendimento de usuários de serviços bancários, por serem tais matérias assuntos de interesse local (art. 30, inciso I, Constituição Federal), orientação ratificada no julgamento da Repercussão Geral no RE nº 610221-RG, de relatoria da Ministra Ellen Gracie (DJe de 20/08/10). Precedentes. 3. Agravo regimental não provido. (ARE 756593 AgR, Relator(a):  Min. DIAS TOFFOLI, Primeira Turma, julgado em 16/12/2014, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-029 DIVULG 11-02-2015 PUBLIC 12-02-2015).

Veja-se que, na ementa do acórdão acima transcrito, o fundamento de base para a determinação é a garantia da segurança dos usuários no atendimento do caixa, diante dos riscos inerentes à atividade bancária. No PL 132/2017, as razões são similares: em geral, os depósitos judiciais e o levantamento de quantias através de alvarás implicam o manuseio de altos valores, o que, naturalmente, coloca em risco a segurança e a vida dos usuários e até mesmo dos trabalhadores das agências. A medida pleiteada busca, sobretudo, assegurar a discrição na realização desse trabalho, de modo a proteger os envolvidos contra os riscos existentes (artigo 6º, I, CDC). Assim, afigura-se legítima a determinação para que os bancos adotem medidas que separem o atendimento nesses casos em específico.

 Considerando, no entanto, a orientação técnica nº 29.290/17 do IGAM, que aponta risco de inconstitucionalidade na ordem de criação de um setor específico nas agências bancárias para o atendimento dos usuários (o que pode interferir na organização interna), necessária uma emenda na redação da proposta, para relativizar a determinação, mantendo, contudo, o seu objetivo:

Art. 1º Fica acrescido o art. 44-C na Lei Municipal nº 1.027/1990, que passa a ter a seguinte redação:

Art. 44-C. As agências bancárias que possuem dentre as suas atribuições a realização de depósitos judiciais e/ou levantamento de quantias provenientes de ações judiciais (pagamento de alvarás judiciais), no âmbito do Município de Guaíba, deverão prestar, para esta finalidade, atendimento prioritário e separado dos demais serviços bancários, em tempo razoável.

§ 1º O descumprimento da obrigação referida no caput sujeitará a instituição financeira às seguintes punições:

I – na primeira autuação, a multa de 300 (trezentas) unidades fiscais de referência municipal (UFIRM);

II – no caso de reincidência, a multa de 600 (seiscentas) unidades fiscais de referência municipal (UFIRM);

III – a partir da terceira autuação, será acrescido sobre o valor referido no inciso II mais 100 (cem) unidades fiscais de referência municipal (UFIRM), a cada nova autuação.

Art. 2º Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.

A alteração acima sugerida, na opinião da Procuradoria, relativiza a ordem dirigida às agências bancárias (não serão obrigadas a criar e organizar um setor específico), mas ainda assim estarão compelidas a prestar atendimento prioritário, separado e em tempo razoável àqueles que necessitem fazer depósitos judiciais ou levantar valores a partir de alvarás judiciais, em nome da segurança e do conforto dos usuários, sem qualquer interferência na organização do sistema financeiro. Ainda, a emenda atende à técnica legislativa exigida pela LC 95/98, especialmente porque a redação do artigo 2º do PL 132/2017 precisa integrar o estabelecido no artigo 44-C.

Conclusão:

Diante do exposto, a Procuradoria opina que a viabilidade jurídica do Projeto de Lei nº 132/2017 está condicionada ao atendimento da recomendação apresentada.

É o parecer.

Guaíba, 07 de dezembro de 2017.

GUSTAVO DOBLER                                                                           JULIA ZANATA DAL OSTO

 Procurador Jurídico                                                                                        Procuradora



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