Câmara de Vereadores de Guaíba

PARECER JURÍDICO

PROCESSO : Projeto de Lei do Executivo n.º 062/2017
PROPONENTE : Executivo Municipal
     
PARECER : Nº 377/2017
REQUERENTE : Comissão de Constituição, Justiça e Redação

"Autoriza o Município de Guaíba a permutar imóvel com a empresa Perfil Participações Societária Ltda e dá outras providências"

1. Relatório:

O Executivo Municipal apresentou o Projeto de Lei nº 062/17 à Câmara Municipal, que “Autoriza o município de Guaíba a permutar imóveis com a empresa Perfil Participações Societárias Ltda e dá outras providências”. O projeto veio acompanhado de exposição de motivos (fls. 02, 03 e 04). Encaminhado à Comissão de Justiça e Redação, o projeto de lei foi remetido a esta Procuradoria, para parecer.

2. Parecer:

Inicialmente, verifica-se estar adequada a iniciativa para a deflagração do processo legislativo, uma vez que o projeto de lei apresentado trata da alienação de bens municipais e, sobre este tema, dispõe a Lei Orgânica do Município de Guaíba (LOM):

Art. 52 Compete privativamente ao Prefeito:

[...]

XXII - administrar os bens e as rendas municipais, promover o lançamento,

a fiscalização e a arrecadação de tributos; (grifei)

 

Art. 92 Cabe ao Prefeito a administração dos bens municipais, respeitada a competência da Câmara quanto àqueles utilizados em seus serviços.

Quanto à matéria de fundo, não há qualquer óbice à proposta, pois conforme dispõe o artigo 30, I, da Constituição Federal de 1988, “Compete aos Municípios legislar sobre assuntos de interesse local.”

No mesmo sentido, a Lei Orgânica do Município de Guaíba estabelece que:

Art. 6º Ao Município compete prover a tudo quanto diga respeito ao seu peculiar interesse e ao bem estar de sua população, cabendo-lhe privativamente dentre outras, as seguintes atribuições:

I - legislar sobre assunto de interesse local;

[...]

IX - dispor sobre organização, administração, utilização e alienação de bens públicos;

Sobre o tema, dispõe, ainda, o art. 97 da Lei Orgânica do Município de Guaíba:

Art. 97 A aquisição de bens imóveis, por permuta, dependerá de prévia avaliação e autorização legislativa.

Portanto, sob esses critérios, não se vislumbram vícios de ordem formal no projeto submetido à análise.

Consta na Justificativa que o objetivo do Projeto de Lei é permutar um imóvel de propriedade do Município pela revitalização da “Praça Pedra Bonita” e a construção de dois Ecopontos, sendo estes sistemas de coleta que proporcionam a manutenção da limpeza pública, supostamente contribuindo para o bem estar da população e melhorando o aproveitamento do material no intuito de eliminar focos de lixo em vias públicas.

O Chefe do Poder Executivo utiliza-se da doutrina e da jurisprudência dos bens públicos para fins de justificar o negócio jurídico e demonstrar o interesse público na sua realização.

O Termo de Permuta que acompanha o Projeto de Lei dispõe sobre a finalidade do negócio; os laudos de avaliação dos imóveis, as reformas, os valores e prazos da obra de responsabilidade da empresa; as matrículas atualizadas dos imóveis e mapa com a demonstração da localização das áreas.

Inicialmente, no que diz respeito ao âmbito material da proposição, cumpre trazer o conceito de permuta na lição do ilustríssimo doutrinador Hely Lopes Meirelles:

1.6.1.4 Permuta: permuta, troca ou escambo é o contrato pelo qual as partes transferem e recebem um bem, uma da outra, bens, esses, que se substituem reciprocamente no patrimônio dos permutantes. Há sempre na permuta uma alienação e uma aquisição de coisa, da mesma espécie ou não. (MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 35ª ed. Malheiros. São Paulo. 2009, p. 544). 

Assim, não há necessidade de que os bens permutados sejam da mesma espécie ou de igual valor para a configuração da troca. Consoante ilustra Pontes de Miranda:

Não há preço, no sentido próprio; porque um dos figurantes promete um bem, que não é dinheiro, e o outro figurante promete outro bem, que não é dinheiro. A troca não deixa de ser troca se a contraprestação, em vez de ser só a outra coisa, consiste na outra coisa mais importância pecuniária, que serve à correspondência dos valores. O que é preciso é que o bem não pecuniário seja o objeto do contrato, em primeira plana. (Pontes de Miranda. Tratado de Direito Privado. Rio de Janeiro: Borsoi, 1962. p. 379).

Ademais, tratando-se de bem que a Administração pretende alienar por meio de permuta, cumpre notar que o imóvel em questão deverá integrar o patrimônio público municipal como bem dominical.  Isso porque, não havendo serventia imediata de um bem imóvel, em tese, nada obsta que seja promovida a alienação ou a transferência do uso para o atendimento de uma finalidade pública, ainda que por meio de uma entidade privada.

Destarte, a não serventia deverá ser declarada, por Comissão da Administração que aponte as condições do bem atualmente, realizando a devida avaliação do valor de mercado, em se tratando da alienação ou permuta.  À luz dessas razões, ainda que para atender finalidade pública (construção de ecopontos), mostra-se necessário precisar a classificação do bem imóvel como sendo dominical para que se torne possível proceder à permuta, consoante o disposto ao art. 101, do Código Civil Brasileiro:

Art. 101. Os bens públicos dominicais podem ser alienados, observadas as exigências da lei.

 Da leitura desta norma, não resta dúvida de que somente os bens classificados como dominicais podem ser alienados na forma da legislação vigente, sendo inalienáveis enquanto destinados ao uso comum do povo ou a fins especiais, isto é, enquanto tiverem destinação pública.

Somado a isto, a apreciação do conteúdo material da proposição depende da análise minuciosa da finalidade do uso do bem, para a verificação do efetivo atendimento do interesse público local. O interesse público, à parte a subjetividade de que o conceito está imbuído, pode ser assim definido nas palavras de Hely Lopes Meirelles:

 Em última análise, os fins da Administração consubstanciam-se na defesa do interesse público, assim entendidas aquelas aspirações ou vantagens licitamente almejadas por toda a comunidade administrada, ou por parte expressiva de seus membros. O ato ou contrato administrativo realizado sem interesse público configura desvio de finalidade.

Por conseguinte, somente é recomendável a realização do negócio se o interesse público estiver comprovado; destarte, o mérito do ato deverá ser avaliado pelo gestor público, diante dos critérios de conveniência e oportunidade, os quais serão referendados pelo Legislativo.

Ademais, conforme previsão contida na Lei 8.666/1993, para a alienação de bens imóveis, o Executivo deverá proceder à avaliação prévia do bem, obter autorização Legislativa específica e realizar licitação na modalidade de concorrência:

Art. 17. A alienação de bens da Administração Pública, subordinada à existência de interesse público devidamente justificado, será precedida de avaliação e obedecerá às seguintes normas:

 I - quando imóveis, dependerá de autorização legislativa para órgãos da administração direta e entidades autárquicas e fundacionais, e, para todos, inclusive as entidades paraestatais, dependerá de avaliação prévia e de licitação na modalidade de concorrência, dispensada esta nos seguintes casos:

(...)

c) permuta, por outro imóvel que atenda aos requisitos constantes do inciso X do art. 24 desta Lei; (grifou-se)

Art. 24. É dispensável a licitação:

[...]

X - para a compra ou locação de imóvel destinado ao atendimento das finalidades precípuas da administração, cujas necessidades de instalação e localização condicionem a sua escolha, desde que o preço seja compatível com o valor de mercado, segundo avaliação prévia;

 No mesmo sentido, dispõe a LOM:

 Art. 95 A alienação de bens municipais, subordinada a existência de interesse público devidamente justificado, será sempre precedida de avaliação e obedecerá as seguintes normas:

I - quando imóveis, dependerá de autorização legislativa e concorrência pública; (...)

 Art. 97 A aquisição de bens imóveis, por permuta, dependerá de prévia avaliação e autorização legislativa.

É de se observar, ainda, que não só a alienação deve estar informada de um interesse público, conforme reza o art. 95 da LOM acima transcrito, mas também a aquisição de bens pela Administração Pública deve atender a uma finalidade pública. E essa finalidade deve estar devidamente justificada para que os membros do Poder Legislativo possam, bem informados, decidir com liberdade sobre a legalidade e o mérito da aquisição pretendida.

Ademais, cumpre notar que para a permuta a licitação, por regra, é obrigatória, ainda que tal obrigatoriedade possa ser excepcionada pela alínea 'c' do inciso I do art. 17 da Lei n° 8.666/93, quando atendidos os pressupostos legais.

O referido artigo estabelece que a “permuta” realizável mediante licitação dispensada será aquela entre bens imóveis, sendo que o objeto da troca pelo poder público deverá deter peculiaridades que atendam as finalidades e necessidades precípuas da Administração, as quais condicionem quanto a sua localização, escolha, devendo o preço deter compatibilidade com o mercado. Não obstante, importante destacar que estes requisitos não mais prevalecem para os Estados, Distrito Federal e Municípios desde 03/11/03, em razão de liminar concedida pelo Supremo Tribunal Federal nos autos da ADin n° 927-3, promovida pelo Estado do Rio Grande do Sul.

No caso concreto, entretanto, a alienação direta do bem público não encontra permissivo no art. 17, inciso I, alínea “c”, da Lei de Licitações, como indicado na justificativa do projeto apresentada pelo Executivo, tendo em vista que não há qualquer previsão no projeto quanto à descrição dos imóveis particulares que serão objeto da permuta, uma vez que não se trata de permuta por outro imóvel, e sim por execução de obras. Logo, ausente qualquer justificativa para se proceder à alienação de bens municipais mediante dispensa de licitação.

Nesse sentido, cumpre ainda destacar que a exigência de licitação é dispensada nesse caso apenas se comprovada a especificidade dos bens a serem permutados, devendo estar amplamente demonstrados os fatos que despertam o interesse do Poder Executivo pelo bem e a inexistência de outro com as mesmas condições para ocorrência do negócio jurídico. Vale ter sempre presente a advertência de Marçal Justen Filho, segundo o qual, “antes de promover a contratação direta, a Administração deverá comprovar a impossibilidade de satisfação do interesse sob tutela estatal por outra via e apurar a inexistência de outro imóvel apto a atendê-lo”.

Conclui-se, portanto, que a dispensa de licitação para a permuta não é aplicada à generalidade dos casos, mas somente quando envolvidos objetos certos e determinados, por sua vez, indispensáveis a atender o interesse público. Caso contrário, será necessário o lançamento de processo licitatório na modalidade concorrência, sob pena de nulidade da permuta, conforme elucida Diógenes Gasparini:

(...) Apesar disso, a licitação pode e deve ser feita quando o Estado não deseja certo e determinado imóvel, mas um dentre os muitos que podem satisfazer seus interesses. A licitação é necessária, por exemplo, sob pena de nulidade, quando o Estado se propõe a permutar um terreno de sua propriedade com área de 1.200 m², com perímetro, divisas e confrontações tais e quais, situado no Bairro do Barro Preto, com frente para a rua dos Pardais, por um terreno de área igual ou superior, situado no interior de um círculo de raio igual a um quilômetro, tendo como centro a sede do Poder Público licitante. Como mais de um terreno pode atender a essas especificações, necessária é a licitação. O critério de julgamento será o menor preço do terreno oferecido pelo particular, pois as demais condições foram estabelecidas igualmente para todos. (GASPARINI, Diógenes. Direito Administrativo. 12 ed. São Paulo: Saraiva, 2007. Pág. 836.)(grifei) 

No caso apresentado para análise do Poder Legislativo, sequer existem bens imóveis particulares a serem permutados, restando evidente a impossibilidade de aplicação da hipótese de dispensa prevista no art. 17, inciso I, alínea “c”, da Lei 8.666/93.

Nesse sentido, cabe destacar que se destinando o instituto da permuta ao “escambo” entre bens móveis ou imóveis, parte da doutrina entende, inclusive, não ser possível a permuta de bem imóvel com serviço, que se caracteriza como bem imaterial, consoante o disposto ao art. 594, do Código Civil, o que desvirtuaria a finalidade da permuta.

Entretanto, na esfera federal, a Lei nº 9.636/98 conferiu à União a possibilidade de permutar imóveis de qualquer natureza, por imóveis edificados ou não, ou, ainda por edificações a construir:

Art. 30. Poderá ser autorizada, na forma do art. 23, a permuta de imóveis de qualquer natureza, de propriedade da União, por imóveis edificados ou não, ou por edificações a construir.

(...)

§ 2°. Na permuta, sempre que houver condições de competitividade, deverão ser observados os procedimentos licitatórios previstos em lei.

Como já visto, o art. 17, I, 'c' da Lei n° 8.666/93 somente admite a permuta de bens imóveis públicos por outros bens imóveis. No entanto, de acordo com o conceito trazido pelo art. 79 do Código Civil, "São bens imóveis o solo e tudo quanto se lhe incorporar natural ou artificialmente".

 De acordo com Maria Helena Diniz, o imóvel por acessão física artificial, previsto na segunda parte do art. 79 do Código Civil:

Inclui tudo aquilo que o homem incorporar artificial e permanentemente ao solo, como a semente lançada à terra, os edifícios e construções (pontes, viadutos, etc), de modo que se não possa retirar sem destruição, modificação, fratura ou dano. Acessão significa aumento, justaposição, acréscimo ou aderência de uma coisa a outra. (DINIZ, Maria Helena. Curso Geral de Direito Civil volume 1: teoria geral do direito civil. 26 ed. São Paulo: Saraiva, 2009. Pág. 344)

No complemento de Sílvio de Salvo Venosa:

Na hipótese ora tratada, as sementes, os materiais de construção são originalmente coisas móveis, que aderem definitivamente ao solo, passando à categoria de imóveis. Aqui se aplica o princípio de que o acessório segue o principal. (VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil: parte geral. 6 ed. São Paulo: Atlas, 2006.Pág. 309/310)

Considerando que as "edificações a construir", previstas na Lei Federal n° 9.636/98 são considerados imóveis por acessão física artificial, se constata a viabilidade jurídica, aplicando-se este entendimento, da permuta de bens imóveis por construção. Contudo, a troca de imóveis públicos por reformas, ou seja, por um serviço, deturpa o instituto da permuta de imóveis na Administração Pública, inviabilizando, portanto, a possibilidade deste tipo de alienação.

Ressalte-se, contudo, que o § 2° do art. 30 da Lei Federal n° 9.636/98 determina que sempre que houver condições de competitividade, deverão ser observados os procedimentos licitatórios previstos em lei, tal como foi exigido no art. 95, inciso I, da Lei Orgânica Municipal.

Partindo do pressuposto de que sempre haverá mais de um interessado na execução de uma obra, e que, no caso concreto, a Administração Municipal não pretende incorporar a seu patrimônio um bem determinado, já existente, insubstituível, e que é de interesse público a contratação mais vantajosa para a Administração, a permuta de bens imóveis pela construção de dois ecopontos, deverá, necessariamente, ser precedida de licitação pública, na modalidade concorrência.

Ademais, é preciso alertar que ainda que existente previsão legal para a permuta, o Administrador deve analisar o alcance desta em cada caso concreto, de forma a verificar se a permuta realmente trará melhores resultados para o interesse público, enquanto existe a possibilidade, por exemplo, de que o terreno seja alienado em um determinado processo licitatório e seja instaurado outro para a construção da obra pretendida.

Por fim, cumpre notar que apesar de a permuta pressupor uma troca de bens de valores equivalentes, do ponto de vista prático, creia-se que, quase na totalidade dos casos, será necessária a resolução de diferenças entre o valor atribuído ao imóvel público e o valor contratado para a obra - que poderá sofrer acréscimos ou supressões no decorrer da execução, o que deverá ser considerado no edital de licitação.

Assim, diante de valores permutados que não apresentem equivalência, deverá, necessariamente, ocorrer a reposição pecuniária à parte prejudicada, para que não haja lesão ao patrimônio público e enriquecimento ilícito de qualquer dos contratantes, na forma definida no edital e especificamente detalhada no contrato.

Nesse sentido, quando houver ingresso de dinheiro aos cofres públicos, o Administrador deve se ater ao disposto no art. 44 da Lei Complementar n° 101/00 (Lei de Responsabilidade Fiscal) que, ao tratar da preservação do patrimônio público, dispõe:

Art. 44. É vedada a aplicação da receita de capital derivada da alienação de bens e direitos que integram o patrimônio público para o financiamento de despesa corrente, salvo se destinada por lei aos regimes de previdência social, geral e próprio dos servidores públicos.

Por conseguinte, ainda que a permuta nos termos apresentados no Projeto de Lei em análise fosse viável, não seria recomendável aplicar os valores excedentes em serviços de revitalização de bens da Administração, como pretendido. 

Conclusão:

Diante de todo o exposto, a Procuradoria opina pela inviabilidade do Projeto de Lei nº 062/2017.

É o parecer.

Guaíba, 06 de dezembro de 2017.

___________________                                                                    ___________________

 Gustavo Dobler                                                                                Julia Zanata Dal Osto

 Procurador Jurídico                                                                                 Procuradora



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