PARECER JURÍDICO |
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"Dispõe sobre a realização anual de atividades direcionadas ao enfrentamento da hepatite no mês de Janeiro" 1. Relatório:O Vereador Dr. Renan Pereira apresentou o Projeto de Lei nº 135/2017 à Câmara Municipal, dispondo sobre a realização anual de atividades direcionadas ao enfrentamento da hepatite no mês de janeiro. Encaminhado à Comissão de Justiça e Redação, o projeto foi remetido a esta Procuradoria, para parecer jurídico. 2. Parecer:O artigo 18 da Constituição Federal de 1988, inaugurando o tema da organização do Estado, prevê que “A organização político-administrativa da República Federativa do Brasil compreende a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, todos autônomos, nos termos desta Constituição.” O termo “autonomia política”, sob o ponto de vista jurídico, congrega um conjunto de capacidades conferidas aos entes federados para instituir a sua organização, legislação, a administração e o governo próprios. A autoadministração e a autolegislação, contemplando o conjunto de competências materiais e legislativas previstas na Constituição Federal para os municípios, é tratada no artigo 30 da Lei Maior, nos seguintes termos:
A medida que se pretende instituir se insere, efetivamente, na definição de interesse local, porque diz respeito à garantia do direito à saúde, cuja responsabilidade é de todos os entes federados, conforme preceituam os artigos 6º, 23, II, e 196, caput, da CF/88. Quanto à matéria de fundo, não há óbices à tramitação da proposta, em virtude dos mesmos motivos que legitimam a competência do Município para legislar no caso. A Constituição Federal, no artigo 196, prevê: “A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.” O artigo 198, por sua vez, estabelece que os serviços de saúde se desenvolvem por meio de um sistema público organizado e mantido com recursos do Poder Público, nos seguintes termos:
Percebe-se, pois, que o Projeto de Lei nº 135/2017 está em consonância com o regramento constitucional a respeito do direito à saúde, especialmente consagrado no artigo 6º como direito fundamental e, como tal, possui aplicabilidade imediata, nos termos do § 1º do artigo 5º da CF. Ocorre que o Projeto de Lei nº 135/2017, da forma como elaborada a sua redação, contém vício de iniciativa. O sistema constitucional brasileiro se estruturou no princípio da tripartição dos poderes, na forma do artigo 2º da CF/88, de observância obrigatória pelos Estados, Distrito Federal e Municípios, tendo sido distribuídas funções típicas e atípicas aos poderes Legislativo, Executivo e Judiciário, os quais, entre si, são independentes e harmônicos. A mesma norma que institui a separação dos poderes proíbe ingerências indevidas de um poder sobre outro, de forma a garantir a já referida harmonia, motivo pelo qual a Constituição Federal estabeleceu determinadas matérias para as quais há reserva de iniciativa ao Chefe do Poder Executivo, por dizerem respeito a questões de organização administrativa e, especialmente, que estão sob o controle e gerenciamento do titular desse poder. Na CF/88, a reserva de iniciativa está prevista no artigo 61, § 1º, repetida na CE/RS pelo artigo 60, os quais preveem os inúmeros casos em que apenas o Chefe do Poder Executivo poderá deflagrar o processo legislativo. Por serem normas restritivas, tão somente essas hipóteses são reservadas ao Executivo; os demais casos são de iniciativa concorrente, garantindo-se a legitimidade das propostas por parte de membros do Legislativo. Ocorre que essas normas são demasiadamente amplas e carregam conceitos genéricos (“organização administrativa”, “servidores públicos”, “criação, estruturação e atribuições das Secretarias e órgãos da administração pública”, “serviços públicos”), tornando-se quase impossível, na prática, a atividade legislativa por iniciativa parlamentar para atribuir obrigações ao Poder Executivo, porque geralmente esbarram na reserva de iniciativa legitimada pelo princípio da separação dos poderes. No caso em análise, embora seja indiscutível o mérito, a medida determina a realização de diversas atividades direcionadas ao enfretamento da hepatite pelo Executivo em conjunto com o Legislativo, transpondo os limites do princípio da separação dos poderes. Além disso, no que concerne à iniciativa para a deflagração do processo legislativo, relevante é a observância das normas previstas na Constituição Estadual, uma vez que, em caso de eventual controle de constitucionalidade, o parâmetro para a análise da conformidade vertical se dá em relação ao disposto na Constituição Gaúcha, conforme preveem o artigo 125, § 2º, da CF e o artigo 95, XII, alínea “d”, da CE/RS. Apenas excepcionalmente o parâmetro da constitucionalidade será a Constituição Federal, desde que se trate de normas constitucionais de reprodução obrigatória (STF, RE nº 650.898/RS). Nesse caso, refere o artigo 60 da Constituição Estadual:
No âmbito municipal, a Lei Orgânica estabelece as competências legislativas privativas do Prefeito no artigo 119, nos seguintes termos:
O parágrafo único do artigo 1º do Projeto de Lei nº 135/2017, relacionando as atividades a serem desenvolvidas na prevenção e no combate à hepatite, refere: “Mediante a participação direta e critérios dos gestores da área da saúde, educação, direitos humanos e outras afins, serão desenvolvidas atividades em consonância com os princípios do Sistema Único de Saúde (SUS) de modo integrado com os poderes executivo e legislativo, fundamentalmente, com entidades e instituições do movimento social organizado e Câmara Municipal de Guaíba, como forma de contribuir para a resposta brasileira à epidemia...”. Veja-se, portanto, que o dispositivo relacionou deveres a serem cumpridos por diversos órgãos da esfera governamental, ultrapassando os limites do princípio da separação dos poderes e atingindo a reserva de iniciativa prevista no artigo 60, II, “d”, da CE/RS. É importante lembrar novamente que não se está defendendo a inconstitucionalidade da proposta sob o ponto de vista material. Pelo contrário, as medidas são de extrema relevância para o combate e a prevenção da hepatite. A inconstitucionalidade, na situação, restringe-se apenas ao aspecto formal da iniciativa, que é reservada ao Chefe do Poder Executivo, já que a proposta diz respeito às atribuições dos órgãos da administração pública (sobre o que deve ser realizado no mês de janeiro de cada ano). Eis o posicionamento da jurisprudência:
Em âmbito federal, a Lei nº 11.255, de 27 de dezembro de 2005, define diretrizes para a Política de Prevenção e Atenção Integral à Saúde da Pessoa Portadora de Hepatite, em todas as suas formas, no âmbito do SUS. A norma federal, de aplicação em todo o território nacional, prevê atividades para o enfrentamento da doença, reforçando os fundamentos do projeto de lei em análise. Portanto, para que não haja violação à reserva de iniciativa do Chefe do Poder Executivo, sugere-se a simplificação do Projeto de Lei nº 135/2017, nesses termos: “Art. 1º Fica instituído, no Município de Guaíba, o mês de janeiro como o destinado à realização de medidas de enfrentamento à hepatite, com foco na conscientização, prevenção, assistência, proteção e promoção dos direitos humanos das pessoas. Art. 2º Esta lei entra em vigor na data de sua publicação, revogadas as disposições em contrário.” E, assim, caso aprovado o projeto de lei, e tendo em vista que já se aplica em todo o território nacional a lei federal antes mencionada, cabe o envio de indicações e/ou requerimentos ao Executivo para fomentar a realização dos atos relacionados nas campanhas nacional e municipal. Desse modo, tal como recomendou o IGAM na orientação técnica nº 29.836/17, para que o Projeto de Lei nº 135/2017 se torne viável juridicamente, é necessário que sejam excluídas as atribuições para a administração, corrigindo-se a redação nos termos acima propostos. Alterado o texto e aprovado o projeto, recomenda-se, ainda, o envio de indicações e/ou requerimentos ao Executivo para estimular a realização de atividades de prevenção e de combate à hepatite com base nas campanhas nacional (Lei Federal nº 11.255/05) e municipal de enfrentamento da doença. Conclusão:Diante do exposto, a Procuradoria opina que a viabilidade jurídica do Projeto de Lei nº 135/2017 está condicionada ao atendimento das recomendações apresentadas. Do contrário, a proposta será formalmente inconstitucional, pela ocorrência de vício de iniciativa (artigo 60, inciso II, “d”, CE/RS). Nada impede, por outro lado, que seja remetida uma indicação ao Executivo com os termos da proposição, na forma do artigo 114 do Regimento Interno da Câmara de Vereadores. É o parecer. Guaíba, 04 de dezembro de 2017. GUSTAVO DOBLER Procurador Jurídico O Documento ainda não recebeu assinaturas digitais no padrão ICP-Brasil. |
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