Câmara de Vereadores de Guaíba

PARECER JURÍDICO

PROCESSO : Veto Total n.º 088/2017
PROPONENTE : Executivo Municipal
     
PARECER : Nº 390/2017
REQUERENTE : Comissão de Constituição, Justiça e Redação

"Veto Parcial ao Projeto de Lei nº 088/2017"

1. Relatório:

O Vereador Dr. João Collares apresentou o Projeto de Lei nº 088/17 à Câmara Municipal, objetivando instituir, no Município de Guaíba, a “Semana Municipal para Conscientização e Apoio aos Portadores da Doença de Alzheimer”, a ser comemorada, anualmente, na semana que incluir o dia 21 do mês de setembro de cada ano. Encaminhado à Comissão de Justiça e Redação, o projeto foi remetido a esta Procuradoria, para parecer, o qual foi devidamente lançado. A proposta foi aprovada por unanimidade em 17/10/2017. Remetida ao Executivo a redação final do projeto, foi protocolado na Câmara de Vereadores o veto parcial, tendo sido solicitado, pela Comissão de Justiça e Redação, novo parecer jurídico.

2. Parecer:

O veto parcial do Executivo se restringe ao disposto no artigo 2º, que aduz:

A “Semana Municipal para Conscientização e Apoio aos Portadores da doença de Alzheimer” deve incluir na sua programação abordagens para conscientizar a sociedade sobre as necessidades específicas da doença, visando promover o debate sobre as problemáticas que acometem aos seus portadores, esclarecer a comunidade quanto às possíveis causas da enfermidade e sobre os tratamentos adequados e promover atividades afins, com a finalidade de troca de experiências e informações entre familiares, cuidadores e demais envolvidos, visando à ampliação da cidadania da pessoa portadora de Alzheimer e favorecer o aprimoramento das políticas públicas que apontem nessa direção.

De acordo com o Prefeito, “o artigo 2º do Projeto de Lei acima citado, de iniciativa da Câmara Municipal, contém a eiva da inconstitucionalidade porque entra em conflito com os princípios consagrados na Constituição do Estado do Rio Grande do Sul, quais sejam, os princípios da divisão, harmonia e independência dos Poderes previstos nos artigos 5º e 10 da Constituição Estadual; o princípio da reserva de iniciativa estampado no artigo 60, II, d, da Constituição Estadual, bem como o princípio da isonomia previsto no artigo 5º da Constituição Federal.”

No entanto, não se verifica do texto aprovado qualquer obrigação para que o Poder Executivo promova, por meio de seus órgãos, a referida semana municipal. Embora as atividades propostas no artigo 2º do projeto aprovado sejam, politicamente, de responsabilidade do Estado, as questões da saúde envolvem diversos outros setores, como entidades privadas, organizações da sociedade civil, universidades e associações, o que denota a real possibilidade de organização da semana municipal por meio de outros interessados. O texto aprovado em momento algum cria deveres ao Executivo no sentido de realizar a atividade; pelo contrário, tem-se que, caso seja realizada a semana municipal, o organizador apenas deverá incluir, na programação, os parâmetros previstos no artigo 2º.

O IGAM, em análise jurídica do veto parcial, sustentou, basicamente, que “não se encontram corretos os argumentos do veto, que referem a ausência de iniciativa legislativa da Câmara, em razão de ferir o princípio da independência entre os poderes, pois não restam explícitas obrigações para o Executivo.” De fato, o simples fato de constar, no texto aprovado, a relação das atividades a serem realizadas na eventual organização da semana municipal não permite, por si só, a interpretação de que o Executivo esteja obrigado a promover o evento. Não há qualquer referência a deveres ou obrigações aos órgãos do Executivo no que diz respeito à logística, à operacionalização e ao custeio do evento; aliás, sequer há menção ao Poder Público na redação aprovada.

Cabe ressaltar que, à luz da interpretação das normas jurídicas, é clássica a lição de que as exceções devem ser interpretadas de forma restritiva. Ou seja, quando a norma jurídica excepciona uma regra geral, estabelecendo requisitos que limitam o exercício de uma prerrogativa, não se pode adotar a técnica da interpretação ampliativa para atingir outros casos não previstos na norma analisada.

Como exemplo, veja-se o artigo 61, § 1º, da CF/88, que traz os casos de iniciativa privativa do Chefe do Executivo para deflagrar o processo legislativo. A norma geral é prevista no artigo 61, caput, nos seguintes termos: “A iniciativa das leis complementares e ordinárias cabe a qualquer membro ou Comissão da Câmara dos Deputados, do Senado Federal ou do Congresso Nacional, ao Presidente da República, ao Supremo Tribunal Federal, aos Tribunais Superiores, ao Procurador-Geral da República e aos cidadãos, na forma e nos casos previstos nesta Constituição.” A referida norma estabelece a chamada iniciativa concorrente, permitindo a todas as pessoas ali especificadas dar início ao processo legislativo. O § 1º, em seguida, estabelece uma restrição à iniciativa concorrente, prevendo as matérias em que somente o Presidente da República poderá deflagrar projetos de lei. Por ser norma restritiva, que limita o exercício de uma prerrogativa geral, tem-se que não é possível ampliar o campo de aplicação das exceções para trazer outros casos ali não previstos. Nesse sentido, o entendimento do STF sobre a matéria:

DECISÃO RECURSO EXTRAORDINÁRIO – LEI MUNICIPAL – INICIATIVA – SEPARAÇÃO DOS PODERES – PRECEDENTES DO PLENÁRIO – PROVIMENTO. [...] 2. Assiste razão ao recorrente. Os pronunciamentos do Supremo são reiterados no sentido de que a interpretação das regras alusivas à reserva de iniciativa para processo legislativo submetem-se a critérios de direito estrito, sem margem para ampliação das situações constitucionalmente previstas – medida cautelar na ação direta de inconstitucionalidade nº 724/RS, relator o ministro Celso de Mello, acórdão publicado no Diário da Justiça em 27 de abril de 2001, ação direta de inconstitucionalidade nº 2.464/AP, relatora a ministra Ellen Gracie, acórdão publicado no Diário da Justiça em 25 de maio de 2007, e ação direta de inconstitucionalidade nº 3.394/AM, relator o ministro Eros Grau, acórdão publicado no Diário da Justiça em 24 de agosto de 2007. [...] (RE 729729, Relator(a): Min. MARCO AURÉLIO, julgado em 13/12/2016, publicado em DJe-017 DIVULG 31/01/2017 PUBLIC 01/02/2017).

Portanto, inviável sustentar a ocorrência de vício de iniciativa, uma vez que, nos termos do artigo 60, inc. II, “d”, da Constituição Estadual Gaúcha, apenas há reserva ao Chefe do Executivo nos casos de “criação, estruturação e atribuições das Secretarias e órgãos da administração pública”, o que não ocorre no caso, já que não foram determinadas quaisquer atividades ao Município com interferência na separação de poderes. As demais restrições do artigo 60 da CE/RS não possuem qualquer relação com o projeto.

Importante reiterar, ainda, trecho da orientação técnica nº 24.309/2017, do IGAM, que defende a ausência de vício de iniciativa e de interferência no Executivo:

Apesar de considerar improvável que o Poder Executivo deixe de participar com alguma ação de seus órgãos ou servidores na referida Semana – até mesmo pelo alcance almejado no Município – observa-se que, a rigor, não há previsão de participação do Poder Executivo, tampouco de custos operacionais, físicos, logísticos, financeiros ou patrimoniais à administração pública local. A adesão da Prefeitura à Semana Municipal para Conscientização e Apoio aos Portadores da doença de Alzheimer, assim, não se daria por uma imposição legal. Constata-se, portanto, que não há vício de origem que possa configurar a inconstitucionalidade formal do projeto de lei em análise, podendo, portanto, ser de autoria parlamentar.

No Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo – onde há vários precedentes em ações diretas de inconstitucionalidade sobre a instituição de datas comemorativas –, foi julgado constitucional o artigo 2º da Lei Municipal nº 11.409, de 08 de setembro de 2016, do Município de Sorocaba, por apenas ter fixado os objetivos da Semana de Conscientização, Prevenção e Combate à Verminose. Eis aqui parte do esclarecedor voto adotado:

Como referi por ocasião da decisão em que indeferi a medida liminar (págs. 83/84), não se vê invasão de competência normativa do Poder Executivo, porquanto, instituída semana de conscientização, prevenção e combate à verminose naquela municipalidade, o artigo 2º, ora impugnado, não vai além de fixar os objetivos da campanha, sem fixar novas incumbências a servidores que, à evidência, e se necessárias, não irão além das de cunho ordinário, situação a não exigir peculiaridades características de aumento de despesas ordenadas pelo Legislativo.

Transcreve-se, ainda, ementa de outro julgado do TJSP sobre idêntica matéria:

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. Lei Nº 3.898, de 25 de abril de 2016, do Município de Mirassol, que 'Institui A Semana de Combate ao Aedes Aegypt no âmbito do Município de Mirassol'. Inicial que aponta ofensa a dispositivos que não guardam relação com o tema em debate, tal como carece de fundamentação correlata (artigos 1º, 111, 180 e 181 da CE, bem como artigo 22, inciso XXVII da CR). Impertinência de exame. Iniciativa oriunda do poder legislativo local. Viabilidade. Inconstitucionalidade formal não caracterizada. Lei que não disciplina matéria reservada à Administração, mas sim sobre programa de conscientização de caráter geral. Ausência de invasão à iniciativa exclusiva do Chefe do Executivo, cujo rol taxativo é previsto no artigo 24, § 2º da Carta Estadual, aplicável aos Municípios por força do artigo 144 do mesmo diploma. ATO normativo, ademais, que não impõe qualquer atribuição ao Executivo local, ostentando conteúdo educativo a justificar atuação legislativa municipal. Ausência de violação ao princípio da separação dos poderes. Mácula aos artigos 5º, 47, incisos II, XIV E XIX, da Constituição Bandeirante, não constatada. Previsão orçamentária genérica que, por si só, não tem o condão de atribuir inconstitucionalidade à lei. Precedentes. Pretensão improcedente (ADI 2101150-34.2016, rel. Des. FRANCISCO CASCONI, j. 19.10.2016).

Assim, com base nos fundamentos expostos, nas orientações técnicas do IGAM e na jurisprudência, tem-se que o texto aprovado não ingressou em matéria reservada, já que o artigo 2º não estabeleceu qualquer obrigação ao Executivo, apenas prevendo as diretrizes e objetivos da semana municipal, que poderá ser organizada por entidades privadas, organizações da sociedade civil, universidades e associações, ou por quem mais se interessar.

É importante lembrar, ainda, que o veto do Chefe do Executivo, no caso, é meramente parcial, incidindo apenas sobre o artigo 2º. Portanto, o Projeto de Lei nº 088/2017 foi sancionado em parte, o que garante a existência da previsão legal da data comemorativa. Caso adotado o veto parcial, será tão somente eliminado o artigo 2º, que prevê as diretrizes e os objetivos da campanha, subsistindo integralmente o restante do texto aprovado.

Por fim, ressalta-se que, caso seja derrubado o veto e mantido o artigo 2º, o Chefe do Executivo poderá ingressar, futuramente, com ação direta de inconstitucionalidade para, no âmbito do Tribunal de Justiça Gaúcho, ver declarada a inconformidade do dispositivo com a Constituição Estadual. Embora a Procuradoria da Câmara e o IGAM entendam a proposta como constitucional, por não haver vício de iniciativa e violação à separação de poderes, o Judiciário poderá adotar entendimento diverso. O Direito não é ciência exata, de modo que não se descarta a possibilidade de ser declarada a inconstitucionalidade do dispositivo no TJRS, ainda que existam fundamentos consistentes em sentido diverso. 

Conclusão:

Diante do exposto, seguindo as linhas gerais das orientações técnicas do IGAM e da jurisprudência, a Procuradoria opina pela constitucionalidade do texto aprovado no Projeto de Lei nº 088/2017, não se descartando, porém, a possibilidade de que, em eventual ação direta de inconstitucionalidade, o Tribunal de Justiça venha a reconhecer inconformidade com a Constituição Estadual, por adoção de entendimento diverso.

É o parecer.

Guaíba, 06 de dezembro de 2017.

GUSTAVO DOBLER

Procurador Jurídico



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