Câmara de Vereadores de Guaíba

PARECER JURÍDICO

PROCESSO : Projeto de Lei do Executivo n.º 076/2017
PROPONENTE : Executivo Municipal
     
PARECER : Nº 392/2017
REQUERENTE : Comissão de Constituição, Justiça e Redação

"Autoriza o Município de Guaíba a conceder o uso de espaço público destinado a construção de um Centro Cultural, através de processo licitatório"

1. Relatório:

 O Executivo Municipal apresentou o Projeto de Lei nº 076/17 à Câmara Municipal, que “Autoriza o município de Guaíba a conceder o uso de espaço público destinado à construção de um Centro Cultural, através de processo licitatório”. O projeto veio acompanhado de exposição de motivos (fl. 02) e projeto básico (fl. 04). Encaminhado à Comissão de Justiça e Redação, o projeto de lei foi remetido a esta Procuradoria, para parecer. 

2. Parecer:

Inicialmente, verifica-se estar adequada a iniciativa para a deflagração do processo legislativo, uma vez que o projeto de lei apresentado trata da concessão de bens municipais e, sobre este tema, dispõe a Lei Orgânica do Município de Guaíba (LOM):

Art. 52 Compete privativamente ao Prefeito:

[...]

XXII - administrar os bens e as rendas municipais, promover o lançamento,

a fiscalização e a arrecadação de tributos; (grifei)

A administração dos bens integrados ao patrimônio municipal incumbe ao chefe do Poder Executivo, excetuados aqueles utilizados pelo Legislativo. É o explicita a LOM:

Art. 92 Cabe ao Prefeito a administração dos bens municipais, respeitada a competência da Câmara quanto àqueles utilizados em seus serviços.

Quanto à matéria de fundo, não há qualquer óbice à proposta, pois, conforme dispõe o artigo 30, I, da Constituição Federal de 1988, “Compete aos Municípios legislar sobre assuntos de interesse local.”

No mesmo sentido, a Lei Orgânica do Município de Guaíba estabelece que:

Art. 6º Ao Município compete prover a tudo quanto diga respeito ao seu peculiar interesse e ao bem estar de sua população, cabendo-lhe privativamente dentre outras, as seguintes atribuições:

I - legislar sobre assunto de interesse local;

[...]

IX - dispor sobre organização, administração, utilização e alienação de bens públicos;

Sobre o tema, dispõe, ainda, a Constituição do Estado do Rio Grande do Sul:

Art. 13.  É competência do Município, além da prevista na Constituição Federal e ressalvada a do Estado:

(...)

IV - dispor sobre autorização, permissão e concessão de uso dos bens públicos municipais;

Portanto, sob esses critérios, não se vislumbram vícios de ordem formal no projeto submetido à análise. Passemos à análise do âmbito material da proposição.

Consta na Justificativa que o objetivo do Projeto de Lei é obter a autorização para que o Município conceda o uso de espaço público a terceiro, destinado à construção de um Centro Cultural no bairro Santa Rita, em área identificada através de número da matrícula no Registro de imóveis, documento este que deve acompanhar o presente Projeto.

São fixados requisitos para o processo licitatório, como a oferta de oficinas de diversos segmentos artísticos pelo licitante vencedor, em termos a serem fixados pelo instrumento de convocação do processo licitatório.

Ainda, o espaço deverá ser disponibilizado para uso do Poder Executivo, depreende-se de forma gratuita, pois não há informação de cobrança de valores, de acordo com as atividades necessárias em cronograma pré-agendado. Por fim, o PL trata da hipótese de reversão do bem à Administração Pública caso seja utilizado para fins diversos.

Consta na exposição de motivos que acompanha o instrumento que o objetivo é ofertar atividades culturais aos moradores no intuito de diminuir a vulnerabilidade social mediante o desenvolvimento socioeducativo. Ademais, o projeto básico que acompanha o Projeto de Lei dispõe sobre todas as características da concessão pretendida.

Inicialmente, para apreciação do presente Projeto de Lei, é preciso distinguir o instituto da concessão administrativa de uso do instituto da concessão de direito real de uso:

A concessão de uso de bem público é o ajuste que se dá entre a Administração, tida como concedente, e um particular, visto como concessionário, em que aquela outorga a este a utilização exclusiva de um bem de seu domínio, para que o explore por sua conta e risco, respeitando a sua específica destinação, bem como as condições avençadas com a Administração, tais como prazo, preço a ser cobrado do público, entre outras”. Por outro lado, “a concessão de direito real de uso de bem público é o contrato que tem como objeto a transferência da utilização de terreno público ao particular, como direito real resolúvel, para fins específicos de urbanização, industrialização, edificação, cultivo ou qualquer outra exploração de interesse social, consoante art. 7º do Decreto-Lei nº 271, de 28.02.67, que a instituiu, sendo que a referida transferência poderá ser, à vista do aludido dispositivo, remunerada ou gratuita, por tempo certo ou indeterminado. (Revista Zênite de Licitações e Contratos – ILC, Curitiba: Zênite.)

Desta feita, a concessão de uso (concessão administrativa) é um contrato administrativo através do qual o Poder Público concede a alguém o uso exclusivo de determinado bem público para que o explore segundo sua destinação específica. Já a concessão de direito real de uso, instituto criado pelo Decreto-Lei 271/67, é a transferência a particular, pela Administração, da posse de imóvel público para ser por ele utilizado ou explorado em fins específicos de urbanização, industrialização, edificação, cultivo ou qualquer outra exploração de interesse social, passível de registro.

Essa forma de concessão é regulada, no âmbito da União, pelo Decreto-Lei nº 271, de 28-02-1967, que prevê:

Art 7º É instituída a concessão de uso de terrenos públicos ou particulares remunerada ou gratuita, por tempo certo ou indeterminado, como direito real resolúvel, para fins específicos de regularização fundiária de interesse social, urbanização, industrialização, edificação, cultivo da terra, aproveitamento sustentável das várzeas, preservação das comunidades tradicionais e seus meios de subsistência ou outras modalidades de interesse social em áreas urbanas.

§ 1º A concessão de uso poderá ser contratada, por instrumento público ou particular, ou por simples têrmo administrativo, e será inscrita e cancelada em livro especial.

§ 2º Desde a inscrição da concessão de uso, o concessionário fruirá plenamente do terreno para os fins estabelecidos no contrato e responderá por todos os encargos civis, administrativos e tributários que venham a incidir sôbre o imóvel e suas rendas.

§ 3º Resolve-se a concessão antes de seu têrmo, desde que o concessionário dê ao imóvel destinação diversa da estabelecida no contrato ou têrmo, ou descumpra cláusula resolutória do ajuste, perdendo, neste caso, as benfeitorias de qualquer natureza.

§ 4º A concessão de uso, salvo disposição contratual em contrário, transfere-se por ato inter vivos , ou por sucessão legítima ou testamentária, como os demais direitos reais sôbre coisas alheias, registrando-se a transferência.

(...)

Cumpre trazer, outrossim, o conceito de concessão de direito real de uso na lição do ilustríssimo doutrinador Hely Lopes Meirelles:

O contrato pelo qual a Administração transfere o uso remunerado ou gratuito de terreno público a particular, como direito real resolúvel, para que dele se utilize em fins específicos de urbanização, industrialização, edificação, cultivo ou qualquer outra exploração de interesse social. É o conceito que se extrai do art. 7 do Dec.–lei federal 271, de 28.2.67, que criou o instituto, entre nós. (MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 30ª ed. Malheiros. São Paulo. 2005, p. 513).

Destarte, a concessão de direito real de uso consiste em um contrato pelo qual a Administração transfere o uso remunerado ou gratuito de um terreno público a um particular para que se utilize em fins específicos de urbanização, industrialização, edificação, cultivo ou qualquer outra exploração de interesse social. O instituto tem natureza contratual e é dotado da estabilidade inerente a essa espécie de ajuste, inclusive por decorrência da fixação de um prazo determinado.

Por conseguinte, tratando-se de instrumento que visa à execução de obra para edificação de espaço público, verifica-se, no caso em tela, que o instituto adequado para a cessão do imóvel a particular é a concessão de direito real de uso, em detrimento da concessão administrativa, estando legitimadas quaisquer benfeitorias na área pública.

No mesmo sentido, os ensinamentos de Jessé Torres Pereira Júnior:

Quanto à referência que o §3° faz à concessão de direito real de uso, para cuja licitação é obrigatória a modalidade concorrência, tenha-se em vista que se cuida de espécie própria, não se confundindo com a concessão de uso, muito menos com a concessão de serviço público. Não se poderá estender à licitação para concessão administrativa de uso a exigência de concorrência, modalidade somente obrigatória quando se tratar de concessão de direito real de uso. A distinção é conceitual, de há muito posta na doutrina, e tem sido acolhida no decisório do Tribunal de Contas da União. Apreciando representação que verberava a cessão de espaço de prédio público para a instalação de cantina, sem concorrência, a Corte fez ver que tem ‘havido compreensão equivocada do dispositivo legal invocado. A legislação pertinente, bem como a doutrina deixam cristalino que os casos de cessão de uso de cantinas não são concessões de direito real de uso, instituto esse destacado pelo §3° do art. 23 da Lei n° 8.666/93. Concessão de direito real de uso é o contrato pelo qual a Administração transfere o uso gratuito ou remunerado de terreno público a particular, para que dele se utilize em fins de interesse social, sendo transferível por ato inter vivos ou causa mortis. Já a concessão administrativa de uso, aplicável às cantinas em espaços de repartições públicas, confere ao titular do contrato um direito pessoal de uso do bem público privativo e intransferível. Daí a denúncia haver sido julgada improcedente."(Comentários a Lei de Licitações e Contratações da Administração Pública. 5ª ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2002. p. 253).

Por isso, apesar de tratar o presente projeto do instituto da concessão administrativa de uso, também denominada concessão comum de uso, o que na prática se verifica é que o concessionário receberá, por parte do Município, uma concessão de direito real de uso.

Acerca deste instituto, a Lei Orgânica do Município assim prevê:

Art. 96 O Município, preferentemente a venda ou doação de seus bens imóveis, outorgará concessão de direito real de uso, mediante prévia autorização legislativa e concorrência pública.

Art. 99 O uso de bens municipais, por terceiros, só poderá ser feito mediante concessão, cessão, permissão e autorização de uso, a título precário, e por tempo determinado, conforme o interesse público o exigir, com prévia autorização do Legislativo. (Redação dada pela Emenda à Lei Orgânica nº 01/2015).

Assim, é cristalino que o Poder Público tem o dever licitar as concessões de espaço público, utilizando-se, ainda, no caso de concessão de direito real de uso, obrigatoriamente da modalidade concorrência, como bem explicita a Lei n° 8.666/1993:

Art. 2° As obras, serviços, inclusive de publicidade, compras, alienações, concessões, permissões e locações da Administração Pública, quando contratadas com terceiros, serão necessariamente precedidas de licitação, ressalvadas as hipóteses previstas nesta Lei.

Art. 23

(...)

§ 3° A concorrência é a modalidade de licitação cabível, qualquer que seja o valor de seu objeto, tanto na compra ou alienação de bens imóveis, ressalvado o disposto no art. 19, como nas concessões de direito real de uso e nas licitações internacionais, admitindo-se neste último caso, observados os limites deste artigo, a tomada de preços, quando o órgão ou entidade dispuser de cadastro internacional de fornecedores ou o convite, quando não houver fornecedor do bem ou serviço no País.

Outro não é o entendimento do Tribunal de Contas da União, no voto do Ministro Adylson Motta:

(...) vale lembrar a abrangência do art. 2º da Lei nº 8.666/93, que dispôs: 'As obras, serviços, inclusive de publicidade, compras, alienações, concessões, permissões e locações da Administração Pública, quando contratadas com terceiros, serão necessariamente precedidas de licitação, ressalvadas as hipóteses previstas nesta lei. Conforme se verifica, o mencionado art. 2º utilizou o termo 'concessão' referindo-se ao gênero, e não à espécie. Assim o fazendo, tornou necessária a licitação em toda e qualquer concessão, seja ela 'administrativa de uso' ou 'de direito real de uso'. O Estatuto fez distinção apenas quanto à modalidade de licitação a ser empregada, tornando obrigatória a realização de concorrência somente para as concessões de direito real de uso (Decisão n. 207/1995, Processo n. TC 275.320/92-8.)

Somado a isto, a apreciação do conteúdo material da proposição depende da análise minuciosa da finalidade do uso do bem, para a verificação do efetivo atendimento do interesse público local. O interesse público, à parte a subjetividade de que o conceito está imbuído, pode ser assim definido nas palavras de Hely Lopes Meirelles:

Em última análise, os fins da Administração consubstanciam-se na defesa do interesse público, assim entendidas aquelas aspirações ou vantagens licitamente almejadas por toda a comunidade administrada, ou por parte expressiva de seus membros. O ato ou contrato administrativo realizado sem interesse público configura desvio de finalidade. (Direito Administrativo, Malheiros Editores, São Paulo, 23ª ed., pág. 85)

Por conseguinte, somente é recomendável a realização do negócio se o interesse público estiver comprovado; destarte, o mérito do ato deverá ser avaliado pelo gestor público, diante dos critérios de conveniência e oportunidade, os quais serão referendados pelo Poder Legislativo.

Por fim, cumpre notar que está correta a previsão contida no art. 3º do Projeto de Lei, tendo em vista que uma das peculiaridades da concessão de uso é que o imóvel será revertido à Administração se o concessionário não lhe der o uso prometido ou o desviar da finalidade acordada. Porém, é importante lembrar que a formalização da concessão deverá ocorrer através de escritura pública, uma vez que diz respeito a direito real sobre imóveis.

Conclusão:

Diante do exposto, a Procuradoria opina que a viabilidade jurídica do Projeto de Lei nº 076/2017 está condicionada à alteração do instituto que se pretende autorizar, qual seja, a concessão de direito real de uso em detrimento da concessão de uso comum. Ademais, a matrícula atualizada do bem público deve constar no Projeto de Lei para fins de comprovação da propriedade.

É o parecer.

Guaíba, 06 de dezembro de 2017.

_________________                                                                        ___________________

   Gustavo Dobler                                                                              Julia Zanata Dal Osto

 Procurador Jurídico                                                                                  Procuradora



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